Significando a diversidade sexual: uma análise dos dicionários em uso nas escolas públicas.
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- Luiz Gustavo di Castro
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1 Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008 Significando a diversidade sexual: uma análise dos dicionários em uso nas escolas públicas. Tatiana Lionço (ANIS Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero); Thaís Imperatori (ANIS Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero); Wederson Santos (ANIS Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero); Debora Diniz (UNB / Anis Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero) Homofobia; livros didáticos; diversidade sexual; política pública ST 40: Estado Laico, sexualidade e políticas públicas A homofobia é um fenômeno de intolerância à diversidade sexual. Da mesma forma que a xenofobia, o racismo ou o anti-semitismo, a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em restringir direitos básicos ao designar e classificar as pessoas como inferiores ou anormais (BORRILLO, 2000). Não há simplicidade na configuração do fenômeno da homofobia. É um fenômeno complexo, por vezes hostil e, às vezes, sutil na forma das sociedades lidarem com expressões da diversidade sexual que fogem dos padrões da heterossexualidade. No marco dos direitos humanos em sociedades democráticas, a homofobia é a opressão e negação de acesso a direitos básicos que promovem a dignidade, a autonomia e a liberdade de minorias sexuais. Por sua vez, a educação é espaço por excelência para questionamento, contestação e transformação de valores sociais, morais e simbólicos estabelecidos nas sociedades. Além disso, as escolas são espaços para promoção da cultura do reconhecimento da pluralidade das identidades e dos comportamentos relativos às diferenças como um todo (BRASIL, 2007). Recentemente, diversos estudos têm mostrado como a homofobia se manifesta no ambiente escolar (KNAUT, TERTO JR e POCAHY, 2006; UNESCO, 2004). Os estudos que tem lançado luz sobre o tema da homofobia nas escolas remetem à família, à direção das escolas e ao papel do professor em sala de aula importantes atores para a promoção e valorização da diversidade sexual para combater a homofobia e o preconceito em suas diversas esferas. É nesse contexto, que os livros didáticos utilizados em sala de aula ganham importância no que tange ao auxílio para o combate à discriminação, preconceito e homofobia nas escolas e na sociedade como um todo. O fenômeno da homofobia e da intolerância à diversidade sexual é multifacetado na sociedade brasileira. A pergunta que guiou a presente pesquisa permitirá isolar os espaços de permanência de valores homofóbicos na sociedade brasileira e, em particular, em ações oficiais do Estado no campo da
2 2 educação. Segundo pesquisa realizada pela UNESCO, a homofobia é uma das formas de violência que perpassa a realidade escolar brasileira (CASTRO et. al, 2004). Comportamentos e atitudes discriminatórios em relação à orientação sexual homossexual, bem como às identidades de gênero não hegemônicas, são legitimados por padrões culturais que ostentam hierarquias em relação aos sexos e à questão de gênero, embaçando a compreensão do caráter violento dos processos discriminatórios e depreciativos, que acabam por ser naturalizados. No contexto escolar, a linguagem e a comunicação ocupam importantes funções na manutenção e reprodução da violência homofóbica, e professores tendem a minimizar seus efeitos sob a justificativa do caráter não ofensivo das várias formas de brincadeira que sustentam representações rígidas em relação aos valores sexuais e de gênero. Por sua vez, o livro didático como instrumento constituinte da política pública de educação tem papel destacado para compor o cenário escolar e sua função pedagógica na produção de sentidos e práticas sociais condizentes com um ambiente democrático de valorização da autonomia e respeito à diversidade. A presente pesquisa teve o objetivo de analisar a linguagem sobre diversidade sexual dos livros didáticos recomendados pelo Ministério da Educação (MEC) no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) e dos livros didáticos em circulação sobre orientação sexual e ensino religioso para crianças e adolescentes de escolas públicas do ensino fundamental e médio. O livro didático é um dos principais instrumentos de promoção de um bem público, que é a educação média e fundamental no Brasil. O livro didático não resume a ação pedagógica do ensino e aprendizagem, no entanto seu potencial como fonte de recursos e informações para os professores é reconhecido. É exatamente por este papel central à atuação docente que o livro didático foi objeto de análise nesta pesquisa. O objetivo desta pesquisa foi avaliar como o tema da diversidade sexual é expresso nos materiais didáticos como instrumentos oficiais de políticas públicas para crianças e adolescentes no país. Os dicionários são compreendidos como importantes ferramentas para a aquisição de vocabulário e para o ensino-aprendizagem da leitura e escrita. Além de atender às necessidades específicas a cada faixa etária, a seleção dos dicionários a serem utilizados pelas escolas deve atentar para a sua adequação e potencial contribuição para a implementação do projeto pedagógico, estando em consonância com as diretrizes apresentadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. Metodologia
3 3 Esta é uma pesquisa cuja metodologia consistiu em análise de conteúdo, baseada em pesquisa documental qualitativa sobre a linguagem e as modalidades discursivas sobre diversidade sexual em ambiente escolar. O universo de análise foram os livros didáticos avaliados e aprovados pelo MEC para o ensino público fundamental e médio e os livros didáticos em circulação para ensino público fundamental e médio sobre orientação sexual e ensino religioso. Foi analisada uma amostra dos livros didáticos mais distribuídos para as escolas públicas brasileiras, em uso nos anos 2007 e 2008, referentes ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM). O objetivo da pesquisa foi o de verificar qual discurso sobre a diversidade sexual estaria veiculado nessas obras, atentando à existência de conteúdos homofóbicos. Das 100 obras mais distribuídas em todo o país, foram analisados 67 livros didáticos referentes ao ensino fundamental (Alfabetização, Língua Portuguesa, Ciências e História) e ao ensino médio (Língua Portuguesa, Ciências e Biologia). Constatou-se que o material para-didático (literatura, enciclopédias e dicionários) também poderiam configurar rico material para análise. Ao longo da análise das obras didáticas (PNLD e PNLEM), confirmou-se a hipótese de nulidade da presente pesquisa, a saber, que a avaliação das obras didáticas promovidas por meio de editais do MEC teria como efeito a não ocorrência de narrativas explicitamente homofóbicas nesses materiais pedagógicos. Como também nao há explicitamente discurso de promoção da diversidade sexual nos livros didáticos, optou-se pela análise de 25 dicionários distribuídos pelo PNLD e pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE) nos quais poderiam ser buscados diretamente significados atribuídos aos sujeitos diretamente prejudicados pela discriminação homofóbica (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais). Ainda, foram incluídos na analise os verbetes homem, mulher, casamento, família, sexualidade, sexo, sexismo, homofobia, homossexualidade e AIDS. Resultados A questão de gênero tem sido trabalhada nos livros didáticos das escolas públicas, abrangendo importantes avanços, tais como a necessidade de garantir igualdade de direitos entre homens e mulheres e a desconstrução de valores machistas e sexistas. Não consta nas obras didáticas, no entanto, a afirmação da diversidade sexual, persistindo a naturalização da heterossexualidade e a cristalização do binômio homem-mulher em termos essencializados.
4 4 A análise dos verbetes de dicionários se mostrou de todo relevante por permitir a apreensão de narrativas explicitas sobre a diversidade sexual. Os principais resultados verificados foram: a omissão de verbetes relacionados à sexualidade nos dicionários infantis, a naturalização dos papéis de gênero e da família heterossexual, o predomínio da perspectiva biológica na significação do sexo e da sexualidade, e a incidência de conotação patológica para as homossexualidades. A heteronormatividade é imperativa nas definições encontradas para casamento e família. Apesar do atual debate sobre novas configurações familiares, a família é apresentada como composta pelo núcleo pai-mãe-filhos, e o casamento como a união entre um homem e uma mulher visando a reprodução sexuada. Para os verbetes sexo e sexualidade, predominam significações biologizantes, reduzindo a experiência sexual à dimensão anátomo-fisiológica. A dimensão do prazer não é enfatizada, embora seja reincidente a equivalência de sexo ã noção de volúpia. As definições de gay, lésbica, bissexual, travesti e transexual implicam na grande maior parte das vezes o sufixo ismo (homossexualismo, lesbianismo, bissexualismo, travestismo, transexualismo), denotando a tendência à patologização das identidades de gênero discordantes do sexo biológico e das orientações sexuais não heterossexuais. Conclusão A orientação sexual, introduzida como tema transversal pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), decorreu, sobretudo, da preocupação com a gravidez na adolescência e com a prevenção a DST/Aids (ALTMANN, 2003). Sem deslegitimar a pertinência de ações de prevenção à concepção na adolescência e às doenças sexualmente transmissíveis, vale ressaltar que não é evidente que a diversidade de orientação sexual e de identidades de gênero sejam trabalhadas na formação escolar, que parece estabelecer uma continuidade entre a reflexão da sexualidade e da reprodução, podendo, inclusive, endossar a idéia de saúde sexual face aos agravos passíveis de decorrer do intercurso sexual como DST/Aids. Compreender o fenômeno da homofobia é compreender antes de tudo o modo como se expressa as possibilidades de gênero em uma sociedade (BUTLER, 2003; BORRILLO, 2000). Gênero são significados ou performances possíveis assumidos pelo corpo sexuado em determinado contexto histórico e social (BUTLER, 2003). Gênero não é meramente uma inscrição cultural de significado num sexo previamente dado e estabelecido pela natureza como se compreendeu durante um longo
5 5 período na teoria feminista. Ambos, sexo e gênero, são estabelecidos após longo processo de construção social e cultural por um aparato de instituições, práticas e discursos cujas origens são bastante múltiplas e difusas. O modo como tal categoria é trabalhada em salas de aula é fundamental para o reconhecimento do valor da diferença entre estudantes objetivando a prática da tolerância, igualdade e autonomia. É possível afirmar que existe certa preocupação em se tratar da temática de gênero nos livros didáticos brasileiros, o que não vem sendo acompanhado pelos dicionários utilizados em sala de aula, que persistem na veiculação de asserções sexistas, da naturalização da masculinidade e da feminilidade, e da restrita associação da sexualidade, do casamento e da família ã lógica heterossexual da reprodução sexuada. É papel da educação como política pública encontrar um caminho que promova a discussão sobre as demandas de igualdade das mulheres, superando uma sociedade sexista, sem que isso reforce padrões de opressão heteronormativos ampliando os espaços para a diversidade sexual. A escola pode ser o espaço onde é possível criar novos modelos para pensar e repensar o mundo em toda a sua diversidade e complexidade. Muito embora, orientação sexual tenha recebido tratamento especial nos PCNs, obtendo inclusive, volume próprio nos temas transversais, a afirmação da diversidade sexual está ausente nos livros didáticos, e, preocupantemente, é afirmada de modo depreciativo nos dicionários em uso nas escolas públicas. Homofobia é um fenômeno complexo e seus determinantes se encontram dispersos no tecido social. O material didático-pedagógico, bem como o material para didático, são instrumentos constituintes da educação como política pública, devendo estar estritamente vinculado com princípios orientadores de uma sociedade democrática, como igualdade, liberdade, autonomia e prática da tolerância. Embora a avaliação dos livros didáticos realizada sistematicamente pelo MEC seja eficaz na exclusão de linguagem homofóbica, o silenciamento e a naturalização dos papéis de gênero vinculados nos livros de diversas séries iniciais e da maioria das disciplinas obrigatórias podem contribuir para a manutenção dos valores homofóbicos na sociedade a partir do reforço dos padrões heteronormativos nos livros didáticos. Essa ressalva ganha forca ao constatarmos a afirmação explicita da patologização das identidades de gênero discordantes do sexo biológico e das orientações sexuais não heterossexuais nos dicionários. A ausência da afirmação da diversidade sexual como valor a ser preservado no material pedagógico atribui ao professor e à direção das escolas a total responsabilidade de trazer o tema de modo crítico na sala de aula. É papel do material didático, no entanto, resguardar as diretrizes curriculares e contribuir para a valorização da tolerância à diversidade sexual, além dos padrões heteronormativos.
6 6 Referências Bibliográficas ALTMANN, H. Orientação sexual em uma escola. Cadernos Pagu. Campinas, n : , BORRILLO, D. L Homophobie. Paris: Presses Universitaires de France, BRASIL. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Livro Didático. Disponível em: < Acesso em: 02 maio BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais. Brasília: MEC/SEF, BRASIL. Gênero e Diversidade Sexual na Escola: reconhecer e superar preconceitos. Cadernos CECAD 4. Ministério da Educação, BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Orientação Sexual. Brasília, BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais - ensino médio. Brasília: Ministério da Educação, BUTLER, J. Problemas de Gênero. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, CASTRO, M. G.; ABRAMOVAY, M; SILVA, L.B. Juventudes e Sexualidade, Brasília: UNESCO, KNAUT, DANIELA et. al. Política, Direitos, violência e homossexualidade: Pesquisa 8º Parada Livre de Porto Alegre. Porto Alegre: NUPACS, UNESCO. O perfil dos professores brasileiro: o que fazem, o que pensam, o que almejam. São Paulo: Moderna, 2004.
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