ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL PRAZO DE CADUCIDADE

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1 Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 06A2734 Relator: FARIA ANTUNES Sessão: 31 Outubro 2006 Número: SJ Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA. Decisão: NEGADA A REVISTA. ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL PRAZO DE CADUCIDADE Sumário 1-O sentido da nova redacção do nº 4 do artº 144º do CPC não é o de estender o prazo nele previsto aos regimes de caducidade previstos noutros códigos, mas sim o de generalizar o regime dos prazos judiciais de caducidade restritivamente previstos, aos demais casos que o CPC prevê. 2-O prazo de caducidade de 30 dias a que se encontra sujeita a anulação da deliberação social, por força do nº 2 do artº 59º do CSC, apenas se suspende e se interrompe nos casos que a lei civil determina. Texto Integral Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Empresa-A instaurou acção ordinária contra Empresa-B, para anulação das deliberações sociais tomadas na assembleia geral da ré realizada em A ré contestou por excepção, arguindo a extinção do direito da autora por caducidade, e por impugnação. A autora replicou. No saneador, o Senhor Juiz julgou procedente a excepção da caducidade, absolvendo a ré do pedido. A demandante apelou para a Relação de Guimarães que confirmou o decidido. Recorre agora de revista, concluindo: 1º- O acórdão confirmou o saneador-sentença baseando-se no facto de a assembleia geral se ter realizado em e a acção de anulação apenas ter entrado em juízo em , tendo o prazo legal terminado em 1 / 6

2 ; 2º- Todavia, tendo o prazo para interposição da acção terminado em , sempre se teria de concluir pela interposição atempada da mesma, pois a data de entrada corresponde ao terceiro dia útil posterior ao termo do prazo; 3º- Nos termos do artº 145º, nºs 5 e 6 do CPC, dever-se-ia ter considerado a acção como proposta dentro do prazo e, não tendo sido paga de imediato a multa, como nunca poderia ter sido uma vez que a acção foi remetida por correio registado, teria a secretaria que notificar a recorrente para proceder a tal pagamento, sem que isso significasse a perda de qualquer direito; 4º- A recorrente interpôs anteriormente providência cautelar de suspensão das deliberações sociais, que veio também a ser indeferida com base em dois argumentos: falta de argumentação bastante que pudesse levar ao deferimento da providência cautelar e entrada fora de prazo da acção principal (ora em causa) da qual a providência cautelar dependia; 5º- Dessa decisão interpôs a recorrente agravo, vindo os Ex.mos Desembargadores a considerar que "Finalmente é claro hoje que os prazos para a propositura de acções estão enquadrados no regime geral do nº 4 do artº 144º independentemente de poderem ser qualificados como de natureza adjectiva ou substantiva (com total prejuízo do Assento nº 8/94)", dando neste ponto razão a um dos argumentos da recorrente em sede desse recurso, segundo o qual a acção principal teria entrado dentro do prazo, uma vez que o dia era o terceiro dia útil posterior ao termo do prazo, tal como o que está em causa nos presentes autos, enquadrando-se tal situação no nº 5 do artº 145º do CPC; 6º- E não se diga que a recorrente para usufruir do regime contido no artº 145º, nº 5, teria que alegar a entrada fora de prazo da petição, pois, é jurisprudência praticamente unânime no sentido de não ser necessária tal invocação; 7º- Ora, dúvidas não restam de que a acção entrou no terceiro dia útil posterior ao termo do prazo, aplicando-se ao caso o regime do artº 145º, nº 5 do CPC, conforme, aliás já foi decidido no âmbito do recurso interposto do indeferimento da providência cautelar que dependia da presente acção e, não tendo sido requerido pela recorrente o pagamento da multa prevista naquele preceito, deveria a secretaria tê-ia notificado dessa falta de pagamento, por sua iniciativa ou após despacho do Mmº Juiz, só após o prazo que viesse a ser fixado para proceder ao pagamento em falta se podendo considerar precludido o direito da autora, com a consequente caducidade da acção intentada; 8º- Ao decidir-se de forma diversa violaram-se os artºs 59º, nº 3 do CSC e 145º, nºs 5 e 6 do CPC; 2 / 6

3 9º- Sem prescindir, decidiu-se que tendo a assembleia em causa sido encerrada no dia , a acção principal teria que ter dado entrada impreterivelmente até ao dia , mas, tendo sido dado por encerrada naquele dia, o certo é que a acta correspondente à mesma apenas foi remetida à recorrente no final do mês em causa (Novembro) - como se comprova pelo facto de aquando da apresentação da providência cautelar ter sido requerida a junção aos autos da acta em causa - e, sendo certo que a apresentação da acção de anulação não depende de apresentação da respectiva acta (artº 59º, nº 4 CSC), não menos certo é que apenas com a acta em causa se poderia aferir se a mesma seria representação fiel da assembleia realizada e, concomitantemente, das deliberações que ali haviam sido tomadas; 10º- Na verdade, tendo em conta os antecedentes (assembleia que deu origem à providência cautelar que correu termos no Tribunal Judicial da Póvoa de Lanhoso sob o nº 231/04.4 TBPVL), não havia qualquer garantia de que a acta fosse representação fiel do que se havia passado na assembleia correspondente, correndo-se o risco de se estar a intentar acção de anulação de deliberações que depois poderiam não aparecer representadas na acta correspondente, pelo que não poderá deixar de se considerar que o prazo de 30 dias para intentar a acção de anulação apenas terminaria nos últimos dias de Dezembro e não no dia 10 como foi decidido; 11º- Ao decidir de forma contrária violou-se também o artº 59º nº 3 do CSC, Devendo o acórdão ser revogado, prosseguindo a acção de anulação de deliberações sociais a sua normal tramitação. Contra-alegou a recorrida, pugnando pela manutenção do decidido. Corridos os vistos, cabe decidir. A 1ª instância entendeu que a acção de anulação das deliberações sociais tinha de ser proposta no prazo de 30 dias contados ininterruptamente desde a data do encerramento da assembleia geral, e não a partir da data de conhecimento integral da acta, por ser a partir daquele momento que o artº 59º, nº 2 do CSC manda fazer a contagem de tal prazo, que é de natureza substantiva, e não de natureza processual como pressupõe a autora, não podendo ser contado de acordo com o regime do artº 144º do CPC. A Relação conformou o decidido. Vejamos. Textua o artº 59º do Código das Sociedades Comerciais, além do mais, que o prazo para a proposição da acção de anulação é de 30 dias, contados a partir da data em que foi encerrada a assembleia geral (nº 2, a)) e que tal acção não depende de apresentação da respectiva acta (nº 4) (sublinhados nossos). O prazo não se conta, por conseguinte, a partir da data da apresentação da respectiva acta, tanto que o mesmo nº 4 acrescenta que se o sócio invocar 3 / 6

4 impossibilidade de a obter, o juiz mandará notificar as pessoas que, nos termos da lei, devam assinar a acta, para a apresentarem no tribunal, no prazo que fixar, até 60 dias, suspendendo a instância até essa apresentação. Não existe na letra da lei qualquer correspondência verbal, mínima que seja, no sentido de o prazo para intentar a acção se contar apenas a partir do momento em que o autor tenha acesso ao teor da acta, reportando-se o nº 3 do mesmo artigo às assembleias gerais interrompidas, o que não foi o caso da assembleia dos autos. O legislador não estabeleceu qualquer excepção nesta matéria, não concedeu qualquer prazo adicional mesmo no caso de se suspeitar que a acta poderá não vir a corresponder com fidelidade ao que efectivamente se passou na assembleia, garantia de fidelidade que aliás inexiste relativamente à acta de qualquer assembleia. Não se mostra portanto infringido o nº 3 do artº 59º do CSC, tendo as instâncias decidido correctamente ao tomarem em consideração, como termo a quo, o dia , data em que encerrou a ajuizada assembleia geral da ré. Assim sendo, o termo ad quem para a propositura da acção ocorreu em , pois não é aplicável o disposto no artº 144º do CPC ao prazo de 30 dias previsto no artº 59º do CSC, pois o prazo de propositura da acção de anulação não é um prazo de natureza processual, mas substantiva, não lhe sendo aplicável o disposto nos artºs 144º e 145º do CPC, mas sim o disposto no artº 279º da lei substantiva, inexistindo consequentemente a faculdade de diferir o prazo para a instauração da acção mediante multa, aplicando-se antes o regime próprio da caducidade, nos termos do artº 298º, nº 2 do C. Civil. Como decidiu o STJ em acórdão de (Revista nº 2388/02, 2ª Secção, relator o Conselheiro Simões Freire), sumariado na Edição Anual 2002 do Boletim de Circulação Interna, pág. 269):... O sentido da nova redacção do nº 4 do artº 144º do CPC não é o de estender o prazo nele previsto aos regimes de caducidade previstos noutros códigos, mas sim o de generalizar o regime dos prazos judiciais de caducidade restritivamente previstos, aos demais casos que o CPC prevê (II)...; O prazo de caducidade de 30 dias a que se encontra sujeita a anulação da deliberação social, por força do nº 2 do artº 59º do CSC, apenas se suspende e se interrompe nos casos que a lei civil determina...(iv). Tendo o prazo de 30 dias a que se vem aludindo natureza substantiva, ainda que se considerasse - como consideraram as instâncias - que a acção foi proposta em (por ser essa a data do registo do correio em que foi remetida ao Tribunal a petição inicial), sempre haveria de se considerar que caducou o direito de a recorrente impetrar a anulação das deliberações em causa, por a acção ter sido instaurada para além do prazo e não serem 4 / 6

5 aplicáveis as regras do artº 145º, nºs 4 a 7 do CPC. Mas a recorrida sustenta que a acção foi proposta em e não em como entenderam as instâncias...- e não pode deixar de se concordar com ela. Com efeito, os autos documentam o seguinte: -- As instâncias (partindo do constante de fls. 36, que - diga-se - se nos não afigura totalmente claro) deram como assente que o correio que remeteu a petição inicial para o Tribunal foi registado em e que por isso a acção foi proposta nessa mesma data; -- No carimbo de entrada no Tribunal consta a data de (entrada nº 61658), tendo o senhor oficial de justiça escrito ao lado daquele carimbo e por cima do cabeçalho da petição inicial "Recusado nos termos do disposto no artº 474º, al. f) do C.P.C."; -- A fls. 37, com carimbo de entrada no Tribunal em (entrada 61961), o Senhor Advogado da autora/recorrente escreveu ao escrivão do Tribunal enviando o comprovativo de pagamento de taxa de justiça inicial, alegando não o ter junto aquando da apresentação da acção, por lapso, agradecendo que seja anexado à acção bem como o cuidado tido em avisá-lo telefonicamente de tal falta; -- O referido comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial consta de fls. 38, dele se vendo que a transacção foi efectuada em Pois bem. O artº 474º, nº 1, f) do CPC determina que a secretaria recuse o recebimento da petição inicial, indicando por escrito o fundamento da rejeição, quando não tenha sido junto o documento comprovativo de prévio pagamento da taxa de justiça inicial (sublinhado e negrito da nossa lavra), excepto no caso previsto no nº 4 do artº 467º, que aqui se inverifica. Todavia, resulta do disposto no artº 476º, ibidem, que se considera a acção proposta na data da entrada da petição em juízo se o autor juntar o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento da petição. Ora, a autora não juntou documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, já que o comprovativo de pagamento indica o dia , data posterior à da expedição da p.i. pelo correio ( ) e mesmo à do carimbo de entrada da mesma peça em juízo ( ), pelo que não pode a acção ser considerada proposta nem em , nem tão pouco em / 6

6 Como se vê do espaço que encima o cabeçalho da petição inicial, foi aposto um segundo carimbo de entrada em juízo, com a data de (entrada 61962), que é a data do "Comprovativo de Registo" com o número identificador de pagamento, processo e depositante, como se vê de fls. 39. Esse segundo carimbo de entrada deve considerar-se plenamente justificado visto a autora não poder usufruir do benefício de se considerar a acção proposta em (ou sequer em ), já que não juntou documento comprovativo de prévio pagamento da taxa de justiça inicial, dentro dos 10 dias referidos no artº 476º das lei adjectiva, já atrás mencionados (o pagamento foi feito só em ). A acção foi portanto proposta em , muito para além do prazo legal de 30 dias. Donde, ainda que o prazo de 30 dias assinalado pelo nº 2 do artº 59º do CSC não tivesse natureza substantiva, isto é, ainda que fossem aplicáveis os artºs 144º e 145º do CPC - contra o entendimento atrás professado... - sempre se teria de considerar que caducou o direito de a recorrente propor esta acção. Termos em que acordam em negar a revista, confirmando o cordão recorrido, posto que com algo diferente fundamentação, condenando a recorrente nas custas. Lisboa, 31 de Outubro de 2006 Faria Antunes Sebastião Póvoas Moreira Alves 6 / 6