VIAGEM: A METAPOESIA EM CECÍLIA MEIRELES
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- Mariana Clementino Frade
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1 SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA/SECRETARIA DE EDUCAÇÃO POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE GOIÁS COMANDO DE ENSINO POLICIAL MILITAR COLÉGIO DA POLÍCIA MILITAR SARGENTO NADER ALVES DOS SANTOS SÉRIE/ANO: 3º Ano TURMA(S): A B C D DISCIPLINA: Literatura PROFESSOR (A): Fernando Alves Pires ALUNO (A): Nº A T I V I D A D E S DATA: / / 2016 VIAGEM: A METAPOESIA EM CECÍLIA MEIRELES André Luiz Alves Caldas Amóra (UniverCidade) Tatiana Alves Soares Caldas (UNESA e UniverCidade) Uma palavra caída das montanhas dos instantes desmancha todos os mares e une as terras mais distantes. A poesia brasileira, na segunda fase do modernismo, vivia seus melhores momentos. Era uma geração despreocupada com as questões imediatistas da geração de 22. Percebe-se, do ponto de vista literário, uma maturidade, pois não há mais a necessidade de escandalizar os meios acadêmico-culturais - tônica da Geração de 22 -, mas de levar adiante o projeto de liberdade de expressão. Nota-se a presença de versos livres e de sonetos voltados para as questões universais do homem e para os problemas de uma sociedade capitalista. Verificam-se ainda reflexões sobre o fazer poético, além do misticismo e da religiosidade. Nessa fase encontram-se poetas como: Carlos Drummond de Andrade, com poesias sociais e de combate e reflexões sobre o papel do homem no mundo; Jorge de Lima, com poesias metafóricas e metafísicas; Murilo Mendes, com poesias surrealistas; Vinícius de Moraes, cuja poesia caminha cada vez mais para a percepção material da vida, do amor e da mulher, e Cecília Meireles, que envereda pela direção da reflexão filosófica e existencial, sendo a autora objeto deste estudo. Cecília Benevides de Carvalho Meireles ( ) é a primeira grande escritora da literatura brasileira e a principal voz feminina de nossa poesia moderna. Sua obra privilegia a riqueza do léxico, numa linguagem que explora os símbolos e as imagens sugestivas, sobretudo os de forte apelo sensorial, enveredando inclusive pela musicalidade. A rigor, Cecília Meireles nunca esteve filiada a nenhum movimento literário. Sua poesia, de modo geral, filia-se às tradições luso-brasileiras. Apesar disso, suas publicações iniciais - Espectros (1919), Nunca mais... e poemas dos poemas (1923) e Baladas para El-Rei (1925) - evidenciam certa inclinação para o Simbolismo. Essa tendência é confirmada pela participação da autora na revista carioca Festa, órgão literário de orientação espiritualista que defendia o universalismo e a preservação de certos valores tradicionais da poesia. Mário de Andrade enfatiza a sua qualidade artística, mostrando-nos a grande importância dessa poetisa em nossa literatura: Ela é desses artistas que tiram seu ouro onde o encontram, escolhendo por si, com rara independência. E seria este o maior traço de sua personalidade, o ecletismo, se ainda não fosse maior o misterioso acerto, dom raro com que ela se conserva sempre dentro da mais íntima e verdadeira poesia. (ANDRADE, 1955: 71) Do ponto de vista formal, a escritora foi uma das mais habilidosas, apresentando cuidadosa seleção vocabular. Cultivou uma poesia reflexiva, de fundo filosófico, que abordou, dentre outros, temas como a transitoriedade da vida, a efemeridade do tempo, o amor, o infinito, a natureza, a criação artística. Além disso, a freqüência com que os elementos como o vento, a água, o mar, o ar, o tempo, o espaço, a solidão e a música aparecem em sua poesia dá a ela um caráter fluido e etéreo, que confirmam a inclinação neo-simbolista. A atitude de questionamento e a tentativa de compreender o mundo revelam uma postura intuitiva, realizada a partir das próprias experiências, como se percebe em comentário feito pela poetisa: Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me
2 deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno. (GOLDSTEIN, 1982: 3) Viagem, obra que consagra a autora, além da interpretação de uma trajetória espiritual, apresenta poemas que refletem sobre o fazer poético, em indagações ainda encontradas em livros posteriores. Utilizandose de jogos de palavras, metáforas, sinestesias, dentre outras figuras de linguagem, o eu lírico investiga o processo de criação literária. Tal questão é tematizada em várias poesias, como se verifica no poema Motivo: Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta. Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e dias no vento. Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, - não sei, não sei. Não sei se fico ou passo. Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: - mais nada. (MEIRELES, 1982: 14) Na primeira estrofe, a preocupação com a fugacidade do tempo é evidenciada, como se observa nos dois primeiros versos, com a valorização do instante, que surge como justificativa do cantar que lhe preenche a vida. Ao afirmar não ser alegre nem triste, mas poeta, o eu lírico defende o distanciamento entre o sentir e o cantar, à semelhança do fingimento pessoano. A segunda estrofe reitera a efemeridade e a inconstância do viver. O eu lírico coloca-se como irmão das coisas fugidias, e essa inconstância é confirmada pela imagem do vento. Na estrofe seguinte, à imagem da inconstância segue-se a da dúvida, expressa pela repetição da conjunção alternativa, bem como da condicional. O ou e o se que denotam a indefinição que vitima o sujeito lírico são intensificados pelo não sei que se repete de forma exaustiva, marcando a interrogação do eu diante da vida. Observe-se ainda que as inquietações do eu lírico sugerem uma reflexão sobre o papel da poesia e sobre a recepção da obra de arte pelo público: Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, - não sei, não sei. Não sei se fico ou passo. (Ibidem: 14) A última estrofe retoma a imagem do cantar, aqui visto como um estado de plenitude. A arte teria o poder de retratar o instante e, ao mesmo tempo, de eternizá-lo. O eu lírico associa diferentes aspectos da criação literária, como a eternidade e a liberdade, nas imagens do sangue eterno e da asa ritmada: Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: - mais nada. (Ibidem: 14) Os dois últimos versos confirmam a importância do canto, na medida em que mostram um eu que tem na poesia sua razão de viver. A mudez a que o eu lírico se refere opõe-se ao canto poético, e o nada que fecha o
3 poema contrasta com o tudo, relativo ao cantar. Nota-se, portanto, que o fazer poético representa a totalidade, restando somente o vazio quando não houver mais arte. Um dos aspectos relacionados à metapoesia em Cecília diz respeito à imagem do eu lírico enquanto poeta. A preocupação quanto ao sentido do ser poeta é evidenciada no poema Discurso: E aqui estou, cantando. Um poeta é sempre irmão do vento e da água: deixa seu ritmo por onde passa. Venho de longe e vou para longe: mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes andaram. Também procurei no céu a indicação de uma trajetória, mas houve sempre muitas nuvens. E suicidaram-se os operários de Babel. Pois aqui estou, cantando. Se eu nem sei onde estou, como posso esperar que algum ouvido me escute? Ah! se eu nem sei quem sou, Como posso esperar que venha alguém gostar de mim? (MEIRELES, Op. Cit.: 17) Neste poema, a ideia do instante verificada em Motivo é retomada através de imagens que traduzem a transitoriedade, como vento e água, e marcas textuais que denotam o instante espaço-temporal presente - E aqui estou -, como se observa nas duas primeiras estrofes. Percebe-se a constatação de um eu que se assume como poeta no verbo cantar e na referência à figura do escritor, também colocado como algo fugidio. As duas estrofes seguintes relatam a busca incessante, por parte do eu lírico, do sentido do canto, expresso inclusive pelo termo discurso, que intitula o poema. O poeta aparece aqui como um andarilho, e sua busca fracassa justamente em virtude da constante mudança das coisas: Venho de longe e vou para longe: mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes andaram. Também procurei no céu a indicação de uma trajetória, mas houve sempre muitas nuvens. E suicidaram-se os operários de Babel. (Ibidem: 17) Nota-se que o eu lírico buscou, no chão e no céu, os sinais de sua trajetória. A conjunção mas demonstra uma frustração do ser poético, quando se depara com a falta de clareza - metaforizada pelas nuvens -, ou com serpentes e ervas que lhe cobriram o caminho, simbolizando a efemeridade das coisas. No último verso, é explicitada a angústia do não-entendimento, presente na imagem do suicídio dos operários de Babel. O instante espaço-temporal é novamente explorado na estrofe seguinte. O eu lírico enfatiza a insistência de seu cantar: Pois aqui estou, cantando. Se eu nem sei onde estou, como posso esperar que algum ouvido me escute? Ah! se eu nem sei quem sou, Como posso esperar que venha alguém gostar de mim? (Ibidem: 17) Observa-se, nas duas últimas estrofes, um ser poético sem rumo, em conflito pela incompreensão do sentido da vida, ou da própria arte. Além da busca ontológica, vê-se a temática da recepção da obra de arte pelo público, expressa pela preocupação com algum ouvido que o escute ou com alguém que goste dele. A reflexão sobre a obra de arte e seu público é encontrada também em Herança, poema que pensa a figura do poeta, bem como sua permanência na posteridade: Eu vim de infinitos caminhos,
4 e os meus sonhos choveram lúcido pranto pelo chão. Quando é que frutifica, nos caminhos infinitos, essa vida, que era tão viva, tão fecunda, porque vinha de um coração? E os que vierem depois, pelos caminhos infinitos, do pranto que caiu dos meus olhos passados, que experiência, ou consolo, ou prêmio alcançarão? (MEIRELES, op.cit.: 111) A herança refere-se tanto à preocupação em permanecer, por meio da obra, no futuro, quanto à influência advinda dos estilos passados, sobretudo do Simbolismo, que marcou de forma inegável a produção ceciliana. Tal influência pode ser mais claramente percebida na primeira estrofe, em que o eu lírico mostra o lado cósmico de sua poesia, na imagem dos infinitos caminhos. Há também uma reflexão sobre a linguagem - poesia - no lúcido pranto decorrente dos sonhos, quando o eu lírico pensa o processo de criação artística. Notese que, apesar de ter sua origem nos sonhos, o pranto é lúcido e se espalha pelo chão, remetendo à transcendência simbolista acrescida de traços modernistas. A questão do surgimento da obra será explorada na estrofe seguinte, na qual é reiterada a indagação referente ao fazer poético, ao abordar a inspiração, aqui associada ao sentimento - coração. A última estrofe enfoca diretamente a temática da influência da obra de arte sobre as gerações futuras. Nesse momento, o eu lírico trabalha a herança a ser deixada por ele. Ao se referir a experiência, consolo ou prêmio, o eu pensa os diferentes olhares lançados sobre a obra de arte: E os que vierem depois, pelos caminhos infinitos, do pranto que caiu dos meus olhos passados, que experiência, ou consolo, ou prêmio alcançarão? (Ibidem: 111) Enfim, a preocupação com o fazer poético nas poesias aqui estudadas cultiva uma reflexão, uma atitude de questionamento e a tentativa de compreender o mundo, através da efemeridade do tempo, da transitoriedade da vida. A poesia de Cecília Meireles, em Viagem, caminha para a fusão da vida e poesia / natureza e poeta, com um caráter fluido e etéreo, que confirma a sua inclinação neo-simbolista. BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Mário de. O empalhador de passarinho. 2ª ed.. São Paulo: Martins, BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 2ª ed. São Paulo: Cultrix, Cecília Meireles. Seleção de textos, notas, estudo biográfico, histórico e crítico e exercícios por Norma Seltzer Goldstein & Rita de Cássia Barbosa. (coleção Literatura Comentada). São Paulo: Abril Educação, CHEVALIER, Jean & GHEERBRANDT, Alain. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, MEIRELES, Cecília. Viagem e Vaga Música. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1982. Questão 1- (UFSCAR) Reinvenção A vida só é possível reinventada. Anda o sol pelas campinas e passeia a mão dourada pelas águas, pelas folhas... Ah! tudo bolhas Atividades que vêm de fundas piscinas de ilusionismo... - mais nada. Mas a vida, a vida, a vida a vida só é possível reinventada. [ ] Podemos dizer que, nesse trecho de um poema de Cecília Meireles, encontramos traços de seu estilo a) sempre marcado pelo momento histórico. b) ligado ao vanguardismo da geração de 22. c) inspirado em temas genuinamente brasileiros. d) vinculado à estética simbolista. e) de caráter épico, com inspiração camoniana.
5 Questão 2 - (UFU) Leia o poema abaixo: Retrato Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro, nem estes olhos tão vazios, nem o lábio tão amargo. Eu não tinha estas mãos sem força, tão paradas e frias e mortas, Assinale a alternativa INCORRETA de acordo com o poema: eu não tinha este coração que nem se mostra. Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa e fácil: - Em que espelho ficou perdida a minha face?" a) A expressão "mãos sem força", que aparece no primeiro verso da segunda estrofe, indica um lado fragilizado e impotente do "eu" poético diante de sua postura existencial. b) As palavras mais sugerem do que escrevem, resultando, daí, a força das impressões sensoriais. Imagens visuais e auditivas, em outros poemas, sucedem-se a todo momento. c) O tema revela uma busca da percepção de si mesmo. Antes de um simples retrato, o que se mostra é um autorretrato, por meio do qual o "eu" poético olha-se no presente, comparando-se com aquilo que foi no passado. d) Não há no poema o registro de estados de ânimo vagos e quase incorpóreos, nem a noção de perda amorosa, abandono e solidão. Questão 3 - Sobre Cecília Meireles, é INCORRETO afirmar: a) Embora não tenha pertencido diretamente ao chamado grupo católico carioca formado por Jorge de Lima, Murilo Mendes, Ismael Nery, Tristão de Ataíde, entre outros, Cecília Meireles também apresenta em sua obra traços espiritualistas. b) A obra de Cecília Meireles caminha em direção à reflexão filosófica e existencial. c) Juntamente com Rachel de Queiroz, Cecília Meireles foi uma das primeiras mulheres a conquistar o reconhecimento do valor de sua obra na Literatura brasileira. d) Filiou-se ao neossimbolismo e, em seus poemas, é possível notar um lirismo conciliado a uma perspectiva bem humorada da vida. e) Suas poesias denotam certa inclinação para a estética simbolista, embora a poeta não estivesse filiada a nenhum movimento literário. Questão 4 Canção Pus o meu sonho num navio e o navio em cima do mar; - depois, abri o mar com as mãos, para o meu sonho naufragar Minhas mãos ainda estão molhadas do azul das ondas entreabertas, e a cor que escorre de meus dedos colore as areias desertas. debaixo da água vai morrendo meu sonho, dentro de um navio... Chorarei quanto for preciso, para fazer com que o mar cresça, e o meu navio chegue ao fundo e o meu sonho desapareça. Depois, tudo estará perfeito; praia lisa, águas ordenadas, meus olhos secos como pedras e as minhas duas mãos quebradas. O vento vem vindo de longe, a noite se curva de frio; A partir da leitura do poema Canção, de Cecília Meireles, podemos notar a presença dos seguintes elementos nos versos da poeta: a) inclinação para a estética neossimbolista perceptível através da utilização de elementos como mar, sonho, ondas, areias, águas, conferindo ao poema um caráter fluido e etéreo. b) Presença do monólogo interior, digressão e fragmentação dos versos que contribuem para a temática da existência. c) Preocupação com a reflexão filosófica, com os modelos clássicos, além de uma temática notadamente pessimista. d) Proximidade com o mundo material, temas relacionados com o cotidiano, sobretudo com as questões sociais.
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