Autor e Narrador: Diferenças
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- Ana Sofia Belém Pacheco
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1 Aluno: Nº COLÉGIO MIRANDA Data: / /2012 Prof.: Érica ªsérie Disciplina: Literatura S h a r e o n te f wm a ci av et io bt lr oe i or t ke s SISTEMA ANGLO DE ENSINO Autor e Narrador: Diferenças Qual é, afinal, a diferença entre Autor e Narrador? Existe uma diferença enorme entre ambos. Autor É um homem do mundo: tem carteira de identidade, vai ao supermercado, masca chiclete, eventualmente teve sarampo na infância e, mais eventualmente ainda, pode até tocar trombone, piano, flauta transversal. Paga imposto. Narrador É um ser intradiegético, ou seja, um ser que pertence à história que está sendo narrada. Está claro que é um preposto do autor, mas isso não significa que defenda nem compartilhe suas ideias. Se assim fosse, Machado de Assis seria um crápula como Bentinho ou um bígamo, porque, casado com Carolina Xavier de Novais, casou-se também com Capitu, foi amante de Virgília e de um semnúmero de mulheres que permeiam seus contos e romances. O narrador passa a existir a partir do instante que se abre o livro e ele, em primeira ou terceira pessoa, nos conta a história que o livro guarda. Confundir narrador e autor é fazer a loucura de imaginar que, morto o autor, todos os seus narradores morreriam junto com ele e que, portanto, não disporíamos mais de nenhuma narrativa dele. Tipos de focos narrativos Agora que você já sabe a diferença entre autor e narrador, passemos as escolhas que o último faz para narrar. Esta escolha se chama foco narrativo, ou seja, a posição em que o narrador assume a pessoa do discurso por que optará. O foco narrativo é também chamado ponto de vista do narrador, ou seja, significa como, em que posição o narrador vai contar a história. Há, para isso, dois modos: ou narrará em 1ª ou escolherá narrar em 3ª pessoa. 1. Narrador em primeira pessoa (personagem narradora) É, geralmente, a personagem principal; daí o tom memorialista que o relato adquire. Paulo Honório, de São Bernardo, ou Bento Santiago, de D. Casmurro, são personagens narradoras: contam suas próprias histórias. Nem sempre, no entanto, os narradores em primeira pessoa são as personagens protagonistas: em A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, a personagem que narra os fatos é José Fernandes, coadjuvante; o protagonista é Jacinto de Tormes. Observe os textos abaixo: Texto 1 - Sem aviso Tanta coisa que então eu não sabia. Nunca tinham me falado, por exemplo, deste sol das três horas. Também não me tinham falado deste ritmo tão seco, desta martelada de poeira. Que poeira, tinham me dito. Mas o passarinho que vem para minha esperança do horizonte abra asas abertas, um bico de águia inclinado rindo. Quando nos álbuns de adolescente eu respondia com orgulho que não acreditava no amor; era então que eu mais amava. Também não sabia no que dá mentir: Comecei a mentir por precaução, e ninguém me avisou do perigo de ser precavida, e depois nunca mais a mentira descolou de mim. E tanto menti que comecei a mentir até a minha própria mentira. E isso -já atordoada eu sentia - era dizer a verdade. Até que decaí tanto que a mentira eu a dizia crua, simples, curta: eu dizia a verdade bruta. (Clarice Lispector; Fundo de Gaveta, in A Legião Estrangeira, p. 145, Ed. Do Autor) Texto 2 - A Cidade e as Serras Jacinto e eu, José Fernandes, ambos nos encontramos e acamaradamos em Paris, nas escolas do Bairro Latino, para onde me mandara meu bom tio Afonso Fernandes Lorena de Noronha e Sande, quando aqueles malvados me
2 riscaram da Universidade por eu ter esborrachado, numa tarde de procissão, na Sofia, a cara sórdida do Doutor Pais Pita. Ora, nesse tempo Jacinto concebera uma ideia... Este Príncipe concebera a ideia de que "o homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado." (...) Por uma conclusão bem natural, a ideia de civilização, para Jacinto, não se separava da imagem da cidade, de uma enorme cidade, com todos os seus vastos órgãos funcionando poderosamente. Nem este meu supercivilizado amigo compreendia que longe de armazéns servidos por três mil caixeiros; e de mercados onde se despejavam os vergéis e lezírias de trinta províncias (...)" Eça de Queirós No primeiro texto, você pode observar o típico narrador protagonista. Ele é o centro da ação que narra e todos os acontecimentos giram ao seu redor, bem como impressões e sentimentos; no segundo texto, o narrador é secundário, amigo da personagem protagonista. Mas narra em I a pessoa, usando como recurso a primeira pessoa do plural quando se inclui na narrativa. O romance A Cidade e as Serras é um bom exemplo de narrador coadjuvante porque todas as ações narrativas estão centradas em Jacinto de Tormes e ele, José Fernandes, a tudo observa. 2. Narrador em terceira pessoa Este tipo de narrador não é personagem do que narra. Ele apenas relata os fatos, registra as ações de uma história que não é a sua. Pode ser visto sob dois aspectos: a) Narrador observador É apenas um observador e conta os fatos como espectador de uma história. Façamos uma comparação com a vida real: é alguém que, tal como um narrador esportivo, vê e relata, por exemplo, um jogo de futebol. Está do lado de fora da partida, narra o que vê. Texto 3 - O Guerreiro Retumba a festa na taba dos araguaias. As fogueiras circulam a vasta ocara e derramam no seio da noite escura as chamas da alegria (26). Toda a tarde o trocano reboou chamando os guerreiros das outras tabas à grande taba do chefe. Era a festa guerreira de Jaguarê, filho de Camacã, o maior chefe dos araguaias. No fundo da o cara, preside o conselho dos anciões, que decide da paz ou da guerra e governa a valente nação. Os anciões sentados no longo girau contemplam taciturnos a geração de guerreiros que eles ensinaram a combate I; e têm saudades da passada glória. Suspenso em frente deles está o grande arco da nação Araguaia, ornado nas pontas das penas vermelhas da arara. É a insígnia do chefe dos guerreiros, a qual Camacan, pai de Jaguarê, conquistou na mocidade e ainda conserva, pois ninguém ousa disputá-ia. José de Alencar - Ubirajara b) Narrador onisciente Também narra em terceira pessoa, tal como o primeiro, mas é capaz de penetrar na intimidade de suas personagens; não só relata os fatos, mas traz para o texto tudo o que suas personagens pensam e sentem, revelando-lhes o mundo interior, desejos, frustrações, alegrias, ódios. Este tipo de narrador desvenda o mundo interior das personagens, aponta e mostra ao leitor todas as emoções que elas guardam em si: Texto 4 - O crime do Padre Amaro Todavia o escrevente vivia ainda inquieto, amargurava-o encontrar o pároco instalado ali todas as noites, com a face próspera, a perna trançada, gozando a veneração das velhas. "A Ameliazinha, sim, agora portava-se bem, e eralhe fiel, era-lhe fiel... ", mas ele sabia que o pároco a desejava, a "cocava ",. e apesar do juramento dela pela sua salvação, da certeza que não havia nada - temia que ela fosse lentamente penetrada por aquela admiração caturra das velhas, para quem o senhor pároco era um anjo,. só se contentaria em arrancar Amélia (já empregado no governo civil) àquela casa beata,. mas essa felicidade tardava a chegar - e saía todas as noites da rua da Misericórdia mais apaixonado, com a vida estragada de ciúmes, odiando os padres, sem coragem para desistir: Era então que se punha a andar pelas ruas até tarde,. às vezes voltava ainda a ver as janelas fechadas da casa dela,. ia depois à alameda, ao pé do rio, mas o frio ramalhar das árvores sobre a água negra entristecia-o mais (...). Eça de Queiros
3 De uma olhadinha Considere, no entanto, que temos ainda um terceiro tipo de foco narrativo: o chamado misto. Nenhuma narrativa sustenta apenas um dos tipos que estudamos acima; portanto, é comum que encontremos em uma só narrativa a alternância de focos: ora se apresenta o narrador como apenas observador, ora é onisciente e nos revela o universo interior dos seres que compõem a história que conta. Personagem São os indivíduos que participaram do acontecimento e que estão sendo citados pelo narrador. "Designa, no interior da prosa literária (conto, novela ou romance) e do teatro, os seres fictícios construídos à imagem e semelhança dos seres humanos: se estes são pessoas reais, aqueles são "pessoas" imaginárias, se os primeiros habitam o mundo que nos cerca, os outros movem-se no espaço arquitetado pela fantasia do prosado!: " (Dicionário de Termos Literários - M. Moisés - Ed. Cultural) Tipos de Personagem Segundo E.M. Forster, podem classificar as personagens em: 1. Planas (lineares) Constituídas de uma única ideia ou qualidade; carecem de profundidade. A personalidade delas é pobre, repetitiva; são previsíveis quanto ao seu comportamento, infensas à evolução. Jamais nos surpreenderão durante ou ao final da narrativa. Podem ser subdivididas em: a) Tipos São personagens típicas, de contornos e características peculiares e, exatamente por isso, eternizam-se: quem se esqueceria de Sancho Pança, em D. Quixote? Comadres fofoqueiras, homossexuais, padres, nos romances, fazem parte deste rol de personagens. b) Caricaturas São personagens que têm distorções propositais, a fim de ensejar o cômico, o ridículo, o satírico: Patrocínio das Neves, a "Titi" do livro A Relíquia, de Eça de Queirós. 2. Redondas São complexas, bem acabadas interiormente, repelem todo o intuito de simplificação. São também chamadas de multiformes, e nos surpreenderão porque evoluem na narrativa. Dinâmicas e tridimensionais, podem ser subdivididas em: a) Caracteres São personagens cuja complexidade se acentua, gerando conflitos insolúveis: é o caso das personagens clássicas gregas: Édipo Rei, Prometeu, Medeia. b) Símbolos São personagens que parecem ultrapassar a barreira do mero humano, transcendem. Ostentam profundidade psicológica e multiplicidade de ações: Diadorim, de Grande Sertão: Veredas, Ulisses, da ; epopeia grega A Odisseia, de Homero. Estas personagens, imprevisíveis em suas atitudes, rompem com a linearidade e nos provocam impactos com suas ações: Medeia, que mata os filhos, apesar de amá-los, para vingar-se do marido que a trocara por outra mulher; Édipo, que, após ter descoberto sua verdadeira origem, conclama a multidão e fura os olhos na frente do povo; Prometeu, que furta o fogo sagrado dos deuses e alia-se aos mortais e andróginos, castigado, amarrado ao Cáucaso, com uma águia a lhe devorar todos os dias o fígado que cresce sem parar. As personagens podem ser caracterizadas física ou psicologicamente, ou ainda, de ambas as maneiras simultaneamente.
4 Quanto à atuação no enredo Esta classificação não segue a concepção do teórico E. M. Forster. Principais e secundárias A referência serve para designar que às principais cabe sustentar, como eixo, todos os fatos inerentes à narrativa. Às secundárias cabe dar suporte à continuidade da história, intermediando as ações e girando ao redor das principais como seres complementares. Tempo a) Protagonistas As que encabeçam as ações, sustentam o eixo narrativo. O mesmo que principais. Leonardo (filho) em Memórias de um Sargento de Milícias é bom exemplo disso. b) Antagonistas Designação atual para o antigo vilão. Cabe a elas impedir, dificultar, atormentar a "vida" das personagens protagonistas. Como observação, seria bom lembrar que as antagonistas não precisam ser propriamente pessoas; às vezes, são representadas por sentimentos, grupos sociais, peculiaridades de ordem física, psicológica ou social dos indivíduos e até podem representar instituições. Suponhamos que você tenha uma história onde dois indivíduos do mesmo sexo se amem e queiram casar. O antagonista será o Estado, a sociedade, a Constituição que os impedirá de concretizarem seus desejos. c) Coadjuvantes O mesmo que secundárias. Co-auxiliam no desenvolvimento da história. Para o crítico Massaud Moisés, o tempo, no romance, provavelmente constitua o ingrediente mais complexo e o mais relevante: de certo modo, tudo no romance forceja por transformar-se em tempo, que seria, em última instância, o escopo magno do romancista. Mais do que escrever uma história, mostrar cenários, criar personagens, o seu objetivo consistiria na criação de um tempo e da sua fixação, dentro das coordenadas de um livro. Senhor absoluto do tempo, o recepcionista pode acompanhar as personagens durante toda a sua existência. " O crítico ressalta, ainda, que dois tipos de tempo podem ser considerados numa narrativa: Histórico (cronológico) Chamado também de linear, diacrônico, é mensurável e segue a organização do dia a dia. Tem o ritmo do calendário ou do relógio e pode, muitas vezes, ser apontado por situações adverbiais: à noite, naquela manhã, no outono de Outros índices temporais podem ser levados em consideração: durante a adolescência, por um instante. Psicológico (interior ou pessoal) Decorre "dentro" das criaturas. E sempre imaterial, não mensurável, particular. A única maneira de medi-lo é através das associações com a duração dos sentimentos. Não é o tempo dos meses, relógios, calendários. É o tempo o ser. Exemplo do cotidiano: Você marca um encontro, o primeiro, com quem ama, às 7 da noite. Às cinco em ponto você já tomou banho, escolheu a roupa. Olha o. relógio que não move os ponteiros. Estas duas horas que separam vocês serão infinitamente longas, embora o tempo real tenha sido marcado nos relógios de maneira idêntica a todas as horas. Um outro exemplo: sentado(a) na carteira do c vestibular, com a aflição das inúmeras questões pela frente, seu relógio voa quatro horas são céleres demais. E o tempo psicológico, interior. Espaço Nenhuma personagem, em qualquer tipo de narrativa, está solta no espaço. A especialidade existe sob a forma de ambiente onde se insiram as personagens. E numa classificação simplista, podem ser qualificados; de abertos (o campo, uma praça) e fechados (uma casa, um cômodo, uma sala). Os espaços, muitas vezes, singularizam as criaturas. Veja o exemplo de Bento Santiago, em Dom Casmurro, que mandou reconstruir a casa de sua infância; ou observe um romântico como Alencar descrevendo "os mares bravios", as praias do Ceará, a pequena floresta
5 onde encontramos Iracema pela primeira vez, no livro homônimo. Em A Relíquia, o narrador cria para a "Titi" um espaço fechado, escuro e tecível dos fanáticos religiosos. A descrição do oratório, cheio de santos, incensos, toalhas bordadas e um Cristo crucificado; a sala imponente e sombria... Leve, ainda, em consideração o espaço criado por José Lins do Rego, em Fogo Morto: na região do Pilar, ele indica a decadência de um Nordeste antigo e latifundiário usando como símbolo de uma estrada de terra batida, caminho que vai para todos os lugares e traz todas as criaturas e seus sofrimentos. O espaço é vital para a construção de boas histórias. Menos que um pano de fundo, é indicador de características humanas: O "Paraíso", em O Primo Basílio mostra o caráter das relações entre Basílio e Luísa, assusta-a pelo feio, sujo, quando esperava o belo e romântico lugar para encontrar"se com o amante. Em O Cortiço, de Aluísio Azevedo, é antes uma personagem, ganha corpo, é antropomorfizado, assemelha-se às criaturas. Da mesma forma que a natureza em O Guarani, de Alencar, rompe as barreiras de simples pano de fundo para as ações e passa a ocupar status de personagem grandiosa. Tipologia de Espaços Físicos São espaços "verdadeiros", ambientes criados pelo narrador para contextualizar suas personagens; é o cenário. No Romantismo, por exemplo, é meramente decorativo; no Realismo, em contrapartida, faz parte indissociável das características mais profundas da personagem: decifra suas características ou, então, indica, através do Determinismo, que o homem é produto do meio em que vive. Psicológicos Muitas vezes, o espaço é meramente interior e reflete estados psicológicos. Principalmente nas narrativas intimistas, a especialidade tem acento nitidamente psíquico e aponta os estados de alma das personagens. Tomando como exemplo Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector, a personagem Joana irá embora no final da narrativa. Em espaço aberto, pelo mar, procurará o "coração selvagem da vida", lugar desconhecido, mas intuído ou sonhado. Ainda não entendeu o que é espaço psicológico? Vamos lá! Você, suponhamos, receberá um diploma, um prêmio. Está nervoso, inquieto. Chamam seu nome, há centenas de pessoas olhando para você que... atravessa a pista de dança de um clube qualquer e dirige-se à mesa principal para ser premiado, diplomado. O trajeto até a mesa será imenso, quilométrico. Quando olhado numa outra ocasião, parecerá muito menor do que aquele que você, inquieto e nervoso, atravessou com o coração saltando pela boca. Entendeu agora? Ação Muito cuidado para não confundir ação com enredo, história ou argumento narrativos. Podemos definir ação como uma sequência de acontecimentos na narração e, como se encadeiam numa ordem natural de causa e efeito, acabam por formar o todo de que se alimenta a história. Dessa forma, um conjunto de ações feitas ou recebidas pelas personagens, encadeadas entre si, geram o enredo. Horácio, poeta latino, observava que a ação, juntamente com o tempo e o espaço, formava o que conhecemos como a "lei das três unidades" que qualquer narrativa jamais pode dispensar para ser digna de crédito. A sequência das ações narrativas desenvolve-se no tempo, não se esqueça disso; é um conjunto de fatos; no entanto, é preciso observar que esta sequência de fatos nem sempre implica uma ação. Para que isso aconteça, é preciso que tais fatos estejam "amarrados" entre si, que formem um todo a que podemos chamar, então, de enredo. Quando se escreve, não podemos deixar ao longo das narrativas que produzimos "fios soltos". Eles devem ser "amarrados" entre si, produzindo o que chamamos de coerência interna. Mais do que descrever fatos, precisamos prestar atenção e produzir situações que se encadeiem, originando daí o todo narrativo, o conjunto de circunstâncias acionais que gerem uma história na qual se creia. Como você pode perceber, as ações implicam também verossimilhança e dão unidade e sentido à sua narração ou a qualquer texto que conte uma história.
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