PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 fls. 604 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº , da Comarca de São Paulo, em que é apelante ÂNGELA ZILENE BALDASSARRI e são apeladas CENTRAL NACIONAL UNIMED - COOPERATIVA CENTRAL e UNIMED DO BRASIL CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS COOPERATIVAS MÉDICAS (UNIMED DO BRASIL). ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U. Sustentou oralmente o Dr. João Fernando Baldassarri Sgarbi (OAB ).", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores SILVÉRIO DA SILVA (Presidente) e SALLES ROSSI. São Paulo, 15 de junho de 2016 Grava Brazil RELATOR ASSINATURA ELETRÔNICA

2 fls APELAÇÃO Nº: APELANTE: ÂNGELA ZILENE BALDASSARRI APELADAS: CENTRAL NACIONAL UNIMED - COOPERATIVA CENTRAL e UNIMED DO BRASIL CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS COOPERATIVAS MÉDICAS (UNIMED DO BRASIL) COMARCA: SÃO PAULO JUIZ PROLATOR: MARCO ANTONIO BOTTO MUSCARI Plano de saúde Ação declaratória c/c cominatória Improcedência Inconformismo Não acolhimento Inexistência de obrigação das rés de manter os termos contratados pela autora com a Unimed Paulistana, ante a insolvência desta Solidariedade entre as diferentes cooperativas do sistema Unimed que se limita a hipóteses excepcionais, relacionadas à cobertura de determinado tratamento em situações específicas, inexistindo solidariedade para o fim pretendido pela autora, à luz da lei e do contrato Autora a quem foi oportunizada, mediante atos válidos do órgão regulador competente (ANS), a contratação de novo plano de saúde, de outra operadora, via migração com portabilidade extraordinária de carências (incluindo prazo de cobertura parcial temporária), que lhe cabia ou não exercer, conforme seu interesse Sentença mantida Recurso desprovido. VOTO Nº I - Trata-se de sentença que, em ação declaratória c/c cominatória, julgou a demanda improcedente. Confira-se fls. 497/502 e 513.

3 fls Inconformada, apela a autora (fls. 515/543), aduzindo, em resumo, que há solidariedade entre as diversas cooperativas pertencentes ao sistema Unimed, constituindo este um único grupo econômico, de modo que as rés têm obrigação de manter o atendimento médico-hospitalar por ela contratado junto à Unimed Paulistana após a insolvência desta, com as mesmas condições, inclusive de preço, reajustes e rede credenciada. Sustenta a aplicação, ao caso, da teoria da aparência, da teoria da confiança, dos arts. 7, 30 e 51, X e XIII, do CDC, dos arts. 1, I, 16 e 17, da Lei n /98, da Resolução n. 285/2012, da ANS, dos arts. 4 e 10, 3, da Resolução n. 112/2005, da ANS, e da Súmula n. 99, deste E. Tribunal de Justiça. Colaciona, também, jurisprudência deste E. Tribunal e do C. STJ, que afirma não terem sido observadas na sentença. O preparo não foi recolhido, em razão da gratuidade (fls. 395/396), sendo o recurso recebido (fls. 544) e contrarrazoado (fls. 546/564 e 566/591). É o relatório, adotado, quanto ao mais, o da sentença apelada. II Escorreito o decreto de improcedência. O i. magistrado sentenciante

4 fls reconheceu a legitimidade passiva das apeladas para compor o polo passivo da demanda em face dos pedidos e da causa de pedir expostos na inicial, sem prejuízo do exame do mérito da demanda. E, no mérito, a ação é improcedente. É de conhecimento público e notório e foi amplamente divulgado pela ANS (basta consultar o sítio da ANS na internet 1 ) que, embora determinada a alienação compulsória da carteira de beneficiários da Unimed Paulistana pela agência reguladora (o que implicaria sucessão contratual, com manutenção de condições), nenhuma operadora, pertencente ou não ao sistema Unimed, efetuou a aquisição da carteira. Inaplicável, portanto, ao caso, a Resolução n. 112/2005, da ANS. Por essa razão, primeiro, como medida mais imediata, a ANS celebrou o Termo de Ajustamento de Conduta ( TAC ) a que se refere a apelante (fls. 125/140) e editou a Resolução n /2015, oportunizando aos beneficiários de planos individuais, familiares e coletivos empresariais com menos de 30 (trinta) vidas da Unimed Paulistana a migração, mediante a celebração de novos contratos, com portabilidade extraordinária de carências, para planos individuais e familiares de outras operadoras do 1 Cf.: publicado em ; publicado em ; publicado em ; publicado em Acesso em

5 fls sistema Unimed. Na sequência, ampliando a medida (por meio da Resolução ANS n /2015), designou prazo para a migração de todos os beneficiários de planos de saúde operados pela Unimed Paulistana para outros produtos operados por quaisquer outras operadoras, pertencentes ou não ao denominado sistema Unimed, também mediante a celebração de novos contratos, com portabilidade extraordinária de carências, tendo em vista a futura retirada da Unimed Paulistana (que teve sua liquidação extrajudicial decretada pela ANS 2, ora liminarmente suspensa, ao que se tem notícia, a pedido da própria Unimed Paulistana 3 ) do mercado de planos de saúde. Em outras palavras, nos termos das Resoluções n /15 e 1.950/2015, da ANS, cuja validade não é objeto da demanda, o direito à migração implica a celebração de novo contrato de plano de saúde com nova operadora (pertencente ou não ao sistema Unimed ), com seus próprios termos e condições, inclusive de preço, reajustes e rede credenciada (com a ressalva do aproveitamento de todas as carências e prazos de cobertura parcial temporária já cumpridos), extinguindo-se o contrato original com a Unimed Paulistana. 2 Cf. publicado em Acesso em Cf. publicado em Acesso em

6 fls O novo contrato a ser celebrado em razão da migração não tem vinculação com o contrato anterior do beneficiário com a Unimed Paulistana, implicando a migração, tão somente, no não cumprimento de novas carências no âmbito do novo plano, conforme amplamente divulgado pela ANS. Não há obrigação legal ou contratual, para a nova operadora (seja ou não do sistema Unimed ), de manter o contrato anteriormente celebrado com a Unimed Paulistana, nem de praticar as mesmas condições daquele, notadamente de preço e/ou rede credenciada. Tal obrigação repita-se, inexistente em lei ou contrato permitiria, inclusive, que a situação de insolvência da Unimed Paulistana, ante as centenas de milhares de beneficiários desta (mais de ), contaminasse outras operadoras, incluindo do sistema Unimed, pondo em risco o atendimento médico-hospitalar de milhares de outros consumidores. Ante a natureza securitária e atuarial da atividade das operadoras de planos de saúde, as diferentes áreas de abrangência, número de beneficiários e capacidades econômico-financeiras (inclusive de cada uma das cooperativas do denominado sistema Unimed ), tal solução, impondo uma solidariedade generalizada não prevista legal

7 fls ou contratualmente, geraria notório risco sistêmico (e, sendo notório, independe de prova, a teor do art. 334, I, do CPC/73, art. 374, I, do NCPC). Não se trata de argumento ad terrorem, como quer a apelante, mas da economia da atividade de assistência à saúde suplementar, que se reflete na legislação de regência e na própria solução adotada pelo órgão regulador competente. Não por outra razão, o TAC antes referido (que nada tem de ilegal) não contém obrigação de manutenção do contrato celebrado com a Unimed Paulistana nem dos respectivos termos. Cabia aos beneficiários da Unimed Paulistana optar pela migração para qualquer das operadoras do sistema Unimed signatárias do TAC (que deixa claro que tal migração implicava a celebração de novo contrato e poderia se operar para um dos planos mínimos específicos ali previstos ou para outro produto daquelas operadoras, com suas próprias condições), ou, a partir de novembro de 2015, para qualquer outro plano de qualquer outra operadora existente no mercado, do sistema Unimed ou não. Ainda que tenha a apelante optado por não realizar a migração para novo plano, com a portabilidade extraordinária de carências, sua pretensão de imputar às apeladas a obrigação de manter o quanto contratado com a

8 fls Unimed Paulistana não prospera. A solidariedade não se presume. Ela deriva do contrato ou da lei (art. 265, do CC). Admite-se a responsabilidade solidária de cooperativas Unimed diversas da contratada, em relação ao objeto de contrato de plano de saúde firmado pelo consumidor com outra cooperativa Unimed, em hipóteses específicas, a saber: (i) casos em que o contrato, dada sua abrangência geográfica (por exemplo, nacional), preveja o atendimento do beneficiário por cooperativa Unimed diversa da contratante, mediante sistema de intercâmbio entre esta e outras cooperativas Unimed em diferentes localidades (objeto do documento de fls. 173/360), caso em que a solidariedade deriva do contrato e da configuração de cadeia de fornecimento configurada neste caso, à luz da abrangência territorial da avença; (ii) casos em que o beneficiário se encontre fora da área geográfica de cobertura do plano contratado e necessite de tratamento de urgência/emergência em área atendida por outra cooperativa Unimed (hipótese, em regra, contemplada no próprio contrato e abrangida pelo sistema de intercâmbio, bem como potencialmente enquadrável, ante a situação concreta de urgência ou emergência, no art. 7º, par. ún., do CDC); e (iii) na hipótese em que não haja o tratamento especializado de que o beneficiário necessita na área geográfica de cobertura do contrato (hipótese que, não raro, também está contemplada na avença

9 fls e abrangida pelo sistema de intercâmbio, além de se enquadrar, potencialmente, no art. 7, par. ún., do CDC, estando, ainda, contemplada na Súmula n. 99, deste E. Tribunal de Justiça). Trata-se, nesses casos, de hipóteses em que o próprio contrato ou excepcional situação de urgência, emergência ou risco de dano iminente justificam a responsabilidade solidária de cooperativa Unimed diversa da contratante por obrigação derivada da avença, relacionada à cobertura de determinado atendimento/tratamento. Isso não implica, contudo, solidariedade entre todas as cooperativas do "sistema Unimed" em toda e qualquer situação, não prevista na lei nem no contrato. Ainda que se admita haver grupo econômico do qual fazem parte todas as cooperativas do sistema Unimed, a mera existência do grupo não implica, em si, solidariedade entre as diversas pessoas jurídicas que o integram, inclusive sob a perspectiva consumerista. Também é de conhecimento público e notório que, embora a insígnia Unimed seja utilizada em âmbito nacional, existem diversas, e não apenas uma, cooperativas "Unimed", cada uma com sua denominação e área de atuação. Não é crível que a apelante não soubesse com qual delas contratou, independentemente da área

10 fls geográfica de abrangência de seu contrato, tanto que informa ter contratado seu plano de saúde com a Unimed Paulistana. Não há que se falar, no caso, em teoria da aparência ou violação à boa-fé objetiva (incluindo sob a perspectiva da teoria da confiança) para justificar a existência da pretendida solidariedade, notadamente para impor às apeladas a obrigação de assumir todas as obrigações derivadas de contrato celebrado com a Unimed Paulistana, em razão da insolvência desta. Tampouco se aplica o art. 30, do CDC, para impor a outras cooperativas Unimed, que proposta alguma fizeram à apelante com este teor, a manutenção dos termos contratados com a Unimed Paulistana. O estado de insolvência da Unimed Paulistana e os atos da ANS que se seguiram (tendo em vista a proteção dos consumidores) não constituem dano causado à apelante com a concorrência de outras cooperativas do sistema Unimed, em particular das apeladas, a ensejar a aplicação, no caso, do art. 7, par. ún., do CDC. Em suma, inexiste solidariedade entre a Unimed Paulistana e as apeladas para o fim pretendido pela apelante. Inexistindo obrigação das apeladas de manutenção do contrato celebrado com a Unimed Paulistana e

11 fls de seus termos, os arts. 1, I, 16 e 17, da Lei n /98, o art. 51, X e XIII, do CDC, bem como a Resolução n. 285/2012, da ANS, em nada afetam a solução desta demanda. Com a devida vênia de entendimentos diversos, optando ou não a apelante por realizar a migração (para plano de outra cooperativa Unimed ou de outra operadora), não têm as apeladas obrigação de manter os termos contratados pela apelante com a Unimed Paulistana. A apelante não é obrigada a contratar plano junto a uma das apeladas, se entende que estes são de má qualidade à luz dos preços ofertados, tendo-lhe sido aberta a possibilidade de contratar outro plano de sua escolha, com qualquer operadora, com a portabilidade extraordinária de carências, que lhe cabia ou não exercer, conforme seu interesse. Por fim, de se notar que a hipótese tratada nos autos não foi objeto de exame nos julgados do C. STJ colacionados no apelo, não afastando, portanto, à luz da matéria ora debatida, a solução aqui esposada. Concluindo, pelos fundamentos acima expostos, não merece reparo a sentença. III - Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso. É o voto. DES. GRAVA BRAZIL - Relator