ESTUDO DO LÉXICO EM SALA DE AULA: O TRABALHO COM ESTRANGEIRISMOS A PARTIR DE TEXTOS PUBLICITÁRIOS
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1 ESTUDO DO LÉXICO EM SALA DE AULA: O TRABALHO COM ESTRANGEIRISMOS A PARTIR DE TEXTOS PUBLICITÁRIOS Fabiana Kelly de Souza (PG- FALE/UFMG) 1 Introdução As línguas se modificam de acordo com as necessidades dos falantes. Tais mudanças linguísticas ocorrem em todos os níveis (morfológico, fonológico, semântico, sintático e lexical), mas devido a permanente renovação lexical, através do processo de neologia, as mudanças no nível lexical são mais evidentes. No processo de neologia lexical o falante pode dispor de elementos da própria língua, recorrendo às regras de formação já existentes para criar novas palavras; pode utilizar palavras já existentes, dando-lhes um novo significado; ou pode ainda recorrer aos empréstimos linguísticos, que consistem na adoção de itens lexicais de outras línguas. A neologia de empréstimos é um processo de ampliação lexical bastante produtivo e recorrente não só no português, mas em qualquer outra língua, entretanto, tal processo é pouco discutido e explorado em sala de aula, já que ainda existe muita polêmica em torno de sua utilização por parte dos falantes, devido principalmente a uma visão purista, segunda a qual os estrangeirismos deturpam a língua e são utilizados, quase sempre por modismo, apenas por pequena parte da população. Os que defendem tal ideologia esquecem-se de que o português falado no Brasil passou por várias mudanças no decorrer dos séculos, trazendo em seu léxico palavras de origem indígena, africana, européia e asiática. A aceitação desses vocábulos é tão estratificada, que alguns desses nem são reconhecidos pelos falantes atuais como estrangeirismos, pois foram incorporados à língua. Tal é o caso de açúcar, alfinete, borracha, berinjela, azeite, capa, alface, palavras tão comuns em nosso cotidiano, que sua origem estrangeira é bastante difícil de resgatar sem a ajuda de um dicionário etimológico. 1 fabksouza@gmail.com.
2 1. Por que usamos estrangeirismos? Segundo Nelly Carvalho, em seu livro Empréstimos linguísticos, as causas dos empréstimos podem ser dividas em dois grupos: empréstimos originados no contato interpessoal, que se dá no contato entre falantes e empréstimos originados no contato à distância, mediatizados por canais artificiais. Com base nos dados do Observatório de Neologia na Publicidade Impressa da Faculdade de Letras da UFMG, que conta com um considerável corpus de neologismos provenientes da publicidade impressa brasileira do período de janeiro de 2001 a dezembro de 2005, incluímos uma terceira motivação para o uso de estrangeirismos, pois percebemos que os estrangeirismos que entram na língua portuguesa através da publicidade se dão principalmente na nomeação de novas tecnologias, em que não há um correspondente no português. Sendo assim, os estrangeirismos que utilizamos não decorrem de modismo como afirmam os puristas, mas sim, de uma forma de ampliação lexical bastante produtiva e recorrente. 2. Os estrangeirismos na sala de aula Levando em consideração a produtividade e aceitabilidade dos estrangeirismos por grande parte da população, que se reflete em sua utilização em textos de ampla circulação, como os textos publicitários, julgamos ser importante que tais vocábulos sejam trabalhados em sala de aula, de modo a contribuir para a ampliação da competência lexical em língua materna, já que ao serem incorporados à língua, tais itens lexicais perdem o status de estrangeirismo e passam a fazer parte da língua na forma de empréstimos linguísticos. Neste trabalho, pretendemos aproveitar a produtividade dos estrangeirismos no português do Brasil e, além de estudar a relação de tais unidades léxicas com a língua, poder demonstrar que o processo de neologia de empréstimos é algo intrínseco das línguas e não um fenômeno apenas da atualidade. Segundo Antunes (2008a, p. 32), na sala de aula trabalha-se Uma gramática que não tem como apoio o uso da língua em textos reais, isto é, em manifestações textuais da comunicação funcional e que não chega, por isso, a ser o estudo dos usos comunicativamente relevantes da língua. Levando-se em consideração a importância
3 de ser trabalhar na sala de aula a língua em uso, em textos reais, neste trabalho apresentamos uma proposta pedagógica de trabalho, que utiliza como instrumentos didáticos textos publicitários veiculados na revista Veja, do período de janeiro de 2009 a janeiro de 2010, destacando-se os vários tipos de estrangeirismos, assim considerados sob a perspectiva da neologia de empréstimos. A escolha de textos publicitários, veiculados em uma revista de grande circulação, como ponto de partida para o estudo dos estrangeirismos em sala de aula também se deu baseada na concepção sociointeracional de linguagem, que vê a linguagem como lugar de interação entre sujeitos empenhados em uma atividade sociocomunicativa e o texto como lugar dessa interação. Sendo assim, o uso de estrangeirismos em textos que circulam socialmente justificaria seu estudo e inserção na sala de aula, pois significa que esses são de algum modo compartilhados e aceitos pela comunidade linguística, já que tais propagandas não são destinadas apenas a pessoas que dominem a língua inglesa, mas ao público em geral. Além disso, consideramos que as propagandas veiculadas nessa revista noticiosa refletem bem o contexto publicitário brasileiro e, consequentemente, conseguem abarcar grande parte dos estrangeirismos lexicais que entram na língua, através dos textos publicitários. Como metodologia de trabalho, procuramos estabelecer a diferença entre estrangeirismo e empréstimo lexical, utilizando o critério lexicográfico, de registro dicionarizado, lançando mão para isso de um corpus de exclusão, constituído pelos seguintes dicionários brasileiros: Dicionário Houaiss da língua Portuguesa, de 2001; Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 3ª de 1999 e Dicionário Michaelis da língua portuguesa, de Assim, os termos constantes do corpus de exclusão foram considerados empréstimos linguísticos e os que ainda não se encontram dicionarizados foram considerados estrangeirismos. A partir da identificação dos estrangeirismos, estabelecemos dois critérios para a sua exploração pedagógica, que resultarão em dois tipos de trabalho diferentes. O critério inicial foi a utilização do termo estrangeiro no texto publicitário como parte fundamental do texto, ou seja, textos publicitários em que os estrangeirismos são utilizados pelo publicitário com ênfase especial, seja como recurso estilístico ou elemento de persuasão. Para tais textos a proposta de trabalho é a analise textual levando em consideração principalmente os efeitos produzidos pela escolha do estrangeirismo no texto, visto que na maioria dos textos em que os estrangeirismos são utilizados como
4 elemento persuasivo, percebemos que o elemento vernáculo correspondente não causaria o mesmo efeito. Como afirma Antunes (2008b. p 66), a exploração dos efeitos produzidos pela escolha de um termo estrangeiro em sala é relevante em dois sentidos: Ocorre-me ainda lembrar a relevância de se explorar a questão dos neologismos e dos estrangeirismos, naquelas perspectivas que ligam a língua à capacidade dos sujeitos de nela interferirem e, naquela outra, das repercussões intelectuais que a adoção de palavras e de valores estrangeiros envolve. Outro ponto a ser explorado é a análise das estratégias criadas para que os leitores que não compartilham o significado dos estrangeirismos consigam textualizálos. Pois percebemos que, em vários textos em que os estrangeirismos são utilizados como recurso estilístico, o publicitário deixa marcas de coesão linguísticas e até mesmo imagéticas para que os leitores consigam compreender o significado que a propaganda pretende divulgar. Consideramos que a análise desses textos contribuirá para ensinar os alunos a reconhecerem e também criarem pistas coesivas, visto que, em um texto publicitário estas devem estar claras, caso contrário a mensagem não será compreendida pelo público a que se destina. Outro ponto a ser explorado é a utilização neológica dos estrangeirismos, já que em alguns textos estes são utilizados com um novo significado, ou mesmo em um contexto diferente do utilizado na língua de origem. Nesse caso, o trabalho também estaria voltado para a escolha lexical e suas implicações no texto e também poderia ser explorada a forma como se dá a construção do novo sentido através da propaganda. O segundo critério adotado foi a recorrência das unidades léxicas neológicas no corpus. Estas unidades mais recorrentes podem ser trabalhadas no próprio ambiente frasal onde ocorrem, os textos publicitários, ou podem fazer parte de atividades que envolvam, por exemplo, a elaboração de glossários, já que tais elementos contribuem diretamente para a expansão lexical dos estudantes. Pois, como afirma Ferraz (2006. p.222) (...) os neologismos se apresentam, inicialmente, como unidades do discurso, tornando-se unidades do sistema linguístico quando revelam caráter permanente e estável. Podemos dizer que depois de criadas num ato de fala, as novas unidades léxicas passam a ser aceitas pelos interlocutores e, a partir de então, reutilizadas em outros atos de comunicação.
5 Assim, ao estudar os estrangeirismos no ambiente frasal em que ocorrem estaremos preparando os alunos para reconhecê-los ou mesmo utilizá-los em outras situações comunicativas. A elaboração dos glossários também é interessante, pois permite aos alunos conhecerem novas palavras, refletirem sobre elas e até mesmo apontarem novos contextos de utilização. Considerações finais Com este trabalho pretendemos demonstrar como textos publicitários contendo estrangeirismos podem ser trabalhados em sala de aula. Nossa proposta tem como foco o texto e as implicações das escolhas lexicais na construção do sentido. Pretendemos mostrar que os estrangeirismos podem ser uma forma interessante de ensinar os alunos a perceberem a construção do texto, pois, como pudemos perceber, a utilização de um estrangeirismo envolve a construção de um referente para que os leitores consigam compreender a mensagem que o autor quis partilhar através do texto. E julgamos muito importante que nossos alunos aprendam a construir e a perceber a importância desses elementos no texto. Referências ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro & interação. 6ªed.São Paulo: Parábola, 2008a. ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática. Por um ensino de línguas sem pedras no caminho. 3ªed.São Paulo: Parábola, 2008b. CARVALHO, Nelly. Cortez, Empréstimos lingüísticos na língua portuguesa. São Paulo: FERRAZ, Aderlande Pereira. A inovação lexical e a dimensão social da língua. IN SEABRA, Maria Cândida T.C. de (Org). O léxico em estudo. Belo Horizonte, FALE/UFMG. FERREIRA, Aurélio B.H. Novo Aurélio século XXI: o dicionário de língua portuguesa. 3ªed.rev./aum, Rio de janeiro: Nova Fronteira, HOUAISS, Antônio. Objetiva, Dicionário Houaiss da língua Portuguesa. Rio de Janeiro: MICHAELIS, H. WEISFZFLOG, W. Michaelis: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998.
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