UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE PSICOLOGIA
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- Adelina Rocha Bacelar
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1 CONSELHO DO DA UnB SE POSICIONA CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL O Conselho do (CIP/UnB) da, instância máxima do Curso de Psicologia (graduação e pós-graduação), em Reunião Ordinária de 23 de junho de 2015, torna público seu claro posicionamento contrário à redução da maioridade penal. Porque somos contra a redução da maioridade penal? O CIP/UnB entende a redução da maioridade penal como um debate meramente ideológico, refletindo um delicado momento político brasileiro e não expressando uma fundamentada discussão e preocupação com a realidade complexa das crianças e adolescentes de nosso país. Consideramos que essa discussão diz respeito não só à segurança da nossa população, mas também à promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente. Adicionalmente, não há dados que comprovem que o rebaixamento da idade penal reduz os índices de criminalidade juvenil. Ao contrário, o ingresso antecipado no sistema penal brasileiro expõe os adolescentes a mecanismos/comportamentos reprodutores da violência, como o aumento das chances de reincidência, uma vez que as taxas nas penitenciárias são de 70% enquanto no sistema socioeducativo estão abaixo de 20%. Portanto, longe de ser solução para a violência, o rebaixamento da idade penal poderá intensificá-la e perpetuá-la. Quão vulneráveis à vitimização por violência estão os adolescentes brasileiros? Diversos mapeamentos mostram a situação da violência no Brasil e os indicadores de vulnerabilidade na qual se encontra a nossa população jovem. Segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública, jovens entre 16 e 18 anos são responsáveis por menos de 0,9% dos crimes praticados no país. Se forem considerados os homicídios e tentativas de homicídio, esse número cai para 0,5%. Somos um país onde um adolescente é assassinado a cada hora. Somos o segundo país no mundo a cometer mais assassinatos de adolescentes. No período de 2006 a 2012 foram contabilizados 33 mil homicídios Se considerarmos essa progressão serão 42 mil adolescentes mortos até 2019, conforme Gary Stahl, representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, posto que os jovens são 29% da população, mas concentram a metade das mortes por arma de fogo. A fracassada política de tentar resolver esta complexa temática por meio de repressão, não apresenta nenhum sucesso. Estudo do Programa de Redução da Violência Letal contra Adolescentes e Jovens, coordenado pelo Observatório de Favelas, realizada em conjunto com o Unicef, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e o Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mostrou que os adolescentes entre 12 e 18 anos têm quase 12 vezes mais probabilidade de serem assassinados. Os adolescentes negros têm quase três vezes mais chance de morrer assassinados do que os brancos, geralmente por arma de fogo. Ao mesmo tempo, dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgados em 2013 revelam que a polícia brasileira mata, em média, cinco pessoas por dia. É uma das polícias mais violentas do mundo. Segundo a Anistia Internacional, são cerca de 56 mil homicídios por ano.
2 Portanto, não adianta alterar as leis diminuindo a idade de penalização do adolescente, resta cumpri-las, com políticas educacionais e psicossociais. Em um panorama internacional, de acordo com documentos da ONU, das 57 legislações analisadas, apenas 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto. Portanto, fixar a maioridade penal em 18 anos é a tendência mundial. Dessa feita, reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, não a causa, tornando mais fácil para o Estado prender do que educar. É cristalino que, em vez de reduzir a maioridade penal, o governo deveria investir ainda mais em educação e em políticas públicas para proteger os jovens e diminuir a vulnerabilidade deles ao crime. Neste quesito, o Brasil ainda tem 13 milhões de analfabetos com 15 anos de idade ou mais. Os dados de pesquisas fundamentadas apontam que a redução da maioridade penal afeta, preferencialmente, jovens negros, pobres e moradores de áreas periféricas do Brasil, em particular porque este é o perfil de boa parte da população carcerária brasileira. Estudo da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) aponta que 72% da população carcerária brasileira é composta por negros. Dados do Mapa da Violência de 2014 mostram que os adolescentes são mais vítimas que responsáveis pela violência. Se há impunidade, a culpa não é da lei, mas dos responsáveis por sua aplicação. Quais as consequências da aprovação da redução da maioridade penal? Se aprovada a redução da maioridade penal, abre-se um precedente para o desrespeito a outros direitos da criança e do adolescente, deslegitimando a Doutrina da Proteção Integral assegurada pelo ECA, com um inevitável efeito dominó que pode ter consequências em outros direitos da criança e do adolescente, tais como a compra de bebidas e a venda do corpo. A redução já foi sobejamente discutida no país. Na República Velha, sob a égide do Código Penal de 1890, a imputabilidade penal foi reduzida para 9 anos de idade (art. 27, 1º). Em 1921, a Lei dá novo tratamento à imputabilidade penal, elevando a idade de responsabilização para 14 anos. Em 1927, de modo a dar atendimento específico aos jovens entre 14 e 18 anos, promulga-se o nosso primeiro Código de Menores. Ao longo dos anos 80, foram feitas intensas críticas e denúncias por parte dos movimentos sociais e da sociedade civil à situação do tratamento juvenil no país, acompanhando o contexto internacional à época, o que chegou à Constituinte e se materializou em nossa Carta, nos dispositivos protetivos da infância e juventude. Retornar a este tema sem a devida discussão de sua complexidade, reforça o pensamento de que quando perdemos a memória de nosso passado, apagamos nossa identidade subentendo-nos a não saber de onde viemos, ignorando onde estamos, e, o mais grave, ignorando para onde vamos. Assim, a redução da maioridade é uma medida que não aponta para novos e mais emancipatórios caminhos em matéria de infância e juventude; ao contrário, seu horizonte se apresenta bastante perturbador, obscurecido pelas sombras de tempos passados que insistem em não nos abandonar. O suposto clamor social por segurança está sobejamente influenciado não pela noção de justiça, mas de vingança, alimentada por interesses midiáticos e políticos.
3 Por isso, mais do que repensar uma política de segurança para o país somente baseada em populações ou subjetividades específicas, é preciso buscar compreender que tipo de sociedade pretendemos construir. Sem menosprezar a dor de quem é vítima da violência (o que demanda outra consequente reflexão psicológica, social e politica), é preciso perguntar de que forma estamos contribuindo para perpetuar os mecanismos que a impulsionam, por omissão ou adesão a um modelo de sociedade injusto, opressivo e excludente. Se não formos capazes de reconhecer que os grupos sociais apontados como agressores e violentos são os primeiros a serem violentados, dificilmente haverá possibilidade de pensar um país em que a igualdade, o respeito, a ressocialização, a educação e a formação de cada cidadão se transforme na melhor ferramenta para combater a violência. Por que a redução da maioridade penal é inviável e inaceitável? Do ponto de vista do Direito e da Psicologia Jurídica, a redução da maioridade penal é inviável, pois os jovens continuarão sendo julgados nas varas Especializadas Criminais da Infância e Juventude, mas se o Ministério Público assim deliberar, poderá pedir para desconsiderar inimputabilidade, delegando a um juiz a decisão sobre a capacidade do adolescente para responder ou não por seus delitos. Retomamos assim à clássica fórmula denunciada por Foucault de que seriam necessários peritos profissionais e julgadores para decidir sobre quem são os indivíduos tidos e havidos como inadequados socialmente. Fórmula adotada na Idade Média e falida nos tempos atuais. De modo geral, o problema da impunidade está na deficiência da polícia investigativa e na lentidão dos julgamentos. Ao contrário do senso comum, muito divulgado pela mídia, aumentar as penas para um número cada vez mais abrangente de pessoas não ajuda em nada a diminuir a criminalidade, pois, muitas vezes, elas não chegam a ser aplicadas. Assim, reduzir a maioridade penal não afasta crianças e adolescentes do crime. Ao contrário, se reduzida, esses serão recrutados cada vez mais cedo para essa realidade dolorosa, posto que sabemos que o problema da marginalidade é causado por uma série de fatores. Vivemos em um país onde há má gestão de programas sociais/educacionais, escassez das ações de planejamento familiar, pouca oferta de lazer nas periferias, lentidão de urbanização de favelas, pouco policiamento comunitário, e assim por diante. A redução da maioridade penal não visa a resolver o problema da violência. Um engano coletivo quando, na verdade, é apenas uma forma de vulnerabilizar, mais ainda, uma parcela da população adolescente já em condições de vulnerabilidades social e psicológica. Consideramos que o modelo social vigente de justiça não pode ser organizado desconsiderando o desenvolvimento do adolescente, com o pressuposto de que esse tratamento diminuirá a violência. Medidas como essa têm caráter de vingança, não de solução dos graves problemas do Brasil que são de fundo econômico, social, político. O debate sobre o aumento das punições a criminosos juvenis envolve um grave problema: a lei do menor esforço, o que seduz políticos prontos para oferecer soluções fáceis e rápidas diante do clamor popular, indo contra a prioridade de proteção especial a crianças e adolescentes.
4 A redução é inconstitucional. Além de afrontar leis brasileiras e acordos internacionais (Constituição Federal Brasileira, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), a Doutrina da Proteção Integral do Direito Brasileiro, os parâmetros internacionais de leis especiais para os casos que envolvem pessoas abaixo dos dezoito anos autoras de infrações penais e contra a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Internacional dos Direitos da Criança compromissos assinados pelo Brasil. Ademais, importantes órgãos sociais e profissionais têm apontado que não é uma boa solução (UNICEF, OEA, CONANDA, CFP, CNBB, OAB e Fundação, apenas para citar alguns). Mais de 50 entidades brasileiras aderem ao Movimento 18 Razões para a Não redução da maioridade penal ( Por isso, não devemos confundir impunidade com imputabilidade. A imputabilidade, segundo o Código Penal, é a capacidade de a pessoa entender que o fato é ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentando em sua maturidade psíquica. Na realidade, no Brasil, a responsabilização penal do adolescente começa aos 12 anos, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), uma das melhores leis do mundo na área, sendo exigente com o adolescente em conflito com a lei e não compactua com a impunidade. No entanto, as medidas socioeducativas nele previstas foram adotadas a partir do princípio de que todo adolescente infrator é recuperável, por mais grave que seja o delito que tenha cometido. No entanto, muitos adolescentes, que são privados de sua liberdade, não ficam em instituições preparadas para sua reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum, podendo ficar até 9 anos em medidas socioeducativas, sendo três anos interno, três em semiliberdade e três em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando a se reinserir na sociedade. A violência não será solucionada com a culpabilização e punição, mas pela ação da sociedade e governos nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que as reproduzem. Agir punindo e sem se preocupar em discutir quais os reais motivos que reproduzem e mantém a violência, só gera mais violência. Sabemos que os jovens infratores são a minoria, no entanto, é pensando neles que surgem as propostas de redução da idade penal. Cabe lembrar que a exceção nunca pode pautar a definição da política criminal e muito menos a adoção de leis, que devem ser universais e valer para todos. O que é preciso fazer pela infância e adolescência? Do ponto de vista da Psicologia, a adolescência é uma das fases do desenvolvimento do indivíduo humano, caracterizando-se por ser um período de grandes transformações, e deve ser pensada pela perspectiva educativa. O maior desafio da sociedade humana é educar seus jovens, permitindo um desenvolvimento adequado tanto do ponto de vista emocional e social quanto físico.
5 É urgente garantir o tempo social de infância e juventude, com escola de qualidade, visando condições aos jovens para o exercício e vivência de cidadania, que permitirão a construção dos papéis sociais para a constituição da própria sociedade; A adolescência é um momento de passagem da infância para a vida adulta. A inserção do jovem no mundo adulto prevê, em nossa sociedade, ações que assegurem este ingresso, de modo a oferecer-lhe as condições sociais e legais, bem como as capacidades educacionais e emocionais necessárias. É preciso garantir essas condições para todos os adolescentes, e não somente para uma parcela social privilegiada. Toda atuação da sociedade voltada para essa fase deve ser guiada pela perspectiva de orientação, apoio e cuidados, e não da repressão. Assim, por ser esta considerada uma fase de transição, um momento de mudanças sociais e psíquicas justifica-se o tratamento diferenciado ao adolescente. A imposição de medidas socioeducativas e não das penas criminais relaciona-se justamente com a finalidade pedagógica que o sistema deve alcançar, e decorre do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento na qual se encontra o adolescente. Educar sempre é melhor e mais eficiente do que punir. Punir as crianças e adolescentes com o encarceramento é tirar a chance de se tornarem cidadãos conscientes de direitos e deveres, ao tempo que é assumir a própria ineficiência do Estado em lhes assegurar esse direito básico que é a educação. As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com adoção de leis penais mais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação, por exemplo, demonstramse positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência. Reduzir a maioridade penal isenta o estado do compromisso com a juventude. De fato, o Brasil ainda não aplicou as políticas necessárias para garantir às crianças, aos adolescentes e jovens o pleno exercício de seus direitos e isso ajudou em muito a aumentar os índices de criminalidade da juventude. O que estamos vendo é uma mudança de um tipo de Estado que deveria garantir direitos para um tipo de Estado Penal que administra as pressões de uma sociedade tão desigual. Assim, o manifesta-se terminantemente contrário à redução da maioridade penal, e solicita aos senhores parlamentares a se posicionarem de forma não só democrática e republicana, mas consequente, alertando a sociedade para os nefastos efeitos sobre esta possível redução, fazendo uma opção inequívoca em favor da criança e do adolescente brasileiros.
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