FONOLOGIA. [»bobu] [»bobu] este par mínimo permite-nos ver que os sons [b] e [l] têm função distintiva dentro do
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- Branca Flor Porto Vilaverde
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1 FONOLOGIA Fonemas e segmentos fonológicos A noção de fonema resulta de questões de funcionalidade (cf. escola funcionalista, estruturalismo pós-saussuriano). Nem todos os sons que ocorrem na cadeia fonética de uma língua pertencem ao seu sistema fonológico; neste cabem apenas os que têm uma função distintiva. A fonologia na escola estruturalista estuda as propriedades dos sons, enquanto elementos de um sistema (linguístico). Distinguia-se da fonética na altura porque esta estudava as mudanças linguísticas que ocorriam na estrutura sonora das línguas ao longo dos tempos. A fonologia tinha, portanto, uma perspectiva sincrónica, a fonética uma perspectiva diacrónica. Sistema conjunto de elementos organizado, sendo que cada um deles tem uma função dentro do conjunto e estabelece com os outros relações de determinado tipo, obedecendo a leis próprias e internas. O inventário dos fonemas de uma língua faz-se através da constituição de pares mínimos: Se para uma dada cadeia sonora nós encontrarmos outra igual em tudo excepto num único ponto e com isso se dá uma alteração no significado, estamos perante um par mínimo e então esses dois sons que concorrem ao mesmo ponto da cadeia têm função distintiva na língua e constituem, como tal, fonemas dessa língua. Os pares mínimos devem ser formados por palavras da mesma categoria gramatical. Ex: [»bobu] [»bolu] este par mínimo permite-nos ver que os sons [b] e [l] têm função distintiva dentro do português, sendo fonemas do português. (os parêntesis rectos [ ] assinalam cadeias ou segmentos fonéticos; as barras // assinalam fonemas ou segmentos fonológicos) Mas: [»bobu] [»bobu] Este par é constituído por duas cadeias sonoras iguais em tudo excepto num ponto; o primeiro requisito para a formação de par mínimo está cumprido. No entanto, estas duas 1
2 cadeias sonoras têm exactamente o mesmo significado, logo este par de palavras não forma par mínimo e não podemos dizer que [B] é um fonema do português não tem função distintiva. Uma vez que vimos já que /b/ é um fonema, concluímos que [B] é uma variante de /b/. Quando um segmento fonológico pode surgir em superfície com duas ou mais formas dizemos que essas formas são alofones, i. e., realizações fonéticas de um mesmo fonema ou segmento fonológico. Neste caso, os falantes utilizam livremente as duas formas ([»bobu] [»bobu]), logo, estamos perante alofones em variação livre. Veremos mais à frente que podem existir mais formas de alofonia. Na escola generativista, os próprios conceitos de fonética e de fonologia são diferentes. Sendo um quadro teórico com fortes raízes cognitivistas, a estrutura sonora das línguas tem duas representações distintas: por um lado, a representação mental, subjacente, por outro, a representação realmente produzida, de superfície. A primeira é a estrutura fonológica, estudada pela fonologia generativista, a segunda é a estrutura fonética, objecto de estudo da fonética (articulatória, acústica ou perceptiva), também no modelo generativista. Se bem que a constituição de pares mínimos seja importante na escola generativista e por isso vamos começar por, a partir daí, identificar fonemas do português, a identificação das formas subjacentes assenta noutro tipo de metodologia (note-se que a constituição de pares mínimos só nos diz algo acerca de sons e da sua funcionalidade, não nos diz nada acerca de cadeias sonoras): as diferentes realizações (formas de superfície) de um mesmo radical ou de um mesmo afixo não podem corresponder todas a formas subjacentes não seria de todo económico para o nosso sistema mental. Assim, é necessário encontrar maneiras de reconstruir a forma subjacente a partir das diferentes formas de superfície e de identificar regras que derivam as formas de superfície (fonéticas) a partir da forma subjacente (fonológica). Por isso, depois da constituição de pares mínimos vamos discutir alguns casos já recorrendo aos conceitos de estrutura subjacente e de superfície. Na escola generativista utiliza-se o termo segmento fonológico para nomear os elementos pertencentes à estrutura 2
3 subjacente (fonológica) e o termo fone para nomear os elementos pertencentes à estrutura de superfície (fonética). Concluindo, os termos fonema e segmento fonológico não são, na realidade, sinónimos, porque correspondem a conceitos diferentes, dentro de quadros teóricos diferentes. No entanto, encontra-se muitas vezes o uso informal de fonema como sinónimo de segmento fonológico (note-se que o contrário não é verdade). *** Constituição de Pares Mínimos Vamos então proceder ao inventário dos fonemas do português, vendo ao mesmo tempo os contextos em que esses são mais funcionais. (o facto de um fonema ser mais ou menos produtivo em determinados contextos não implica que não tenha um papel distintivo na língua). CONSOANTES Posição Inicial de Palavra Oclusivas Fricativas Líquidas Orais Nasais pala \ /p/ mata \ /m/ faca \ /f/ lata \ /l/ bala / /b/ nata / /n/ vaca / /v/ rata / /{/ tia \ /t/ dia / /d/ zurrar \ /z/ surrar / /s/ cacto \ /k/ gato / /g/ chato \ /S/ jacto / /Z/ Posição Medial de Palavra * 3
4 Oclusivas Fricativas Líquidas Orais Nasais ripa \ /p/ mama \ /m/ mafioso \ /f/ mala \ /l/ riba / /b/ mana / /n/ mavioso / /v/ malha / / / \ mota \ /t/ manha / / / caça \ /s/ careta \ /R/ moda / /d/ casa / /z/ carreta / /{/ flamenco \ /k/ flamengo / /g/ queixo \ /S/ queijo / /Z/ * Posição Final de Palavra mal /l/ mar /R/ par más /S/ paz para este caso ver explicação à frente Antes de mais podemos concluir que a posição que aceita mais classes de fonemas é a posição medial de palavra e que aquela que aceita menos é a posição final. No entanto, os fonemas em posição final exigem-nos uma reflexão mais atenta: [l] vs [ ] Como sabemos, o som lateral que surge em posição final de sílaba é a alveolar velarizada [ ]; por que razão não afirmamos então que este som tem função distintiva no português, ou seja, que é um fonema? 4
5 Se observarmos bem, vemos que [l] e [ ] nunca surgem no mesmo contexto. Como sabemos, o primeiro surge sempre em posição de ataque de sílaba e o segundo em posição de coda. Além disso, não é nunca possível constituir par mínimo com estes dois sons. O contexto (i. e., a posição ocupada dentro da sílaba) é que condiciona a ocorrência de um som ou outro. Neste caso dizemos que [ ] é uma variante de /l/, que surge condicionada pelo contexto. Quando um segmento fonológico tem duas ou mais formas de superfície, cuja ocorrência depende do contexto em que se encontra o segmento, estamos perante variação contextual, ou seja, as várias formas que surgem na estrutura de superfície são alofones em distribuição complementar, como [l] e [ ]. sibilante em posição final de palavra Como já referimos aqui, o s final pode surgir com diferentes realizações consoante o contexto em que se encontra (casas pretas [S], casas brancas [Z], casas azuis [z]), acontecendo o mesmo em posição final de sílaba (casta [S], desde [Z]). Como é óbvio, não podemos dizer que todas estas realizações para a marca de plural (ou para qualquer s em final de palavra) têm representação subjacente, fonológica. Haverá apenas uma representação fonológica, da qual se derivam, através de regras fonético- -fonológicas, as diferentes representações fonéticas. Nos pares mínimos que constituímos vimos que quer [S] quer [z] quer ainda [Z] têm função distintiva no português, sendo portanto segmentos fonológicos. Nestes casos em que as várias formas de superfície estão confirmadas como segmentos fonológicos e não há forma de saber qual será a forma subjacente, postula-se a existência de um segmento de carácter abstracto superior que reúna propriedades comuns às formas de superfície. A este segmento fonológico abstracto dá-se o nome de arquifonema (conceito de origem estruturalista). Assim, nestes casos, temos como representação subjacente /S/ (arquifonema, representado em maiúscula) que tem como realização os alofones em distribuição complementar [z], [S] ou [Z]. 5
6 ** Segmentos fonéticos consonânticos já estudados que ficaram de fora da componente fonológica Voltando ao inventário dos segmentos fonológicos do português, vemos que dos sons que estudámos durante o capítulo de fonética nem todos têm função distintiva. Ficaram de fora: a lateral velarizada [ ] as fricativas não estridentes [B], [D] e [F] variante contextual (condicionada pela posição que ocupa na sílaba) variantes livres que ocorrem em posição intervocálica, alofones, respectivamente, de [b], [d] e [g]; [B] é também variante dialectal, as africadas [ts] e [dz] mas neste caso é alofone de [v]) variantes dialectais (PB, [ts] também no PE) *** Constituição de Pares Mínimos VOGAIS ORAIS Para as vogais, o método de constituição de pares mínimos tem outra exigência. A função distintiva das vogais só é visível em posição tónica. Como sabemos e veremos, o contexto acentuação vs não acentuação condiciona a qualidade da vogal, i. e., a mesma vogal fonológica pode surgir com diferentes representações dependendo da posição tónica ou átona em que se encontra (belo vs beleza) pura \ /u/ pera \ /e/ bala \ /a/ bola \ /ç/ pira / /i/ pira / /i/ bela / /E/ bola / /o/ Segmentos fonéticos vocálicos já estudados que ficaram de fora da componente fonológica 6
7 Excluímos dos segmentos fonológicos do português os fones [å] e [ˆ]. [å] está em distribuição complementar com [a] tónico sendo o contexto relevante o factor acentuação (parto, partir). [ˆ] está em distribuição complementar quer com [e] quer com [E] tónicos (pêlo, pelar, pelo (1ª pessoa do singular do presente do indicativo do verbo pelar)). [å] tónico em português: Enquanto [ˆ] nunca surge em contextos tónicos, o mesmo não se pode dizer para [å]. Este último surge sempre e apenas em determinados contextos: Antes de consoante nasal cama cana anho As consoantes nasais obrigam a uma elevação desta vogal, tal como a nasalidade de uma vogal a impede de ser baixa. Trata-se de distribuição complementar, uma vez que é o contexto que condiciona a ocorrência de [å]. Dentro das vogais baixas (ou abertas), só o /a/ sofre este processo antes de consoante nasal (cromo, creme). Antes de consoante palatal no dialecto de Lisboa telha coelho Neste dialecto as consoantes palatais obrigam à centralização da vogal (dissimilação do traço [recuado], passando de [ recuado], como as palatais, a [+ recuado]) despalatalização. Distribuição complementar, dialectal. Neste caso, a vogal fonológica é o /e/, como se vê pela forma com que surge nos restantes dialectos. No ditongo decrescente com semivogal palatal no dialecto de Lisboa peixe azeite 7
8 Também aqui a centralização da vogal é causada por um processo de dissimilação do traço [recuado]. ** Derivação de outros segmentos fonéticos vocálicos orais O facto de todas as outras vogais existirem no nível subjacente não quer dizer que sempre que as tenhamos na superfície elas estejam presentes no nível subjacente. Por exemplo, se olharmos para o verbo «correr», podemos ver que no seu radical podem surgir três vogais distintas: c[u]rrer, c[o]rro, c[ç]rres. Como não podemos ter na representação subjacente três radicais diferentes para um mesmo verbo, haverá uma vogal fonológica da qual se derivam, através de regras fonético-fonológicas, as diferentes formas de superfície: a vogal que surge na forma do infinitivo [u] e a vogal que surge na primeira pessoa do singular do presente do indicativo [o] são derivadas da vogal fonológica /ç/. *** VOGAIS NASAIS canto \ /a)/ ponte \ /o)/ pinto \ / i) / fenda / / e) / conto / /o)/ pente / / e) / ponto / /o)/ funda / /u)/ Derivação de outros segmentos fonéticos vocálicos nasais Há no entanto vogais nasais de superfície que resultam de uma regra de assimilação e não têm portanto representação subjacente como vogais nasais. É o caso das vogais nasais que alternam com vogais orais seguidas de consoantes nasais, como em fim /fin/ final /fin+al/ A consoante nasal nasaliza a vogal, caindo posteriormente, quando se encontra em posição final de palavra. *** 8
9 SEMIVOGAIS pai \ /j/ pau / /w/ Derivação de outros segmentos fonéticos semivocálicos No entanto, as semivogais que podem alternar com vogais não são fonológicas: É o caso dos ditongos crescentes: 1) piada [pi»adå] [»pjadå] Ou 2) cai [»kaj] caído [kå»idu] Neste contextos as semivogais resultam de um processo de semivocalização, no primeiro (1)) caso opcional e no segundo (2)) obrigatório. 9
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