AS TRÊS DIMENSÕES DO CONTEÚDO NA EDUCAÇÃO FÍSICA: TEMATIZANDO OS ESPORTES RADICAIS NA ESCOLA PÚBLICA

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1 AS TRÊS DIMENSÕES DO CONTEÚDO NA EDUCAÇÃO FÍSICA: TEMATIZANDO OS ESPORTES RADICAIS NA ESCOLA PÚBLICA Daniel Teixeira Maldonado Maurício Bráulio Daniel Bocchini Prefeitura de São Paulo EMEF 19 de Novembro Resumo Esse estudo descreve a experiência de um projeto nas aulas de Educação Física onde os autores tematizaram os esportes radicais. Realizado durante o 1 semestre de 2014, para alunos do 7º e 8º ano do ensino fundamental, de uma escola municipal localizada na zona leste do município de São Paulo, a pesquisa teve como enfoque as três dimensões do conteúdo. Esse conteúdo foi escolhido porque os docentes dessa escola decidiram que o PEA Projeto Especial de Ação - teria como temática as novas expressões culturais dos adolescentes. Esse tema surgiu devido aos rolezinhos realizados pelos jovens durante os meses de férias e também pelas diversas manifestações realizadas pelo público jovem com a intenção de cobrar melhorias sociais durante o ano de Ao iniciar as leituras e discussões nos horários de estudo, pensamos em tematizar os esportes radicais nas nossas aulas, por entender que esse conteúdo estava completamente interligado com as discussões realizadas no PEA, pois muitos desses esportes são realizados por jovens e chegaram ao Brasil no final do século XX e ganharam destaque midiático no inicio do século XXI. Além disso, sempre percebíamos ao andar pelo bairro, que muitos alunos da escola andavam de skate e bicicleta e comentavam durante as aulas sobre outros esportes radicais. Também levamos em consideração na nossa prática pedagógica que o objetivo central do projeto políticopedagógico da escola era ampliar a competência de leitura e escrita de 100% dos alunos da unidade escolar. Separamos o desenvolvimento da prática pedagógica nas três dimensões do conteúdo para melhor compreensão do leitor, mas no cotidiano das aulas essas dimensões se interligavam em muitas atividades. Foram realizados os registros das aulas com fotos e filmagens, além de utilizar todas as avaliações dos alunos para identificar a sua compreensão sobre os temas propostos. Na dimensão procedimental os alunos vivenciaram alguns esportes radicais (skate, patins, bicicleta, parkour, slickline, rapel, arvorismo e trilha) de acordo com as possibilidades de material, infraestrutura e

2 habilidade motora no contexto escolar. Na dimensão conceitual foram realizadas aulas expositivas que enfatizaram o processo histórico desses esportes radicais e as principais capacidades físicas necessárias para realizar cada um deles, pesquisas de reportagens sobre esportes radicais na sala de informática da escola, análise de filmes retirados da internet e debates para que os alunos compreendessem os conteúdos ensinados e emitissem a sua opinião sobre esses temas. Na dimensão atitudinal foram realizadas discussões sobre as pessoas que realizam esportes radicais, principalmente porque muitos desses esportes chegaram ao Brasil estigmatizados, como se todos os seus praticantes fossem pessoas desocupadas, vagabundos e usuários de drogas. Para iniciarmos essas discussões, assistimos ao filme vida sobre rodas, pois esse material conta a história do skate no Brasil a partir de depoimentos de seus praticantes, mostrando os preconceitos que os skatistas sofreram no Brasil e os fatos que marcaram a história dessa prática corporal. Para finalizar o projeto, foi realizado em um sábado letivo o Dia da Família na escola, sendo que uma das atividades propostas nesse evento foi que os familiares andassem de skate e praticassem slickline com os alunos. Após a realização do projeto, os alunos construíram uma visão mais crítica dos esportes radicais praticados, compreenderam a história, a importância dos equipamentos de segurança e quais são as principais capacidades físicas necessárias para praticar esses esportes e refletiram sobre a forma que muitos praticantes de esportes radicais são estigmatizados de forma negativa pela sociedade. Palavras-chave: Educação Física Escolar; Esportes Radicais; Dimensões do Conteúdo. Experiência Pedagógica Ao iniciarmos o ano de 2014, tivemos a oportunidade de ministrar aula para o 7º ano do Ensino Fundamental. Esse era o 3º ano consecutivo que ensinávamos Educação Física para essas turmas e já tínhamos tematizado em anos anteriores as ginásticas, as lutas, as danças e os esportes coletivos e individuais. Além disso, os professores de todas as disciplinas da escola decidiram em conjunto que o projeto político pedagógico desta unidade escolar iria discutir sobre as novas expressões culturais dos jovens, pois durante as férias, em São Paulo, os adolescentes realizaram rolezinhos em shoppings da cidade e também se organizaram

3 para realizar manifestações contra a copa do mundo e a favor de melhorias estruturais na cidade. Nas discussões de planejamento, os docentes mencionaram a importância de compreender melhor as ações dos jovens que vivem no século XXI, principalmente no local onde eles passam grande parte do seu dia, na escola. Nesse sentido, a disciplina de Educação Física deveria selecionar conteúdos e estratégias que também atingissem esses objetivos. Ao realizarmos o nosso planejamento, decidimos tematizar os esportes radicais durante o 1º semestre do ano de 2014 com essas turmas de 7º ano, pois as características dessa manifestação da cultural corporal de movimento estavam completamente relacionadas com os objetivos traçados pelos docentes no projeto político pedagógico da escola. Também escolhemos estudar com os alunos os esportes radicais, devido a grande quantidade de vezes que vários desses esportes passaram a aparecer na mídia nos últimos anos, causando grande curiosidade nos discentes e vontade de conhecer com mais detalhes esses esportes. Nesse sentido, traçamos os seguintes objetivos para as aulas: vivenciar alguns esportes radicais de acordo com o nível de habilidade dos alunos e as condições de infraestrutura da escola; compreender sobre a história e as principais regras desses esportes vivenciados e de também de algumas modalidades radicais que não seria possível realizar na escola (asa delta, bungee jump, paraquedismo, balonismo, surf e rafting); refletir sobre as relações de gênero existentes nesses esportes e debater sobre o preconceito existente nos diferentes esportes radicais praticados em várias partes do mundo. A seguir, explicaremos as dinâmicas propostas para os alunos durante as aulas de Educação Física. Primeiramente, descreveremos as experiências que estiveram relacionadas com os conceitos desenvolvidos durante as aulas, logo após mostraremos as estratégias utilizadas para os alunos realizarem os esportes radicais e para finalizar ressaltaremos quais foram as reflexões e os debates realizados sobre essa temática. Importante ressaltar que essa separação das experiências obtidas em aula foram sistematizadas apenas para melhor compreensão do leitor. No complexo do cotidiano escolar, esses aprendizados ocorreram ao mesmo tempo, de acordo com cada dinâmica que estava sendo realizada. Para iniciar as aulas de esportes radicais, realizamos algumas aulas expositivas, com a intenção de explicar sobre a história dessas modalidades e as suas principais características. Discutimos com os alunos sobre o skate, o patins, as modalidades radicais de bicicleta, o slickline, o arvorismo, o parkour, o rapel, a corrida de aventura, o

4 paraquedismo, o balonismo, o bungee jump, a asa delta, o surf e o rafting. Todas as informações desses esportes foram levantadas no livro Pedagogia da aventura: os esportes radicais, de ação e de aventura na escola (PEREIRA E AMBRUST, 2010). Para que os alunos compreendessem melhor esses esportes também foram retirados vídeos do youtube com praticantes reais dessas modalidades radicais. Os discentes também realizaram pesquisas na sala de informática sobre um dos esportes radicais que mais se interessaram. O mais interessante desse momento foi a grande variedade de temas que foram identificados pelos alunos, sendo que todos eles apresentaram os trabalhos pesquisados para o restante da turma durante as aulas, além de entregar o texto escrito da reportagem com a sua respectiva interpretação. Importante ressaltar que nas aulas teóricas foi enfatizada a importância de utilizar os equipamentos de segurança durante a prática dessas modalidades radicais. Depois de enfatizar os conteúdos conceituais planejados, decidimos praticar alguns desses esportes com os alunos. Porém, acreditamos que a escola não é palco de reproduzir as práticas esportivas exatamente como elas são realizadas fora dela, como já apontava o professor Francisco Eduardo Caparroz em 2007, no seu livro intitulado Entre a Educação Física na escola e a Educação Física da escola. Além disso, pautamos a nossa prática pedagógica na dimensão procedimental de acordo com a explicação de Kunz (2001). Para o autor, o SE-MOVIMENTAR humano é caracterizado como a relação que o sujeito estabelece com a cultura a partir do seu repertório, informações/conhecimentos, movimentos e condutas, de sua história de vida, de suas vinculações socioculturais e de seus desejos. Nesse sentido, cada aluno realiza as diversas práticas corporais propostas nas aulas de Educação Física de acordo com as experiências que obteve na sua história de vida. Nesse sentido, criamos algumas estratégias para realizar movimentos que se aproximavam dos esportes radicais que tematizamos nas aulas, mas de uma forma que todos os alunos conseguissem participar das aulas de forma significativa. Também pedimos emprestado para alguns alunos o skate, o patins e a bicicleta, para que as aulas desses esportes pudessem ser realizadas. Também conseguimos adquirir o slickline com a direção da escola antes de iniciar as aulas, mas tivemos que apresentar o nosso planejamento para os gestores da escola e mostrar a importância dos alunos vivenciarem essas modalidades radicais para conseguir o material. O rapel foi realizado devido à experiência que um dos professores de Educação Física da escola possuía com essa atividade. Por participar de um grupo de escoteiros, ele tinha os materiais e o

5 conhecimento especifico para realizar a aula. Os alunos desceram de rapel da trave de um dos gols da quadra. Para realizar o parkour montamos um circuito na quadra onde os alunos tiveram que fazer diversos tipos de saltos com distância diferentes entre eles. O arvorismo foi realizado com duas cordas presas nas extremidades de um espaço da escola, sendo que os alunos seguravam na corda de cima e andavam pela corda de baixo até o final do percurso. Na corrida de aventura, montamos um mapa da quadra da escola e os alunos tinham que encontrar algumas bases com esse mapa e realizar diferentes tarefas (arvorismo, skate, parkour e slickline). A equipe que encontrasse todas as bases e realizasse todas as atividades primeiro vencia a corrida. Durante as aulas, todos os alunos se ajudavam para conseguir realizar as atividades propostas, sendo que essa postura solidária foi um dos principais motivos das aulas terem ocorrido de forma satisfatória. Todas as adaptações realizadas nos esportes radicais tiveram como principal objetivo facilitar a participação de todos os alunos na aula e diminuir os riscos de praticar essas modalidades. Acreditamos que obtivemos sucesso nessas adaptações, pois em todas as aulas os alunos participaram de forma efetiva e ninguém se negou a realizar os esportes propostos. Depois de realizar todos os esportes radicais mencionados durante as aulas foi realizado em um sábado o dia da família na escola. Uma das atividades realizadas nesse dia foi permitir que os alunos trouxessem skate para a escola e andassem na quadra. Vários alunos participaram dessa atividade e muitos deles também trouxeram os seus familiares nesse dia. Também montamos o slickline na quadra e todas as pessoas da comunidade que quiseram realizaram a atividade. Após a realização de todas essas atividades e a compreensão da história dessas modalidades radicais fomos para a sala de vídeo e assistimos ao filme Vida sobre rodas com os alunos. Esse filme conta a história do skate no Brasil a partir da visão dos skatistas brasileiros e internacionais que ajudaram a construir esse esporte no Brasil. Para discutir especificamente o filme, os alunos produziram textos sobre o que foi compreendido e eles mencionaram o que foi aprendido nessa analise. Aluno 1 Não sabia que o skate já tinha sido proibido no Brasil e nem que foi a prefeita Luiza Erundina que liberou o skate novamente. Não consigo imaginar que algumas pessoas foram presas só por andar de skate.

6 Alunos 2 O Bob Burniquist construiu a Mega Rampa no quintal da sua casa nos Estados Unidos e ele realmente faz manobras muito radicais. Ele é um dos melhores skatistas do mundo. Aluno 3 Os skatistas tinham fama de desocupados e drogados e essa fama veio por causa dos surfistas, mas nós percebemos no filme que havia pessoas que andavam de skate que também tinham muito dinheiro e não usavam drogas. Nós precisamos conhecer melhor a história dos esportes antes de julgar as pessoas. Aluno 4 Os skatistas andavam nas Pistas de São Bernardo, Guaratingueta, Ultra e no Parque do Ibirapuera. Naquela época um monte de pessoas que andavam de skate e eram americanas vieram conhecer o Brasil. Dentre muitas opiniões sobre o filme, percebemos que muitos alunos conseguiram compreender melhor a história do skate e se envolveram com a atividade, pois de todos os esportes realizados nas aulas, o skate foi aquele que fez mais sucesso entre os alunos. Esse filme também foi importante para iniciar alguns debates com os discentes, principalmente porque eles achavam que só os homens realizavam esportes radicais, demonstrando preconceito contra as mulheres. Muitos adolescentes também acreditavam que todos os skatistas usavam drogas, pois já tinham escutado isso na mídia e entre os seus familiares. Também foi possível debater a importância de respeitar o meio ambiente para realizar algumas atividades de aventura, como o rapel e o arvorismo. Além disso, também discutimos com os alunos que a bicicleta pode ser realizada como esporte radical e como meio de transporte e ainda foi possível debater que os esportes radicais fazem parte das expressões culturais dos jovens e todos os seus praticantes devem ser respeitados. Essas discussões nos levaram a propor que os alunos realizassem charges para expressar o que tinham compreendido. Abaixo, mostraremos alguns desses trabalhos.

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8 DIFICULDADES PARA REALIZAR A EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA Ministrar as aulas teóricas foi a nossa maior dificuldade, pois os alunos ainda possuem uma ideia que a aula de Educação Física deve ser realizada só na quadra com atividades práticas. Já era o terceiro ano que ministrávamos aulas para essas turmas, mas mesmo assim os discentes reclamavam um pouco quando não descíamos para a quadra. Realizar análises de filmes e fazer trabalhos na sala de informática foram estratégias eficientes, principalmente porque os alunos se envolviam com essas atividades muito mais do que quando precisavam escrever da lousa e ler algum material impresso em sala de aula. Inclusive, realizar leituras de textos e pedir a opinião escrita dos alunos é uma grande dificuldade no contexto em que trabalhamos. Muitas crianças e adolescentes não possuem essas habilidades mesmo nos anos finais do Ensino Fundamental e precisamos juntar os alunos com mais facilidade de ler e escrever com aqueles que possuíam dificuldades em algumas aulas. Permitir que os alunos se expressassem em forma de desenhos também foi uma estratégia utilizada para sanar essa dificuldade. A falta de materiais de esportes radicais também foi uma dificuldade que tivemos durante as aulas. Para sanar esse problema, pedimos emprestado para os alunos skate, patins e a bicicleta, mas no dia que eles traziam esses materiais, os pais tinham que assinar uma autorização permitindo esse procedimento. Como não havia material para todos os discentes, durante as aulas tínhamos que organizar estratégias para que todos pudessem praticar aquela modalidade durante a aula. A falta de conhecimento sobre muitos dos esportes radicais tematizados foi um problema a ser superado, já que a produção de conhecimento científico sobre esse assunto também é pequena. Assumimos o risco e aprendemos muitas coisas junto com os alunos, pois as crianças e os adolescentes também possuíam muitos conhecimentos e experiências relacionadas com esse assunto. Realizamos diversas pesquisas durante o semestre para poder discutir com clareza os diversos esportes radicais realizados durante as aulas. REFLEXÕES FINAIS Ao terminar essa experiência pedagógica e as vivências de esportes radicais com essas turmas, acreditamos que os alunos compreenderam um pouco mais sobre a

9 história e as características das modalidades discutidas em aula, refletiram sobre o discurso midiático das pessoas que praticam essas práticas corporais e praticaram diversos esportes radicais dentro da escola. Houve alguns obstáculos durante a tematização desse conteúdo na escola. A falta de experiência com esse conteúdo, principalmente porque a nossa formação inicial não enfatizou nenhuma experiência pedagógica com esses conteúdos, a falta de materiais e a dificuldade dos alunos compreenderem a importância das aulas de nível conceitual na escola dificultaram de certa forma a nossa prática pedagógica. Terminamos as aulas de esportes radicais com a certeza de que os objetivos traçados no inicio do planejamento foram alcançados, principalmente porque as avaliações realizadas durante o processo demonstravam que os discentes tinham compreendido o conteúdo e os debates de ordem social que foram realizados durante as aulas. REFERÊNCIAS CAPARROZ, F. E. Entre a Educação Física na escola e a Educação Física da escola. 3. ed. São Paulo: Autores associados, KUNZ, E. Transformação diático-pedagógica do esporte. 4ª. ed. Ijuí: Unijuí, PEREIRA, P. W.; AMBRUST, I. Pedagogia da aventura: os esportes radicais, de aventura e de ação na escola. São Paulo: Fontoura, 2010.