APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA PELO JUIZADO SOBRALENSE NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, REALIDADE OU UTOPIA?
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- Maria das Neves Assunção
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1 1 APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA PELO JUIZADO SOBRALENSE NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, REALIDADE OU UTOPIA? VANESSA LOPES VASCONCELOS 1 FELIPE FREITAS VASCONCELOS 2 ANA KAROLINE DE AGUIAR ARRUDA 3 INTRODUÇÃO Nas sociedades patriarcais sempre foi imposto à mulher um padrão comportamental a que ela deve se render e obedecer, mesmo que isso implique na violação do ambiente de mais profunda intimidade: o seu lar. Esta violência, por anos, foi tratada como um problema exclusivamente familiar, sendo de menor potencial ofensivo, as vítimas eram silenciadas pela falta de uma punibilidade efetiva aos seus agressores. Com o surgimento da Lei Maria da Penha no cenário brasileiro, houve a modificação dentre outras coisas, da forma de punição, criou-se os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, nos quais, segundo os artigos 17 e 41 desta mesma Lei, não é possível a aplicação da Lei 9.099/95, vedando-se a aplicação de penas pecuniárias, cesta básica e multa isolada. Ademais, ordenou o acompanhamento às mulheres vítimas (artigos 27 e 28 da Lei Maria da Penha) pela Defensoria Pública ou assistência judiciária gratuita e trouxe a previsão de medidas protetivas de urgência (BRASIL, 2015, p. 25). O crime deixou de ser tratado como um crime de menor potencial ofensivo, com penas alternativas para ser possível a prisão do agressor. Fausto Lima (2009) enfatiza que a Lei permite três tipos de atuação, preventiva, psicossocial e punitiva. Não obstante os dois primeiros aspectos terem sido os mais enfatizados pela Lei, com um rol de medidas protetivas (medidas de prevenção, medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, protetivas da vítima e uma equipe de atendimento multidisciplinar) foi o último que chamou a atenção da sociedade. O modelo adotado pelo Estado brasileiro para combater a violência doméstica é o da justiça retributiva, o crime é uma violação contra o Estado, ocorrendo a 1 Professora Orientadora 2 Aluno-Pesquisador Bolsista 3 Aluna-Pesquisadora Bolsista
2 2 desobediência à lei, a justiça determina a culpa e inflige dor no contexto de uma disputa entre ofensor e Estado (ZEHR,2008, p. 170). No entanto, este modelo de punição retributivo não vem apresentando progresso na solução ou na diminuição deste crime tão grave, então rever o sistema punitivo nos casos de violência doméstica é um importante passo a ser dado. Não se pode tratar o agressor como qualquer outro, pois existe uma história entre vítimaagressor, uma família, um passado, os laços serão desfeitos, sem a possibilidade de se restabelecer, diferente do que aconteceria com o modelo restaurativo. DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA O Projeto de Pesquisa teve duração de 1 ano, março de 2016 até março de 2017, contou com a participação de 2 bolsistas e 16 alunos voluntários, 8 por semestre. Iniciou-se com pesquisa bibliográfica sobre violência doméstica, justiça restaurativa e estudo de gênero, o trabalho de campo foi feito na Delegacia de Defesa da Mulher do município de Sobral e na Vara de Violência Doméstica. Após a verificação dos resultados da pesquisa acadêmica, constatou-se que o índice de violência doméstica, no município de Sobral, apesar dos diversos incentivos e penalizações legais, não vem diminuindo, demonstrando-se, portanto, que mesmo com o desenvolvimento legislativo, a violência deve ser combatida a partir de diversos meios. Segundo dados coletados na Delegacia Municipal de Defesa da Mulher, o município de Sobral ainda tem como primordial violência contra a mulher a questão das ameaças. Conforme dispõe a lei /06, em seu artigo 7º inciso II, a ameaça configura-se como um tipo de violência psicológica, pois como o próprio traz, configura-se violência de ordem psicológica: [...]qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. Após a realização do Estudo de 761 boletins de ocorrência na Delegacia Regional de Defesa da Mulher referentes aos anos de 2014 a 2016, dispõe o gráfico que apesar da ameaça ser considerada uma subespécie de violência psicológica, esta foi
3 3 abordada em apartado, visto que o número exorbitante de tais boletins de ocorrência demonstram que tal tipo de violência é a mais recorrente. Com maior incidência foi ameaça de agressão física, com mais de 400 boletins, agressão física de fato em segundo lugar, seguida pela agressão moral. Nota-se uma subnotificação dos casos de violência psicológica, que fatalmente ocorre antes de uma ameaça ou da própria violência física, no entanto, as vítimas nem sabem que a estão sofrendo, por isso, o número tão baixo de denúncias. Listou-se os agressores que configuraram os boletins de ocorrência, deixando claro que a LMP resguarda as agressões cometidas contra o gênero feminino, o sujeito passivo obrigatoriamente deve ser do gênero feminino, já o sujeito ativo independe de gênero, não sendo uma agressão exclusiva de parceiros, conjuge, namorado. O artigo 5º da LMP em seus incisos, explica que será violência doméstica qualquer ação ou omissão baseada no gênero, no âmbito da unidade doméstica, compreedida como o espaço de convivência permanente de pessoa com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; no âmbito familiar, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, afinidade ou por vontade expressa; em qualquer relação íntima de afeto, no qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Os boletins em sua maioria confiiguram como o ex-companheiro (26,4%), seguido do companheiro (19,1%), ex-marido (8,4%), filho (5%) e companheira(5%). Os números relativos a reincidência de violência doméstica são altos,com 54,6% de agressor reincidente, lembrando que me muitos boletins, 19,7% não foi perguntado se a violência era algo recorrente na vida da vítima. Aumentando a importância da pesquisa, com a utilização da justiça restaurativa diminuiria-se o número de reincidência. A prisão em flagrante não costuma ocorrer com regularidade, 78,1% dos boletins não tiveram prisão em flagrante, somente em 3,4% dos casos houve prisão em flagrante. O pedido de medida protetiva ocorreu em 31% dos casos, no entanto, no município de Sobral não possui controle da medida protetiva de distância e nem casas de abrigo para as mulheres, sendo, então, uma norma de pouca aplicabilidade. Outro dado importante quanto ao estudo da justiça restaurativa nos casos de violência doméstica é sobre o interesse em continuar ou não com com a demanda nas vias judiciais, 50,5% dizem não querer o processo, que o interessante seria um
4 4 tratamento para o agressor, querem que a agressão acabe, mas não quer a prisão do mesmo. O relato do motivo da agressão feito pela vítima nos boletins de ocorrência circula entre o motivo de ciúmes (18,5%), bebida (16,2%), drogas (14,3%) e diferente do senso comum, somente 6,1% alegaram que o motivo foi a falta de dinheiro. Outra motivação recorrente entre os boletins de ocorrêcia é por não aceitar o término do relacionamento, por se ter umas sociedade patriarcal o homem não aceita de bom grado o final do relacionamento quando este é proposto pela parceira. A idade do agressor quase nunca é relatada nos Boletins de Ocorrência, em 75,4% dos boletins pesquisados não há relato da idade deste. É um dado importante para se saber como e quando se deve começar a trabalhar com esse homem-agressor. Já quando se fala da vítima o relato da idade é bem feito, o maior índice de ocorrência está entre anos (27,6%), seguido pela faixa etária de anos (25,6%), ou seja, a vítima é jovem, em idade laboral, ainda em seus primeiros relacionamentos. Outro estudo realizado nos meses da pesquisa acadêmica foi a realização de entrevistas com os profissionais que lidam com a violência doméstica. Assim, contata-se que por unanimidade destes, a justiça restaurativa tem sua atuação com bons resultados e o poder judiciário em parceria com outros órgãos públicos, inclusive com o auxílio de uma equipe interdisciplinar, pode trazer tanto para a vítima quanto para o agressor uma melhor qualidade de vida e uma restauração de tal relação apartada por aquela violência, fazendo com que muitas vezes para aquela agredida a recuperação não seja realizada somente com a privação da liberdade do agressor, mas com uma tentativa de restauração da convivência no lar e uma melhor adequação da vida destes. Entretanto, estes relataram que apesar da técnica ser de bons resultados, há uma dificuldade, pois a morosidade do poder judiciário não facilita muitas vezes a intervenções da mediação ou conciliação. CONCLUSÃO Como conclusão do trabalho, ressalta-se a necessidade de aplicação da justiça restaurativa nos casos de violência doméstica, pois implicaria a diminuição da reincidência de casos, a vontade da vítima em não continuar com o processo revela outro ponto importante, esta não esta querendo a simples punição de seu agressor, quer
5 5 medidas restaurativas, como tratamento para drogas e alcoolismo. Entender o ilícito, saber quem são os reais sujeitos, o papel da vítima e do agressor. O projeto enfrentou dificuldade no decorrer do estudo por falta de audiências, poucas foram realizadas no período de um ano, e por não ter sido autorizado o estudo das sentenças, o que daria a certeza da aplicação ou não da Justiça Restaurativa no Município. No entanto, com a realização do evento sobre os 10 anos de entrada em vigor da Lei Maria da Penha, teve-se uma percepção acerca da atuação de tal legislação em nosso município, verificando que esta tem reprimido muito a violência, não que tenha diminuído o número desta violência, mas tem-se desenvolvido a conscientização à denúncia, mulheres estão mais confiantes em denunciar, e buscado um maior apoio a vítima. REFERÊNCIAS BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2.ed. São Paulo: EDIPRO, BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Lisboa: Relógio D Água, BRASIL. Lei n , de 07 de agosto de Cria Mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Data da publicação 22 de agosto de Disponível em: Acesso em: 13 de jan. de Ministério da Justiça. Secretaria de Assuntos Legislativos. Violências contra a mulher e as práticas institucionais. Brasília: Ministério da Justiça, CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista Pinto. Violência doméstica: Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: A efetividade da Lei /2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento das prisões. 37. ed. Petrópolis: Vozes, LIMA, Fausto Rodrigues de; SANTOS, Claudiene (Coords.). Violência doméstica: vulnerabilidade e desafios na intervenção criminal e multidisciplinar. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, PENHA, Maria da. Sobrevivi...posso contar. Fortaleza: Armazém da Cultura, PINTO, Renato Sócrates Gomes. Justiça Restaurativa é possível no Brasil? In.: SLAKMON, Catherine; VITTO, Renato Campo Pinto de; Pinto, Renato Sócrates Gomes (Org.). Justiça Restaurativa. Brasília-DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para desenvolvimento, 2005, p ROSENBLATT, Fernanda; MELLO, Marília Montenegro Pessoa de. O uso da Justiça Restaurativa em casos de violência de gênero contra a mulher: potencialidades e riscos. In: OLIVEIRA, Luciano; MELLO, Marília Montenegro Pessoa de; ROSENBLATT, Fernanda Fonseca. Para além do código de Hamurabi: estudos sociojurídicos [e-book]. Recife : ALID, SCURO NETO, Pedro. O Enigma da Esfinge: Uma Década de Justiça Restaurativa no Brasil. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, ano VIII, n. 48, p , fev-mar ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Athena, 2008.
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