ENTRE TRAÇOS E CORES: DESCOBRINDO AS IMPRESSÕES E CONCEPÇÕES DE CRIANÇAS SOBRE OS ANIMAIS
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- Silvana Figueiroa Casado
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1 ENTRE TRAÇOS E CORES: DESCOBRINDO AS IMPRESSÕES E CONCEPÇÕES DE CRIANÇAS SOBRE OS ANIMAIS Karla Diamantina de Araújo Soares (Faculdade de Educação UFF) Raíssa Guimarães Teixeira Machado (Escola de Educação Física e Desportos UFRJ) Resumo Os desenhos produzidos por crianças podem ser empregados para avaliar conhecimentoscientíficos, consistindo em instrumentos úteis para o levantamento das concepções prévias e valores que os alunos possuem. Neste estudo, pretende-se investigar os conhecimentos das crianças sobre os animais e suas características morfológicas e biológicas. Os primeiros resultadosrevelam que o grupo dos mamíferos foi o mais frequentee que a grande maioria dos animais representados estava inserida em algum ambiente. Muitos caracteres morfológicos representados corresponderam em número e forma aos que são encontrados na natureza, revelando que através dos desenhos, as crianças conseguiram apresentar as características exclusivas de cada animal, possibilitando seu reconhecimento e distinção dos demais. Palavras-chave: conhecimentos científicos,desenhos, animais. Introdução A representação gráfica de pensamentos e sentimentos por meio de desenhos é uma das formas mais antigas da comunicação humana. O homem primitivo deixava a sua marca e os seus feitos em desenhos nas cavernas, tentando assim registrar a sua história para os descendentes. Da mesma maneira, no percurso do desenvolvimento infantil, encontramos o desenho como a primeira forma de expressão, antes mesmo de a criança conseguir dominar a leitura ou a escrita(goldberg et al., 2004; SCHWARZ et al., 2007). Ao desenhar, o indivíduo resgata as informações que foram armazenadas por meio de suas experiências, expressando seus valores, sentimentos e relações com o ambiente em que se encontra através de traços e cores em um papel. Segundo Moscovici (2001), a linguagem, a comunicação, a escola, o meio cultural e os valores proporcionam a construção das 4449
2 experiências, portanto, as representações provenientes de tais experiências são sociais (SCHWARZ et al., 2007). O desenho infantil é um instrumento dos mais importantes para o favorecimento do desenvolvimento integral do indivíduo, consistindo em um elemento mediador de conhecimento e autoconhecimento. O desenho possibilita à criança, a organização de informações, processamento das experiências vividas e pensadas, exposição de seu aprendizado e desenvolvimento de um estilo próprio de representação do mundo (GOLDBERGet al., 2004). As crianças começam a se comunicar graficamente por meio do desenho, independente da classe social, do lugar onde vivem ou do gênero, sendo este um ótimo instrumento de avaliação, pois há um gosto generalizado por desenho e ausência de tensão durante sua elaboração (BARRAZA, 1999; RENNIE e JARVIS, 1995). Ainda segundo estes autores, muitas crianças não gostam de responder perguntas escritas, e a resposta por meio do desenho pode ser compreendida rápida e facilmente, de modo agradável e útil. Os desenhos produzidos por crianças podem ser empregados para avaliar conhecimentos, competências, observações e conceitos de Ciência e analisar a capacidade de raciocínio, consistindo em instrumentos úteis e significativos para o levantamento das concepções prévias e valores que os alunos possuem (SCHWARZ et al., 2007). Dentre os vários tipos de desenhos, espontaneamente realizados, pode ser destacado o da figura humana como um dos preferidos e mais frequentemente realizado (KOPPITZ, 1968). Outros temas também fazem parte dos desenhos livres infantis, tais como casas, animais e flores. Segundo Widlöcher (1971), os desenhos infantis são objeto de nossa curiosidade porque não existe o desenho adulto. Se o adulto não é um artista, ele não desenha. Sua atividade gráfica é reduzida a alguns ensaios de caricaturas e rabiscos. As crianças, no entanto, revelam, em relação aos desenhos, um tipo de conduta que parece próprio e espontâneo. Goldberg e colaboradores (2004), ao trabalharem com desenhos decrianças de quatro a nove anos sobre as representações de ambientes marinhos, constataram que as crianças foram capazes de representar, de forma detalhada, o ambiente que estavamobservando: a água, o ambiente marinho e seus componentes culturais e naturais. Silva e Cavassan (2006) analisaram as representações dos vegetais e a caracterização do ambiente em que estão inseridos através de desenhos elaborados por alunos do 7º ano do Ensino Fundamental, de uma escola estadual. Schwarz e colaboradores (2007) realizaram uma pesquisa sobre as impressões e conhecimentos de alunos do Ensino Fundamental sobre a Mata Atlântica, 4450
3 identificando os principais ecossistemas e elementos representados, dentre eles os animais mais característicos, e o estado de conservação do bioma. Os três trabalhos supracitados compõem uma amostra relativamente pequena de pesquisas sobre desenhos e as representações da natureza. De um modo geral, não tem sido muito comum os trabalhos utilizarem desenhos infantis para avaliar representações do meio ambiente e sua biodiversidade ou os conhecimentos e concepções prévias dos alunos sobre os temas de Ciências. Apesar da grande difusão do desenho entre as crianças, este ainda é um método pouco explorado para obter compreensão de conceitos científicos(schwarz et al., 2007). Acredita-se que a partir da análisede desenhos infantis, podemos revelar um pouco mais sobre o imaginário e o conhecimento acerca de aspectos como morfologia e o ambiente no qual os animais vivem. Os primeiros resultados deste estudo são aqui apresentados, ressaltando que o mesmo encontra-se em andamento, com previsão para término no final deste ano letivo. Metodologia O estudo consistiu na análise de desenhosde animais, elaborados por crianças entre 4e 6 anos de idade, durante uma colônia de férias, realizada no estado do Rio de Janeiro. Os desenhos foram colhidos em três dias de atividades. Os animais que constavam nos desenhos foram identificados e classificados em grupos, de acordo com seus táxons correspondentes (aves, mamíferos, artrópodes, peixes, répteis e anelídeos). Outras categorias foram estabelecidas para análise, como invertebrados ou vertebrados e domésticos ou selvagens. Analisou-se também a morfologia externa dos animaise o ambiente no qual foram representados, buscando-se o conhecimento a respeito das relações ecológicas e das principais características que definem e constituem os animais. Resultados e Discussão No total, 53 desenhos foram analisados com relação aos grupos de animais representados, suas relações ecológicas e características mais expressivas.a grande maioria consistiu em representações de vertebrados(70%) e invertebrados (30%). Os animais selvagens foram os mais representados (75%). Quanto aos táxons representados (Figura 1), 4451
4 foram identificados os seguintes grupos: mamíferos (42%), artrópodes (28%), aves (16%), peixes (7%), répteis (5%) e anelídeos (2%). Dentre os mamíferos, o gato foi o animal mais presente nos desenhos (33%), seguido pelo rato (17%) e pelo cachorro (17%). Dentre os artrópodes, a borboleta correspondeu à maioria dos desenhos (59%). Táxons Mamíferos Artrópodes Aves Peixes Répteis Anelídeos Figura 1. Gráfico dos táxons presentes nos desenhos analisados. Dos 53 desenhos analisados, 35 deles apresentaram os animais inseridos em um ambiente, representado por árvores, rios, montanhas, sol e nuvens. Muitos desenhos apresentaram mais de um animal, sugerindo a interação entre estes e o seu habitat natural. Mesmo os desenhos de animais domésticos como gato, cachorro e tartaruga, apresentaram estes ao ar livre (Figura 2). Figura 2. Desenho de um gato em um ambiente ao ar livre. 4452
5 Com relação às características morfológicas, todos os caracteres representados foram registrados. As borboletas apresentaram duas antenas, duas asas, corpo segmentado e sem apêndices. Em alguns desenhos, a cabeça da borboleta foi desenhada destacada do resto do corpo e em pelo menos dois, os casulos acompanhavam as borboletas (Figura 3), sugerindo algum conhecimento sobre a metamorfose. As aranhas desenhadas apresentaram oito apêndices e uma cabeça destacada do resto do corpo. A cabeça destacada em relação ao resto do corpo pode ser um reflexo da antropomorfizaçãoencontrada em alguns livros infantis e desenhos animados (LOPES; SALOMÃO, 2010). Figura 3. Desenho de uma borboleta, à esquerda, e seu casulo, à direita. As aves, quando não eram representadas com traços em forma de v, apresentaram asas, penas da cauda, bico, olhos, cabeça destacada e pescoço longo. Em nenhum dos desenhos, os membros posteriores foram representados. Todos os mamíferos desenhados apresentaram quatro membros, cauda, focinho, olhos, orelhas e boca, com exceção do morcego, que não apresentou membros posteriores. Os gatos e cachorros foram identificados e distinguidos por suas vibrissas, formato das orelhas e do focinho. Os ratos foram identificados por seus dentes incisivos característicos, o leão por sua juba e o porco pelo formato e tamanho de seu rabo. Os jacarés apresentaram rostro alongado, dentes triangulares e pontiagudos, escamas e uma cauda bem desenvolvida. As tartarugas apresentaram casco, cabeça destacada, quatro membros, cauda, olhos e boca. Considera-se queo destaque à fauna selvagem, dada a sua grande representação, pode estar relacionado com a importância dada a ela em livros, revistas e programas audiovisuais 4453
6 para crianças, bem como a realização de atividades de campo e passeios nos quais as crianças entram em contato com animais ausentes em seu cotidiano. Os resultados encontrados diferem de Schwarz e colaboradores (2007), no qual as aves foram os animais mais representados, presentes em 52,2% dos desenhos. Destes desenhos, somente 11,9 % destes apresentam aves com forma específica, e não o simples rabisco de aves no céu, enquanto que no presente estudo, uma parcela maior (46%) apresentava aves com bicos, penas e asas. Quanto aos insetos, a borboleta foi o animal mais desenhado (70%), seguindo a tendência encontrada em Schwarz et al. (2007). Com apenas duas incidências, as crianças desenharam outros insetos como a joaninha e a formiga. É provável que o alto índice de reprodução da borboleta possa estar relacionado com a beleza estética e a forma padronizada utilizada para reproduzir este elemento, tendo sido desenhado principalmente pelas meninas. Assim como em Schwarz et al. (2007), grande parte dos desenhos analisados aqui apresentou o ambiente em boas condições, representadas por sol, céu azul com poucas nuvens, árvores coloridas e rios limpos. Os animais domésticos mais desenhados foram o cachorro e o gato, resultado previsível visto que estes animais configuram como os principais animais de estimação da nossa cultura. Considerações Finais O estudo minucioso dos desenhos infantis permite de certo modo, colocar-se no plano das crianças, ver o mundo com seus olhos, aproximar-se pelo menos em parte de sua percepção das coisas; essa operação requer uma particular flexibilidade e, sobretudo, a capacidade de observar e escutar sem expectativas, para evitar cair na tentação de interpretar com os olhos dos adultos o universo infantil que, por muitos aspectos, ainda nos é estranho(spadoni, 1996). O professor em sala de aula deve levar em conta o que seu aluno já sabe (AUSUBEL, 1982), buscando investigar e levantar os conhecimentos prévios através de diferentes meios, sendo o desenho um destes. Considera-se que o aluno não aprende pela simples internalização de algum significado recebido de fora, isto é, dito pelo professor; mas, sim, por um processo seu, idiossincrático, próprio, de atribuição de significado que resulta da interação de novas ideias com as já existentes na sua estrutura cognitiva. Pelo simples fato de estarem no mundo e procurarem dar sentido às inúmeras situações com as quais se defrontam em suas vidas, os alunos já chegam às aulas de Ciências 4454
7 com ideias sobre vários fenômenos e conceitos científicos. Muitas vezes, essas concepções prévias resistem às mudanças, comprometendo a aprendizagem das ideias científicas e determinando o modo de compreensão e desenvolvimento das atividades propostas durante as aulas (SCHNETZLER, 1992). Neste sentido, o aprendizado dos alunos depende tanto do que eles trazem consigo quanto da forma como o ensino ocorre. Percebe-se também que muitas vezes, no ambiente escolar, as concepções prévias dos alunos são suprimidas pelo conteúdo e pelas imagens do livro didático, ou seja, este acaba sendo considerado pelos alunos uma autoridade inquestionável, interferindo diretamente em suas respostas, mesmo que erroneamente (SCHNETZLER, 1992; SCHWARZ et al., 2007). Portanto, atividades lúdicas que despertem a criatividade e expressem o imaginário infantil são imprescindíveis para um ensino dinâmico e significativo para o aluno. O ato de desenhar configura-se como uma atividade importante e que deve ser explorada não somente como atividade recreativa, mas também como uma potencial ferramenta de investigação das concepções prévias, impressões e informações adquiridas pelos alunos através de outros meios além da escola. Referências AUSUBEL, D. P. A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes, BARRAZA, L. Children s drawing about the environment. Environmental EducationResearch, Bath, v. 5, n. 1, p , GOLDBERG, L. G.; YUNES, M. A. M.; FREITAS, J. V. O desenho infantil na ótica daecologia do desenvolvimento humano. PsicologiaemEstudo, Maringá, v. 10, n. 1,p , KOPPITZ, E.M. Psychological Evaluation of Children's Human Figure Drawings. New York: Grune&Stratton, LOPES, E. M.; SALOMÃO, S.R. O trabalho com a literatura no ensino de ciências nas séries iniciais: aprendendo com o diário de uma minhoca. Sede de Ler - Proale, Niterói - RJ, p , 01 nov
8 MOSCOVICI, S. Social representations: explorations in social psychology. New York:New York University Press, RENNIE, L. J.; JARVIS, T. Children s choice of drawings to communicate their ideasabout technology. Research in Science Education, Amsterdam, v. 25, n. 3, p ,1995. SCHWARZ, M. L.; SEVGNANI, L.; ANDRÉ, P. Representações da Mata Atlântica e de sua biodiversidade por meio dos desenhos infantis. Ciência & Educação, v. 13, n. 3, p , SCHNETZLER, R. P.Construção do Conhecimento e Ensino de Ciências. Em Aberto, Brasília, ano 11, nº 55, jul./set SILVA, P. G. P.; CAVASSAN, O. Avaliação das aulas práticas de botânica em ecossistemas naturais considerando-se os desenhos dos alunos e os aspectos morfológicos e cognitivos envolvidos. Mimesis, Bauru, v. 27, n. 2, p , SPADONI, S. Il senso dellospazio e Ia sua rappresentazionegraficaneldisegnoinfantile.infanzia. 9/10, maio-junho, pp. 9-18, WILDLOCHER, D. Interpretação dos desenhos. São Paulo: Editora Vozes,
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