ACÓRDÃO. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores VITO GUGLIELMI (Presidente), PERCIVAL NOGUEIRA E PAULO ALCIDES.

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de Guarulhos, em que é apelante AHMAD ALI ROKEIN, é apelado ARMANDO HUGO ACEVEDO (JUSTIÇA GRATUITA). ACORDAM, em 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores VITO GUGLIELMI (Presidente), PERCIVAL NOGUEIRA E PAULO ALCIDES. São Paulo, 20 de fevereiro de Vito Guglielmi RELATOR Assinatura Eletrônica

2 VOTO Nº APELAÇÃO CÍVEL Nº RELATOR : DESEMBARGADOR VITO GUGLIELMI APELANTE : AHMAD ALI ROKEIN APELADO : ARMANDO HUGO ACEVEDO COMARCA : GUARULHOS 1ª VARA CÍVEL USUCAPIÃO. ESPECIAL. BEM IMÓVEL URBANO. ÁREA OCUPADA BEM SUPERIOR AO LIMITE DE 250 M² ESTABELECIDO PELA CF. INVIABILIDADE DA DECLARAÇÃO FRACIONADA DA AQUISIÇÃO DO DOMÍNIO. EXPEDIENTE QUE TRADUZ BURLA À FINALIDADE DA FIGURA CONSTITUCIONAL. HIPÓTESE, ADEMAIS, EM QUE COMPROVADA A DESTINAÇÃO PRINCIPAL DO BEM IMÓVEL À EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE COMERCIAL DE RESTAURANTE. PERÍCIA TÉCNICA QUE ANOTOU SE RESUMIR A PARTE RESIDENCIAL DO BEM A UM QUARTO E BANHEIRO. DESVIRTUAMENTO EVIDENTE DOS OBJETIVOS DA MODALIDADE DE AQUISIÇÃO. PRECEDENTES. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO RECONHECIDA. SUCUMBÊNCIA QUE SE ATRIBUI INTEGRALMENTE AO REQUERENTE. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO. 1. Trata-se de recurso de apelação, tempestivo e bem processado, interposto contra sentença que julgou procedente demanda de usucapião especial de imóvel urbano ajuizada por Armando Hugo Acevedo. O juízo (fls. 369/372), entendendo comprovado o exercício da posse ad usucapionem sobre a área descrita na inicial e, bem dos requisitos de residência e trabalho, julgou procedente o pedido declaratório. Apelação nº

3 Inconformado, apela o titular do domínio Ahmad Ali Rokein (fls. 375/389). Aduz reconhecido, na própria sentença, que o requerente exerce a posse sobre área superior aos duzentos e cinquenta metros quadrados estabelecidos pela lei, o que impede o reconhecimento da usucapião especial. Salienta que o próprio perito constatou que a área ocupada supera quatrocentos e trinta metros quadrados e que a pretensão encarta tentativa de fraude à figura aquisitiva constitucional. Conclui pela reforma do julgado atacado. Recebido (fls. 403) e processado o recurso de apelação, vieram aos autos as contrarrazões do requerente (fls. 409/412). É o relatório. 2. Preliminarmente, consigne-se que é caso de se dispensar, nos termos do Ato Normativo nº. 295/02 PGJ/CGMP/CPJ e da própria manifestação do ilustre Promotor de Justiça oficiante (fls. 95/96), a manifestação da Douta Procuradoria de Justiça, vez que se trata de demanda de usucapião de imóvel urbano havida entre partes maiores e capazes, sem qualquer reflexo de interesse público ou de incapazes a justificar a intervenção. No mérito, cuida-se de demanda de usucapião especial constitucional de imóvel urbano ajuizada por ocupante de parte de área maior, sob o fundamento da presença dos requisitos autorizadores da aquisição originária. Julgado procedente o pedido em relação à área descrita na inicial do feito, sobreveio, então, o presente recurso de apelação do proprietário tabular, o qual, com efeito, está mesmo a merecer integral acolhida. Como anotam N. NERY JÚNIOR e R. M. DE ANDRADE NERY (Código Civil Comentado, 9ª Ed., São Paulo, RT, 2012, p. 1129), a usucapião especial urbana tem como requisitos, além da posse ad usucapionem pelo período de cinco anos, o limite espacial da área (até 250 m²), o emprego para moradia própria ou familiar, a ausência de outras propriedades em nome dos beneficiários e, bem, a não utilização anterior do benefício. Pois bem. No caso dos autos, já o primeiro dos requisitos objetivos básicos não se encontra atendido. É que, como bem houve Apelação nº

4 por constatar o perito (fls. 542/261), a área efetivamente ocupada pelas construções erigidas pelo requerente soma 430,84 m², o que impede, pois, o reconhecimento da aquisição originária pela via excepcionalíssima da usucapião especial urbana, ainda que atendido o requisito temporal da posse. A decisão atacada, ao deferir o pedido declaratório nos termos da incorreta descrição da inicial que, em conduta que tangencia as raias da litigância de má-fé, indicava a área ocupada como fosse de 250 m² -, traduz efetivo desvirtuamento da finalidade e do alcance da figura constitucional; a posse deve, desde o início, se limitar à extensão máxima disposta em lei, não se admitindo a usucapião parcial pela modalidade de cunho social. É o que bem observa F. EDUARDO LOUREIRO (in A. C. PELUSO, Código Civil Comentado, 5ª Ed., Barueri, Manole, 2011, p. 1243), em sede doutrinária a respeito do tema, salientando que não pode o usucapiente manter posse de gleba maior, mas dela decotar a área de superfície de 250 m² apenas para obter usucapião especial. (...) Durante todo o quinquênio, deve a posse observar ao limite da área fixado no artigo em exame. Mesma opinião de J. C. DE MORAES SALLES (Usucapião de Bens Imóveis e Móveis, 7ª Ed., São Paulo, RT, 2010, p. 279) que anota não ser possível ao prescribente, que exercer posse sobre área urbana com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, pretender usucapir área igual ou menor que a de duzentos e cinquenta metros quadrados, situada dentro de área maior, fundando sua pretensão no art. 183 da Constituição. E a jurisprudência desta Corte não discrepa desse raciocínio, podendo-se citar, apenas a título de exemplo, as mais recentes decisões: TJSP, Ap. Cível nº , 1ª Câmara de Direito Privado, Rel. Cláudio Godoy, j ; TJSP, Ap. Cível nº , 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Maria Regina Dalla Déa Barone, j ; ou ainda, desta Sexta Câmara de Direito Privado: Apelação nº

5 Usucapião Urbana - Pleito ajuizado com fulcro no artigo 183 da Constituição Federal - Área do imóvel superior a 250 metros quadrados - Impossibilidade de reconhecimento da usucapião - Descabimento da pretensão de usucapir apenas a área referida no dispositivo constitucional, remanescendo a área que ultrapassa aquela metragem - Improcedência da ação - Recurso improvido. (TJSP, Ap. Cível nº , Santos, 6ª Câmara de Direito Privado, Rel. Sebastião Carlos Garcia, j ) Não bastasse e ainda que a falta do requisito objetivo da extensão área já fosse suficiente à improcedência do pedido é de se observar que o próprio uso principal do bem imóvel como restaurante fato evidenciado pelas próprias fotografias juntadas ao trabalho pericial (fls. 247/249) e pelos documentos de regularização do estabelecimento trazidos pelo próprio autor (fls. 64/76) igualmente impede a usucapião especial para moradia. Note-se que não se trata de comércio singelo anexo à residência hipótese que a jurisprudência já entendeu possível (cf., a respeito: RT 744/367), mas, ao contrário, de estabelecimento comercial com pequeno quarto e banheiro (fls. 249), o que refoge à finalidade habitacional da usucapião especial urbana. Aliás, o próprio perito (fls. 247) já havia anotado que a parte residencial se resume a um quarto com banheiro (sic). Destarte, em resumo, seja porque a área ocupada supera, em quase duzentos metros quadrados o limite estabelecido pela Constituição Federal, seja porque a finalidade da ocupação é majoritariamente comercial, a improcedência do pedido de usucapião especial se impõe, razão pela qual se dá integral provimento ao recurso de apelação do proprietário tabular do bem, afastando-se a sentença prolatada na origem. Apelação nº

6 Com o resultado, condena-se o requerente, ainda, ao pagamento das custas e demais despesas processuais, além de honorários advocatícios ao patrono do ora apelante que se fixa, atento aos critérios do 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil, em três mil reais, observada, de toda sorte, a suspensão temporária da cobrança em vista da gratuidade concedida, nos termos do disposto nos artigos 11 e 12 da Lei nº / Nestes termos, dá-se provimento ao recurso. Vito Guglielmi Relator Apelação nº