Linguagem não é só comunicação / Sírio Possenti. Caro Professor:

Transcrição

1 1 Caro Professor: Essas atividades pós-exibição são a quinta e a sexta, de um conjunto de 7 propostas, que têm por base o primeiro episódio do programa de áudio Quem ri seus males espanta. As atividades pós-exibição são compostas por textos que retomam os programas e encaminham sugestões de atividades a serem realizadas pelos alunos Recomendamos que elas sejam feitas após a audição em sala de aula desse episódio. No Portal do Professor você encontrará um jogo interativo correspondente a esse mesmo episódio e que trata dos mesmos temas das atividades.

2 2 Atividade Linguagem não é só comunicação! Episódio Programa Piadas Quem ri seus males espanta Paciente chega ao médico e se queixa: - Doutor, estou com dor aqui do lado direito da barriga e meus olhos estão amarelados! O médico pergunta: - O senhor bebe? - Obrigado! Eu aceito uma dosezinha! Na piada acima, é evidente que, quando o médico pergunta ao paciente se ele bebe, é porque está desconfiado que os sintomas por este relatados tenham alguma relação com o uso abusivo de álcool e quer ter certeza disso. O paciente, porém, não interpreta dessa forma. Para ele, a pergunta O senhor bebe? é entendida como um convite para tomar alguma coisa. Mas como isso é possível? Para entender isso, vamos refletir um pouco sobre a linguagem. Com quais finalidades você a utiliza no dia-a-dia? Talvez, a sua resposta seja algo como Ora, para me comunicar com as pessoas! Você está certo. Pelo menos em parte. É que, na verdade, a linguagem não serve apenas para a gente se comunicar. Ela serve também para contar uma piada, descrever um objeto, dar ordens e obedecer, rezar, agradecer, criticar, censurar, prometer, comentar, advertir, traduzir de uma língua para outra, saudar, comandar, xingar, elogiar, praguejar, expressar pesar, apostar, entre muitas outras coisas... E também serve para não comunicar! Lembra-se de que você aprendeu que a língua não é transparente? Que achar que a palavra pode significar apenas uma coisa é, na verdade, uma ilusão? Pois é... Os sentidos sempre podem ser outros. E não é isso o que acontece na piada do médico que pergunta ao homem se ele bebe? A pergunta O senhor bebe? foi entendida, pelo paciente da piada, como um convite para tomar alguma coisa: Eu aceito uma dosezinha!, ele respondeu. Com efeito, fazer essa

3 3 pergunta pode ser uma forma de oferecer bebida a uma pessoa. Mas se um médico indaga a um paciente se ele bebe, seria absurdo pensar que ele está fazendo um convite para que tomem alguma coisa juntos. Uma das técnicas das piadas, como você bem sabe, é justamente a exploração da ambiguidade, do mal-entendido, do equívoco. Antigamente, acreditava-se que, ao falarmos, produzíamos uma mensagem, que era, então, interpretada/decodificada por um ouvinte: o remetente (ou destinador/interlocutor) enviava uma mensagem e seu ouvinte (ou destinatário/interlocutário) a compreendia. Se assim fosse, por que, então, o paciente da piada não interpretou corretamente a mensagem Você bebe? enviada pelo médico? Quando falamos, na verdade, não estamos mandando uma mensagem para que alguém a decodifique. Pelo menos, não sempre. Além disso, linguagem não é um código, como são, por exemplo, os sinais de trânsito. Embora tanto a linguagem como os sinais de trânsito sejam formados por símbolos, no último caso, os símbolos têm um único significado. Pense em alguma placa de trânsito. Pode ser, por exemplo, um círculo branco, com a borda vermelha, e uma letra E desenhada no centro, em preto. Quem conhece esse sinal de trânsito sabe que ele se refere à permissão para estacionar. Não importa onde essa placa seja encontrada: o sentido será sempre esse. Já com a linguagem humana as coisas não funcionam bem assim: Você bebe? pode ser interpretado de diferentes maneiras: pergunta, convite, oferta... Na realidade, quando falamos, não produzimos mensagem, mas discurso. E que diferença isso faz?, você deve estar se perguntando. Faz toda diferença! Discurso é definido como efeitos de sentido entre locutores. Entre locutores, note bem. Numa conversa, os participantes são locutores: todos participam, interagem entre si. Não há, portanto, uma pessoa que fala (um destinador ou interlocutor) e alguém que só ouve (um destinatário ou interlocutário). Ambos participam ativamente. Além disso, há um interessante jogo de imagens. Repare enquanto você estiver conversando com alguém: você constrói uma imagem da pessoa (através do modo como ela se veste, da forma como se comporta, como fala, etc...); a pessoa também procura passar uma imagem dela (que não necessariamente corresponde à realidade e nem à impressão que você

4 pode ter tido); você passa uma imagem a respeito de si (que, também, pode não ser verdadeira, além de também poder ser interpretada de outro modo pela pessoa com quem você conversa). 4 E quanto ao fato de discurso ser efeitos de sentido?, você deve estar querendo entender. Como você sabe, a palavra não tem um sentido próprio (de novo, é aquela história de que os sentidos sempre podem ser outros!). O que há são efeitos de sentido. Por exemplo: a palavra liberdade não tem o mesmo significado, ou melhor, não produz o mesmo efeito de sentido para um presidiário e para uma jovem de quinze anos. Quando alguém que está há anos na cadeia fala que sonha com a liberdade, quer dizer que anseia por ter de volta seu direito de circular livremente por aí. Já quando uma moça de quinze anos reclama com seus pais que quer ter mais liberdade, está se referindo a sua vontade de ter um maior controle sobre a própria vida. Pense na pergunta do médico a partir desses critérios e você verá que seus sentidos possíveis são efeitos de seu emprego em circunstâncias específicas. Autores: Sírio Possenti (coordenador) Marcela Franco Fossey Gisele Maria Franchi Exercício 1 A foto ao lado circula pela Internet em diversos blogs e sites, na sessão de humor. Com certeza, o efeito de sentido produzido não era o esperado por quem mandou colocar o cartaz no portão da própria casa. Explique qual era o efeito pretendido e porque o cartaz ficou engraçado.

5 5 Exercício 2 Uma das piadas que você ouviu durante o programa, a saber, aquela do louco que pergunta se o outro sabe as horas, brinca com o fato de que, muitas vezes, fazemos perguntas por meio de implícitos: perguntar se alguém sabe as horas é uma forma indireta de perguntar que horas são. Analogamente, a piada que você leu no texto Linguagem não é só comunicação!, sobre o médico que pergunta se o paciente bebe, de uma certa forma, também toca no fato de que fazemos perguntas, muitas vezes, que funcionam com base em implícitos (no caso em questão, o paciente entendeu que, ao perguntar Você bebe?, o médico estava querendo saber se ele aceitava uma bebida). Levando isso em conta, observe as seguintes situações: SITUAÇÃO I: Duas pessoas que se conheceram recentemente estão conversando, quando uma delas puxa um maço de cigarros do bolso e pergunta: Você fuma? SITUAÇÃO II: A mãe coloca um pouco de sorvete em uma taça para o filhinho. Insatisfeito, ele pergunta: Tem mais? a. Considerando o que você já sabe sobre a linguagem, para cada uma das situações acima, explique o implícito existente nas perguntas. b. Descreva uma outra situação, comum no seu dia-a-dia, em que haja uma pergunta que funcione com base em um implícito.