A partilha do universo simbólico e o uso das palavras
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- Bento Fonseca Fartaria
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1 FESPSP Fundação e Escola de Sociologia e Política de São Paulo Curso de Pós Graduação: Sociopsicologia A partilha do universo simbólico e o uso das palavras O público não gosta de inovação porque a teme. Representa para ele uma forma de Individualismo, uma afirmação por parte do artista de que ele mesmo escolhe o eu tema e o trata como lhe convém. A Arte é Individualismo e o Individualismo é uma força inquietante e desagregadora. Nisto reside seu grande valor, pois o que procura subverter é a monotonia do tipo, a escravidão do costumeiro, a tirania do habitual e a redução do homem ao nível da máquina. In: WILDE, Oscar. A Alma do Homem Sob o Socialismo. pp Editora L&PM Pocket, Em A produção social da identidade e da diferença, Tomaz Tadeu discute que no uso das palavras há sempre uma significação política, significação esta que nos permite identificar duas noções: aquilo que nos é familiar e aquilo que nos parece ser diferente. Sendo a fala um instrumento adverso à neutralidade, encontramos em sua performance a construção de lugares sociais por meio do jogo de forças. É apenas por meio do ato da fala que instituímos a identidade e a diferença como tais. A definição da identidade brasileira, por exemplo, é o resultado da criação de variados e complexos atos linguísticos que a definem como sendo diferente de outras identidades nacionais., diz Tomaz Tadeu. Acerca da identidade, compreende-se esta como resultante do processo de produção e compartilhamento simbólico, processo também caracterizado pela mobilidade, uma vez que a construção da identidade em outras palavras, do universo simbólico vem de encontro com a necessidade do homem em reconhecer e ser reconhecido no interior de sua comunidade. Neste percurso do reconhecimento social, o embate é fundamental. É esta força, esta disputa como diria Rancière, que de certa forma norteia toda a construção do universo simbólico, expresso e manifesto através do uso da palavra. Em Linguagem e Metáfora, Hanna Harendt dialoga com esta afirmação dizendo que verdade e falsidade, ser e não-ser, estão em jogo. (...) Assim, implícita no ímpeto da fala, está a busca do significado, e não necessariamente a busca da verdade..
2 Signo, significado e significante O exercício linguístico/semiótico, do qual Saussure propôs como método para a compreensão da linguagem, pode muito bem adequar-se à finalidade de desvendar conteúdos latentes em determinados lugares e contextos sociais. As atividades mentais, invisíveis e ocupadas com o invisível, tornam-se manifestas somente através das palavras., reflete Harendt. A esta manifestação conferimos o poder de representatividade, movimento de tornar visível e exterior a partilha do universo simbólico social. O estabelecer de si e do outro revela o movimento dialógico entre sujeitos. Seja pela negação, como defende Tomaz Tadeu, ou pela naturalização de determinados hábitos e comportamentos, este conteúdo invisível, como nomeia Harendt, tem seu processo de construção no momento em que este é manifestado pela palavra. Ou seja, o jogo social somente estabelece-se no instante que a disputa se faz existir pela palavra. O ímpeto da fala, de tornar manifesto o conteúdo da esfera das ideias, é o que de fato impulsiona e oportuniza o embate, a discussão e a construção de um diálogo social: A identidade, tal como a diferença, é uma relação social. Isso significa que sua definição discursiva e linguística está sujeita a vetores de força, a relações de poder. Elas não são simplesmente definidas; elas são impostas. Elas não convivem harmoniosamente, lado a lado, em um campo sem hierarquias; elas são disputadas., diz Tomaz Tadeu. Unidade portadora de sentido, a esfera das ideias, quando manifesta, faz-se parte ativa na caracterização de grupos sociais. Através da observação deste processo reconhecemos e identificamos as formas do que Kant denominou de essências das coisas. Complementando isto temos que O puro nomear das coisas, a criação das palavras, é a maneira humana de apropriação, e, por assim dizer, de desalienaçao do mundo no qual, afinal, cada um de nós nasce, como um recém-chegado, como um estranho., segundo Harendt. Participação
3 Mas de que forma a partilha do universo simbólico ocorre? De que forma a validação deste universo se dá? Pressupomos no início desta reflexão que a fala, instrumento adverso à neutralidade, tem em sua performance a construção de lugares sociais por meio do jogo de forças. Remetemos então a fala, a palavra e todo o processo discursivo a tradutores de uma realidade contextual, de uma situação social baseada pelo embate de forças ou, como Tomaz Tadeu nomeia, sistemas de poder. A participação neste embate relaciona-se à habilidade discursiva, à habilidade da retórica social, técnicas do uso da palavra compartilhadas e interiorizadas por um numero muito particular de atores sociais que excluem, no campo da disputa social, grande parcela da população: É também por meio da representação que a identidade e diferença se ligam a sistemas de poder. Quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar a identidade., diz Tomaz Tadeu. E quem protagoniza esse sistema de poder? Ora, coloquemos esta discursão dentro do campo da comunicação: se toda e qualquer reprodução humana baseia-se na legitimação e reconhecimento cultural e social dos sujeitos protagonistas dessa dialética da construção do universo simbólico, temos que a interação mediada ainda se constrói pelo que se chama de vozes, ou, mais especificamente, aquilo que dentro do ambiente social está em pauta. Tendo em vista a afirmação de Tomaz Tadeu ( Quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar a identidade ) poderíamos compreender que o movimento de tornar visível é colocado no ambiente da disputa por meios midiáticos? Em caso afirmativo, estaríamos aqui denunciando mecanismos midiáticos que, no exercícios de suas, digamos, virtudes reguladoras, pragmatizariam o social à determinados padrões de expressão, comportamento e moralidade. Como é de senso comum, a comunicação massificadora funda seus princípios nos mais arcaicos exercícios de ordem. Essa ordem marca, fere, define as regras e normas usuais dos profissionais em Comunicação (daí talvez a explicação para o medo profissionalizante que obriga a produção de conteúdos sem sentido). Aparentemente a crise do Quarto Poder não foi suficiente para se repensar novas formas e canais de informação, assim como
4 desnortear o Jornalismo para algo totalmente desvinculado da Comunicação não bastou para que a fermentação multimídia colocasse em cheque a tradicionalidade dos jornais impressos. Dessa forma, a estrutura do poder reinante que institui toscas formas simbólicas de interação e familiarização civil se apoia nessa tradicionalidade midiática, aliás, ela faz uso dessa ferramenta que despersonaliza pela força do dinheiro (ou da selva capitalista, para usar um antigo chavão). A parte dessas reflexões acerca da atualidade dos sistemas de comunicação, transferir a qualquer sujeito a possibilidade de se trabalhar com a palavra seria uma alternativa muito interessante se aqui também fosse considerada a possibilidade de uma participação coletiva na construção do universo simbólico. Sua partilha seria consciente de suas tendências e moralidades. Seus conteúdos não seriam tão velados a ponto de serem compreendidos como totalmente naturais e espontâneos. Tomaz Tadeu, coloca que A repetição pode ser interrompida. A repetição pode ser questionada e contestada. É nessa interrupção que residem as possibilidades de instauração de identidades que não representem simplesmente a reprodução das relações de poder existentes. É nessa possibilidade de interromper o processo de recorte e colagem, de efetuar uma parada no processo de citacionalidade que caracteriza os atos performativos que reforçam as diferenças instauradas, que torna possível pensar na produção de novas e renovadas identidades.. Dessa forma consideramos que a interrupção poderia se dar através do repensar do sistema educacional e pela reconstrução do sistema midiático, movimentos que permitiriam a apropriação universal do conhecimento. Em outras palavras, garantiria o acesso de todas as camadas sociais neste processo do embate social. A polis, o lugar político e o espaço social seriam verdadeiramente compartilhados por uma massa consciente de suas escolhas e de sua identidade. Bibliografia ARENDT, Hanna. A vida do Espírito In: Linguagem e Metáfora. Rio de Janeiro: Relume Domará, 2000:
5 Silva, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu (org. e trad.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000
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