NOVA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO APÓS A EC 45/2004 CARLOS HENRIQUE BEZERRA LEITE

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1 NOVA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO APÓS A EC 45/2004 CARLOS HENRIQUE BEZERRA LEITE Mestre e Doutor em Direito. Desembargador Federal do Trabalho Professor de DPT e Direitos Humanos Sociais Metaindividuais da FDV Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho

2 Competência e Jurisdição Todo juiz competente possui jurisdição, mas nem todo juiz que possui jurisdição possui competência Há inúmeros critérios para determinar a competência, levando-se em conta a matéria, a qualidade das partes, a função ou hierarquia do órgão julgador e o lugar. Esses critérios são trasladados para os domínios do direito processual do trabalho, desde que observadas as peculiaridades desse setor especializado da árvore jurídica.

3 Competência da JT antes da EC45 Art Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho. 3º Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.

4 Art Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: O art. 114 prevê as seguintes competências da JT: a) Competência Material Original b) Competência em Razão da Pessoa c) Competência Material Executória d) Competência Normativa

5 Compete à JT processar e julgar: I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios A JT continua obrigada a conciliar? Como fica o princípio da conciliação do DPT? Trata-se de competencia material ou em razão da pessoa? Qual o conceito de relação de trabalho? O problema da relação de consumo

6 Competência em Razão da Matéria A determinação da competência material da Justiça do Trabalho é fixada em decorrência da causa de pedir e do pedido. Se o autor da demanda aduz que a relação material é a regida pela legislação trabalhista e formula pedidos de natureza trabalhista, só há um órgão do Poder Judiciário pátrio que tem competência para processar e julgar tal demanda: a Justiça do Trabalho.

7 Competência Material Original A competência material original nada mais é do que a atribuição da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar as lides oriundas da relação de emprego Presente a relação de emprego, os conflitos dela emergentes serão dirimidos pela Justiça do Trabalho. A EC n. 45/2004 em nada alterou este entendimento; pelo contrário, reforçou-o.

8 Relação de Emprego X Relação de Trabalho A leitura atenta do art. 7º, I, XXIX, XXXIV e parágrafo único, da CF, autoriza dizer que o nosso ordenamento jurídico optou por fazer distinção entre relação de emprego e relação de trabalho, pelo menos para fins de incidência do direito material do trabalho. Para fins de incidência do direito processual do trabalho, o art. 114, I, da CF, com nova redação dada pela EC n. 45/2004, alargou a competência da Justiça do Trabalho para processar as ações oriundas tanto da relação de emprego quanto da relação de trabalho. A relação de trabalho é gênero que tem na relação de emprego uma de suas espécies.

9 Conceito de Relação de Trabalho Relação de trabalho é aquela que diz respeito se, a toda e qualquer atividade humana em que haja prestação de trabalho, como a relação de trabalho: autônomo, eventual, de empreitada, avulso, cooperado, doméstico, de representação comercial, temporário, sob a forma de estágio etc. Há relação de trabalho pela presença de três elementos: o prestador do serviço, o trabalho (subordinado ou não) e o tomador do serviço.

10 Conceito de Relação de Emprego A relação de emprego é aquela que surge de um contrato de trabalho, que é um negócio jurídico estabelecido entre empregado e empregador. Suas características básicas são: a subordinação jurídica do trabalhador ao poder de comando do empregador, a nãoeventualidade na prestação do serviço, a remuneração pelos serviços prestados e a pessoalidade do trabalhador sempre pessoa física na prestação do serviço (CLT, arts. 2º e 3º).

11 Relação de Consumo Quando o trabalhador autônomo se apresentar como fornecedor de serviços e, como tal, pretender receber honorários do seu cliente, a competência para a demanda será da Justiça Comum, e não da Justiça do Trabalho, pois a matéria diz respeito à relação de consumo, e não à de trabalho. Do mesmo modo, se o tomador do serviço se apresentar como consumidor e pretender devolução do valor pago pelo serviço prestado, a competência também será da Justiça Comum. Logo, não são da competência da JT as ações oriundas da relação de consumo.

12 Servidor Público A relação de trabalho (gênero) no âmbito da administração pública pode ter, a nosso ver, duas espécies: a relação estatutária e a relação empregatícia. Presidente do STF concedeu liminar na ADI n , proposta pela AJUFE, suspendendo, ad referendum, toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC n. 45/2004, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a... apreciação... de causas que... sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. Servidor temporário (CF, 37, IX) depende da causa de pedir e do pedido, mesmo se houver lei dispondo que o regime é de natureza administrativa.

13 Compete à JT processar e julgar: II as ações que envolvam exercício do direito de greve Greve decorrente apenas da relação de emprego ou também da relação de trabalho? Greve apenas do empregado ou dos demais trabalhadores? Quem julga os interditos proibitórios? De quem é a competência funcional?

14 Compete à JT processar e julgar: III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores a) as ações que tenham por objeto a disputa sobre representação sindical; b) as ações entre sindicatos; c) as ações entre sindicatos e trabalhadores; d) as ações entre sindicatos e empregadores Contribuições sindical, confederativa, assistencial, mensalidade dos sócios Tais ações não são oriundas de relação de trabalho, muito menos de relação de emprego, mas o constituinte derivado assim o quis. Não se trata, aqui, de competência ratione materiae, mas de competência ratione personae.

15 Compete à JT processar e julgar: IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição MS - Matéria (ato) administrativa Competência funcional das Varas, dos TRTs e TST (CLT 678 I b 3 d 1 e LOMAN, 21); Penalidades administrativas (CF 114 VII) HC - Matéria (ato) jurisdicional: depositário infiel Competência funcional originária dos TRTs Competência funcional originária e recursal do TST

16 Compete à JT processar e julgar: V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o, da CF Os conflitos de competência entre o STJ e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal são da competência do STF Conflito negativo entre Tribunal e Vara de idêntica região (SDI2 OJ 115) Juízes vinculados a tribunais diversos a competência continua do STJ (CF 105 I d) Juízes e Tribunais do Trabalho diversos (STJ súmula 236)

17 Compete à JT processar e julgar: VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho Passaram à competência da JT as ações que contenham pedidos de indenização por dano moral e patrimonial decorrentes da relação de emprego. Pela interpretação sistemática dos inciso I, VI e IX do art. 114 da CF, foram transferidas para a JT as ações de indenização por dano moral ou patrimonial propostas por outros trabalhadores em face dos respectivos tomadores de serviço, desde que não haja lei dispondo expressamente ser da Justiça Comum a competência para processá-las e julgá-las. A questão do acidente do trabalho STF CC

18 Compete à JT processar e julgar: VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho. Dois critérios: a) em razão da matéria penalidades administrativas, abarcando os crimes, os embargos, as interdições e as multas administrativas ; e b) em razão das pessoas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho. Tais penalidades podem ter natureza penal ou administrativa/fiscal e podem implicar a imposição de multa, a interdição de estabelecimento, setor, maquinário ou da própria empresa, o embargo de obra etc. (CLT, art. 161), passaram a ser da competência da Justiça do Trabalho, por força do inciso IX do art. 114 da CF.

19 Competência Material Executória São duas espécies previstas na Carta: Para Executar contribuições previdenciárias VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir. Para a execução fiscal (espécie de ação) das multas da DRT Supressão da expresão para executar as suas próprias sentenças

20 A cobrança de multas da DRT Inspiração na EC 20/ cobrança (execução ex officio) de contribuições previdenciárias das sentenças que proferir, acabou sensibilizando o constituinte derivado. A diferença básica - a cobrança das multas administrativas só poderá ser implementada por meio de processo de execução fiscal, cujo procedimento é regulado pela Lei n /1980, enquanto a cobrança das contribuições previdenciárias é feita por processo de execução trabalhista, cujo procedimento está previsto na CLT, o qual permite até mesmo a execução de ofício. Tal ilação é extraída da dicção do inciso VII do art. 114 da CF que, diferentemente do inciso VIII, do mesmo artigo, não faz referência à expressão das sentenças que proferir. a Procuradoria da Fazenda Nacional deverá propor a ação de execução fiscal para cobrança das multas administrativas perante a JT, e não mais perante a Justiça Federal Comum

21 Competência Material Derivada A competência material derivada estava prevista na redação original do caput do art. 114 da CF O inciso IX do art. 114 da CF (EC 45), a manteve, dispondo que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

22 Outras Relações de Trabalho Laborou mal o constituinte derivado ao empregar, em suspeitável contradição, o termo relação de trabalho em dois incisos do mesmo artigo. Se adotarmos a interpretação sistemática e restritiva de ambos os incisos, forçoso é admitir que o legislador reformador disse mais do que desejava, na medida em que a expressão relação de trabalho, contida no inciso I, seria simplesmente empregada em lugar do termo relação de emprego que, por sinal, não existia na redação original do art. 114, caput, da CF, embora sempre tenha constado do inciso I do art. 7º da mesma Carta. Aliás, o próprio inciso XXIX do art. 7º utiliza o termo relação de trabalho como sinônimo de relação de emprego ou contrato de trabalho o que enaltece a tese de que todo o esforço dos defensores principalmente as instituições de classe, como a ANAMATRA do alargamento da competência da Justiça do Trabalho teria caído por terra.

23 Interpretando os incisos I e IX Dois são os requisitos para a competência material derivada: a) existência de uma lide decorrente de relação de trabalho; b) existência de lei prevendo expressamente que a competência para apreciar esta lide é da JT. No primeiro caso, havendo relação de trabalho, a competência para processar e julgar a demanda correspondente é, em linha de princípio, da Justiça do Trabalho. Já no segundo, parece-nos que a única interpretação razoável é a de que, se houver lei dispondo expressamente que a competência é da Justiça Comum, então somente outra lei, posterior, poderá atribuí-la à Justiça do Trabalho.

24 Competência Normativa 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. Trata-se de arbitragem oficial ou Poder Normativo? Que é comum acordo? É requisito nos dissídios coletivos de natureza jurídica? As cláusulas convencionadas anteriormente incorporamse aos contratos individuais de trabalho?

25 Compete ainda à JT: 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito. O DC de Greve é exclusivo do MPT? Que é interesse público? Se o MPT não ajuizar o DC se entender que ele está ausente? E nas greves em atividades não-essenciais, o MPT tem legitimidade para o DC de Greve? Para apreciar as reivindicações é preciso o mútuo consenso das partes?

26 Competência em Razão da Pessoa Quem são as partes que podem demandar na Justiça do Trabalho? Empregados urbano e rural Trabalhadores sujeitos de relação de trabalho, desde que ausente lei fixando a competência da Justiça Comum Servidores de Cartórios Extrajudiciais (CF, 236) Servidores públicos celetistas (ADIn 3395) Sindicatos (CF, 114, inciso III) Entes de direito público externo (inciso I) Órgãos da Administração Pública Direta, Autárquica ou Fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (inciso I), desde que empregadores União, quando ajuizar ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho (inciso VII).

27 Conclusões A ampliação da competência da JT certamente ainda será objeto de grandes debates doutrinários. Dos atores jurídicos em geral, juízes, advogados, membros do Ministério Público esperam-se coragem, capacitação, dedicação e serenidade para que as novas normas constitucionais possam, na prática, ampliar acesso do cidadão trabalhador a uma ordem política, jurídica, política, social e economicamente justa.

28 Conclusões É imperativo que a ampliação da competência não signifique simples aumento de poder. Ao revés, tal ampliação deve vir acompanhada de aumento da disposição dos atores jurídicos na capacitação e formação de uma sólida cultura em prol dos direitos humanos trabalhistas, verdadeira razão da existência de uma Justiça Social Especializada. Assim, entre um processo versando direitos fundamentais sociais dos trabalhadores e outro dispondo sobre contribuições e cobranças de multas da DRT o juiz deverá dar preferência de tramitação àquele e não a este.