OFICINA TERAPÊUTICA COMO BUSCA DE AUTONOMIA E CIDADANIA DO SUJEITO COM TRANSTORNO MENTAL. Aline Aparecida Moraes 1 ; Meire Luci da Silva 2
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- Giulia Escobar Pedroso
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1 OFICINA TERAPÊUTICA COMO BUSCA DE AUTONOMIA E CIDADANIA DO SUJEITO COM TRANSTORNO MENTAL Aline Aparecida Moraes 1 ; Meire Luci da Silva 2 1 Terapeuta Ocupacional. Residente no Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Mental da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA). 2 Professora Assistente Doutora do Departamento de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Tutora da Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Mental da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA). Com a reforma psiquiátrica, marcada pela construção de novas e diferentes práticas de cuidado e também de uma postura ética em relação aos sujeitos com transtornos mentais, a loucura passa ser questionada, olhada e entendida como doença, onde o sujeito necessita de novas formas de cuidado, locais e profissionais capacitados que o auxiliem no processo de resgate e emancipação de sua cidadania, qualidade de vida, onde este seja capaz de realizar trocas sociais e afetivas em todo território que habita, afim de (re) construir e (re) criar novas formas de inserção e convivência na sociedade (RIBEIRO E BEZERRA, 2016); (RIBEIRO, 2005 apud RIBEIRO E MACHADO, 2008). A reabilitação psicossocial é definida por Pitta (2016) como um processo que se utiliza de inúmeras iniciativas onde objetiva-se minimizar o poder da cronificação e desestabilização dos tratamentos e, estas ações devem ocorrer intrahospitalar e extra-hospitalar através de diversas técnicas, como psicoedução, grupos operativos, orientações, planos terapêuticos, etc. A reabilitação psicossocial deve proporcionar ao sujeito uma restauração de sua subjetividade inicialmente com o serviço, e em seguida explorar sua relação com o território que habita, estimulando-o a realizar contratos, trocas sociais e uma elevação de papéis e condição, de doente mental para cidadão (SARACENO, 2001). O ideal das práticas de reabilitação psicossocial é que estas sejam elaboradas e desenvolvidas no e para o contexto sociofamiliar, econômico, cultural e laboral do sujeito em sofrimento (BABINSK E HIRDES, 2004). São práticas que propõe um novo olhar para esses sujeitos, e que solicita de todos os atores envolvidos o desenvolvimento de um programa de intervenções ampliadas junto aos sujeitos com transtornos mentais. Não se discute sobre protocolos e técnicas específicas e rígidas, mas sim de movimentos e estratégias maleáveis, que visam oferecer o cuidado tão necessário e de direito para pessoas vulneráveis e frágeis (PITTA, 2016). Para Saraceno (2001) o processo de reabilitação psicossocial deve contemplar elementos como: cidadania, contratualidade, redes sociais, e produção de
2 autonomia. Segundo o mesmo autor, a reabilitação psicossocial deve proporcionar ao sujeito uma restauração de sua subjetividade inicialmente com o serviço, e em seguida explorar sua relação com o território que habita, estimulando-o a realizar contratos, trocas sociais e uma elevação de papéis e condição, de doente mental para cidadão. Dessa forma, é criada a oficina terapêutica, um dos dispositivos que compõem a RAPS Rede de Atenção Psicossocial. De acordo com a portaria 189 de 19/11/1991 a oficina terapêutica é composta por atividades grupais, de no mínimo 5 e no máximo 15 pessoas, de socialização, expressão e inserção social, executadas por profissional de nível médio (Oficinas Terapêuticas I) ou nível superior (Oficinas Terapêuticas II), através de atividades como teatro, cerâmica, artesanato, artes plásticas, requerendo material de consumo específico de acordo com a natureza da oficina. A partir das considerações acima, acredita-se que as oficinas terapêuticas, juntamente com profissionais comprometidos com a nova proposta da reabilitação psicossocial devem possibilitar um novo olhar para o sujeito com transtorno mental, favorecendo sua cidadania e autonomia, e contribuindo para que haja uma inserção social efetiva e afetiva. Dessa forma, objetivou-se relatar a experiência do trabalho terapêutico ocupacional realizado em uma oficina terapêutica de um ambulatório de Saúde Mental com sujeitos com transtorno mental. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa e caráter participante, as percepções e reflexões da pesquisadora foram consideradas relevantes e comparadas às dos participantes, porém para este resumo optou-se pelo relato de experiência, onde é possível descrever vivências, considerações e impressões de maneira a contribuir de forma significativa e relevante. Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista sob parecer de número Os voluntários que concordaram em participar da pesquisa, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Termo de Assentimento, no caso de serem menores de 18 anos. Participaram deste estudo, sujeitos diagnosticados com transtornos mentais variados, em tratamento ambulatorial. Como critérios de inclusão destaca-se que os sujeitos deveriam querer participar do estudo, estarem realizando acompanhamento com médico psiquiatra, terem passado pela triagem na Oficina Terapêutica com a terapia ocupacional ou em atendimento individual com a terapia ocupacional no ambulatório de saúde mental, serem maiores de 16 anos de idade e ser morador de algum dos 62 municípios integrantes do DRS IX - Departamento Regional de Saúde de Marília. Como critérios de exclusão ressalta-se a não aceitação de participação na pesquisa pelos sujeitos. Os grupos de culinária - Trufas foram desenvolvidos em uma cozinha de uma oficina terapêutica de um hospital geral de um município do centro oeste paulista. Esta Oficina Terapêutica é composta por 2 profissionais
3 de ensino superior (Terapeutas Ocupacionais), 1 profissional de ensino médio (Auxiliar de Cozinha) e 1 Residente Multiprofissional em Saúde Mental (Terapeuta Ocupacional). Os atendimentos realizados são ofertados pelo SUS Sistema Único de Saúde e convênios médicos e hospitalares. Como práticas desenvolvidas, foram realizadas 22 oficinas por um período de 3 meses, duas vezes na semana, com duração de 2 horas e 30 minutos, conduzido por uma residente multiprofissional de saúde mental, terapeuta ocupacional. Como recurso terapêutico do grupo foi utilizado a atividade de culinária, mais especificamente, confecção de trufas, onde trabalhou-se com a geração de renda, distribuindo mensalmente a comissão de 30% para os participantes de tudo o que foi produzido e 70% destinado para o seguimento do grupo, com a compra de mais ingredientes quando necessário. Foram realizados contatos pessoais e via telefone com familiares dos sujeitos quando necessário, a fim de dar recados e investigar faltas consecutivas do sujeito, possibilitar a discussão sobre situações no âmbito familiar e social, oferecer acolhimento, escuta qualificada e criar vínculo com a família. Como práticas desenvolvidas destaca-se, inicialmente, a estruturação do grupo com os participantes, onde foram criadas regras e o contrato terapêutico. Neste momento, os participantes puderam opinar, indagar e sugerir alterações e novas possibilidades, bem como planejar as atividades e delimitar papéis. Todas as oficinas contaram com um momento inicial de acolhimento, seguido do desenvolvimento da atividade e finalizadas com uma discussão sobre aspectos importantes que nortearam e apareceram durante o desenvolvimento da atividade, contribuições e o compartilhamento de impressões e questões pessoais de cada sujeito. A elaboração, desenvolvimento e registro das oficinas foram realizados através de evoluções nos prontuários dos sujeitos no sistema do Hospital do complexo da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA) e em relatórios obrigatórios nas tutorias de núcleo da Residência Multiprofissional em Saúde Mental, bem como todas as práticas gravadas em áudio e transcritas integralmente, além de serem tutoriadas pela docente responsável pela Tutoria de Núcleo da Residência Integrada Multiprofissional em Saúde mental da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA). Os registros das transcrições das oficinas foram analisados e interpretados com base no método de análise temática de conteúdo de Bardin (1977). Participaram das oficinas aproximadamente 7 sujeitos com transtorno mental, de ambos os sexos, com idade superior a 16 anos e, que concomitantemente faziam acompanhamento médico no ambulatório de saúde mental e/ou em outros serviços. Os resultados apontam que a atividade de culinária em conjunto com a geração de renda promoveu o resgate e/ ou aquisição de habilidades, estimularam habilidades manuais, autonomia e independência dos participantes, socialização, além de favorecer e estimular o
4 empoderamento do sujeito como sujeito produtivo. Os participantes foram incentivados quanto ao cumprimento de compromissos, assiduidade, pontualidade e responsabilidade para com seu tratamento e ações no grupo. Destaca-se que a importância do ambiente acolhedor e de escuta qualificada proporcionado pela terapeuta ocupacional, o que possibilitou o compartilhamento pelos participantes de sentimentos e episódios do dia-a-dia, bem como tomada de decisões intra e extra grupo. Quando necessário houve mediação de algumas situações e das relações no decorrer do grupo. De acordo com o desenvolvimento da atividade, foi oferecido pela terapeuta ocupacional, novas situações e novas formas de fazer e criar, além do estímulo a realização das Atividades da Vida Diária (AVD s) no ambiente extra-hospitalar do sujeito. Após a realização de alguns grupos, foi possível observar que algumas dificuldades, como: o manuseio dos materiais e dos ingredientes; a organização e assimilação do processo de trabalho e dos ingredientes que seriam utilizados; a lembrança do que seria necessário para a execução da atividade; a interação grupal e com a terapeuta; a dependência da terapeuta para posicionar-se ou realizar alguma ação; a tomada de decisões em conjunto; a autonomia e o fazer coletivo já não existiam mais. A interação grupal, a tomada de decisões, a autonomia, independência e a organização do processo de trabalho (atividade) já estavam presentes e executadas de forma natural pelos participantes. Através dos espaços de discussão final foram trabalhados dificuldades e assuntos que surgiram no decorrer do desenvolvimento do grupo, bem como os papéis que desempenharam neste, auxiliando os sujeitos em situações que os mobilizam e requerem maior cuidado e atenção. Nestes espaços todos os participantes eram incentivados a discutir, em muitos momentos mediaram discussões que surgiam, buscando estratégias para a solução de problemas ou dificuldades trazidas pelo outro participante e compartilhando fatos de suas vidas. A oficina terapêutica constituiu-se de um espaço de construção e trocas afetivas e sociais, bem como compartilhamento de saberes e experiências. Este espaço promoveu e estimulou práticas de (re) inserção social, bem como de cidadania, onde o sujeito apoderou-se de seu tempo, direitos e deveres, além do direito de ir e vir, adquirindo assim e, gradativamente a autonomia que, muitas vezes é retirada com o aparecimento e agravamento da sintomatologia oriunda dos transtornos mentais. Pode-se concluir que a oficina terapêutica fornece ao sujeito com transtorno mental autonomia e cidadania, possibilitando o resgate de sua função e participação no ambiente social, familiar e grupal, o olhar para as habilidades que possui e que pode alcançar, a oferta e estímulo de empoderamento e de novas relações interpessoais, e o olhar do profissional, que considera o sujeito de forma integral e biopsicossocial, indo de encontro com a nova proposta que é a reabilitação psicossocial. Como proposta futura,
5 ressalta-se a possibilidade de visita a uma fábrica de chocolate e outros grupos no supermercado, objetivando o acesso desses sujeitos a outros ambientes que não sejam hospitalares e a novas formas de fazer, que constituem o território que habitam e vai de encontro com as atividades que são realizadas no grupo de Trufas da Oficina Terapêutica; e também, um grupo com a participação dos familiares e apenas com os familiares, buscando promover a inserção e aproximação destes no tratamento e concomitantemente, ofertar espaços de escuta e acolhimento, que possibilitará discussões acerca das dificuldades e o olhar para o sujeito dentro do seu ambiente domiciliar, segundo o compartilhamento dos familiares envolvidos. Como fatores limitantes a este trabalho destaca-se a escassez de recursos financeiros para mais investimento em materiais e a desarticulação da rede, que impossibilita posteriores encaminhamentos dos sujeitos atendidos. REFERÊNCIAS: BABINSK, T., HIRDES, A. Reabilitação psicossocial: a perspectiva de profissionais de centros de atenção psicossocial do Rio Grande do Sul. Texto & Contexto-Enfermagem, v. 13, n. 4, , BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria Nacional de Assistência à Saúde. Portaria 189 de 19 de Novembro de PITTA, A. Reabilitação psicossocial no Brasil. 4ª edição São Paulo: Hucitec, RIBEIRO, M. C. A reabilitação psicossocial num CAPS: concepção dos profissionais. São Paulo. Dissertação (mestrado) - Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, RIBEIRO, M. C., BEZERRA, W. C. A reabilitação psicossocial como estratégia de cuidado: percepções e práticas desenvolvidas por trabalhadores de um serviço de saúde mental. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, v. 26, n. 3, p , SARACENO, B. Reabilitação Psicossocial: uma estratégia para a passagem do milênio. In: PITTA, A.M. F. Reabilitação Psicossocial no Brasil. 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 2001.
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