Daniela Maria Pias de. Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência

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1 Universidade de Aveiro Secção Autonoma de Ciências da Saúde 27 Daniela Maria Pias de Figueiredo Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência

2 Universidade de Aveiro Seccão Autónoma de Ciências da Saude 27 Daniela Maria Pias de Figueiredo Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Abordagem multidimensional das (dis)semelhanças Tese apresentada a Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários a obtenção do graude Doutor em Ciências da Saúde, realizada sob a orientação científica da Doutora Liliana Xavier Marques de Sousa, Professora Auxiliar com Agregação da Secção Autónoma Ciências da Saúde da Universidade de Aveiro, e sob a co-orientação científica da Doutora Margarida Pedroso de Lima, Professora Associada da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra

3 A minha família

4 o júri oresidente Professor Doutor Dinis Gomes de Magalhães dos Santos professor catedrático da Universidade de Aveiro Professora Doutora Maria Constança Leite Paul dos Reis Torgal professora catedrática do instituto de Ciências Biomédicas Abel Saiazar da Universidade do Porto Professora DoJ~o~~ Madalena Mo~t nno Alarcão e Silva professora associaaa aa Fac.. oade oe Ps cuoq,a e oe C ericas ad Eo~cacá oa Jn iers oaoe ae Coimbra Professora Doutora Margarida Maria Baptista Mendes Pedroso de Lima professora associada da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra Professora Doutora Liliana Xavier Marques de Sousa professora auxiliar com agregação da Universidade de Aveiro Professor Doutor Manuel Teixeira Veríssimo professor auxiliar da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra Professor Doutor José Ignácio Guinaldo Martin professor auxiliar da Universidade de Aveiro

5 agradecimentos Porque considero que a elaboração desta tese é um produto colectivo, as últimas palavras que escrevo destinam-se a todas as pessoas que, ao longo deste percurso, me acompanhal;am. A todos agradeço profundamente o esforço que dedicaram. A Professora Doutora Liliana Sousa, orientadora científica deste trabalho, agradeço o empenho colocado, a constante disponibilidade, a capacidade de motivar nos momentos de desânimo, a confiança depositada, a paciência permanente e os suportes, formais e informais, que disponibilizou. Agradeço ainda a análise rigorosa de cada capítulo, os esclarecimentos e as sugestões, as ideias partilhadas, os conselhos preciosos, os comentários sempre oportunos e que espero ter sabido aproveitar. Espero também conseguir encontrar melhor forma e momento para lhe demonstrar o quanto estou agradecida pela gratificante amizade que construímos. A Professora Doutora Margarida Pedroso de Lima, que co-orientou cientificamente este trabalho, agradeço as sugestões pertinentes, as revisões constantes, os comentários, a disponibilidade permanente, a confiança colocada e a amizade demonstrada. Considero-me uma privilegiada por ter a ambas como uma referência na minha formação profissional e pessoal. As Instituições que permitiram a identificação das pessoas entrevistadas, agradeço a facilitação e mediação dos contactos. Sem a sua colaboração e disponibilidade, a concretização deste trabalho teria sido muito mais complexa. Gostaria de expressar o meu mais profundo agradecimento a todos os familiares de pessoas idosas dependentes que aceitaram colaborar neste trabalho, pois sem eles nada disto teria sentido. A colega Zélia Teixeira, agradeço a valiosa ajuda e empenho que colocou na recolha dos dados. A colega e amiga Helena Galante, quero expressar a minha profunda gratidão pela atenção e orientação no tratamento estatístico dos dados, bem como o incentivo, paciência, carinho e amizade constantes. A colega e amiga Margarida Cerqueira, refúgio permanente das minhas ansiedades, agradeço a amizade, disponibilidade e paciência (muita!) sempre presentes. A Dra. Florbela Vitória, agradeço as orientações e sugestões pertinentes relativamente a metodologia da investigação científica. Aos pais do Zé, a minha gratidão por serem muito meus amigos e tudo fazerem para que me sinta feliz e acarinhada. A tia Dores, agradeço com um beijinho muito especial todos os mimos que sempre me proporcionou, tão importantes em momentos de maior stresse. Aos meus pais agradeço com um beijo eterno tudo o que me têm proporcionado ao longo da vida. Sei que me amam e me aceitam incondicionalmente, apesar de todos os meus defeitos. Sinto-me muito feliz e orgulhosa por tê-los comigo e sei que tudo o que fazem é porque desejam sempre o melhor para mim. Ao Zé, companheiro inseparável dos sucessos e dos fracassos, pelo apoio, cumplicidade e amor (absolutamente!) incondicional, as palavras de gratidão serão sempre poucas.

6 palavras-chave Cuidadores familiares, idosos, dependência, demência, sobrecarga, stresse, satisfações, coping, avaliação cognitiva. resumo A investigação acerca da prestação informal de cuidados tem privilegiado a análise dos impactos negativos (sobrecarga). Todavia, uma abordagem que exclui os aspectos positivos é incapaz de proporcionar uma explicação compreensiva da complexidade da prestação de cuidados a um familiar idoso dependente. Paralelamente, a maioria dos estudos sobre os impactos da tarefa de cuidar recai sobre os cuidadores de idosos com demência. Assim, torna-se fundamental comparar o impacto desta tarefa nos cuidadores familiares de idosos dependentes com e sem demência. Os modelos transaccionais de stresse permitem explorar a complexidade e dinâmica da prestação informal de cuidados. Este estudo tem como principal finalidade compreender a perspectiva de cuidadores familiares de idosos dependentes com e sem demência acerca das principais dinâmicas inerentes a prestação de cuidados, como se relacionam e quais os efeitos sobre o seu bem-estar. A amostra compreende 99 cuidadores familiares de idosos dependentes: 52 cuidam de um idoso com demência e 47 de um idoso sem demência. Foram administrados vários instrumentos para avaliar diferentes variáveis inerentes ao contexto da prestação familiar de cuidados: variáveis sócio-demográficas e contextuais do cuidador familiar e do idoso dependente, grau de dependência funcional do idoso, stressores primários objectivos e subjectivos, tensões de papel e tensões intrapsíquicas, percepção das dificuldades, estratégias de coping, satisfações, rede social pessoal, satisfação com a vida e percepção do estado de saúde. Os principais resultados indicam que: i) ambas as sub-amostras de cuidadores tendem a percepcionar o seu estado de saúde como fraco, contudo é a nível da saúde mental que se verificam diferenças relevantes entre as sub-amostras, sendo que os cuidadores familiares de idosos sem demência se encontram significativamente melhor; ii) os cuidadores familiares sentem-se um pouco insatisfeitos com a vida, embora aqueles que cuidam de um idoso sem demência tendam a apresentar resultados mais favoráveis; iii) as satisfações que derivam da prestação de cuidados estão presentes e coexistem a par com as dificuldades; iv) a situação de demência ou não no receptor de cuidados não parece assumir um papel determinante no reconhecimento das fontes de satisfação, coping e rede social pessoal; v) a sobrecarga do papel surgiu mais frequentemente como preditora da satisfação com a vida e da percepção do estado de saúde do cuidador. Estes resultados têm implicações na intervenção: alertam para a necessidade de planeamento de respostas diferenciadas, baseadas na percepção do cuidador; despertam para a importância de ajudar os cuidadores a identificar fontes de satisfação na prestação de cuidados, já que estas se associam ao enriquecimento da relação de cuidados, ao incremento do bem-estar do cuidador, coping eficaz e reduzida institucionalização do idoso.

7 keywords Family caregivers, elderly people, dependency, dementia, burden, stress, satisfactions, coping, appraisal. abstract The impact of caregiving on family carers of the dependent elderly have been described by research rnainly based on negative aspects, such as burden. However, the exclusion of the positive aspects hinders a comprehensive vision concerning the complexity of informal care. Additionally, research has focused on family carers of demented elderly persons, which justifies the need of studying and comparing family carers of elderly people with and without dernentia. Transactional models of stress help to provide a good explanation about the cornplex dynarnics of farnily caregiving. This study aims an understanding of subjective perceptions of family carers of dependent elderly with and without dementia on the main dynamics of caregiving, the relation between them and their irnpacts on well-being. The sample comprises 99 family carers of dependent elderly: 52 care for a demented elderly person and 47 for a non demented one. Diverse instruments were administrated to assess different variables of the informal caregiving context: social-dernographic and contextual variables of farnily carer and dependent elderly, elderly functional dependence degree, objective and subjective primary stressors, secondary role strains, secondary intrapsychic strains, perceived degree of difficulty, coping strategies, satisfactions, personal social network, satisfaction with life and health status perception. The main findings suggest that: i) both sub-samples tend to perceive a poor health status, however those who take care for a dependent elderly without dernentia tend to experience a better mental health; ii) life satisfaction is generally low, but tend to be higher amongst those who take care for dependent elderly without dementia; iii) satisfactions coexist with difficulties in both sub-samples; iv) caring for a demented or non-demented elderly person does not seem to be a deterrninant factor concerning sources of satisfaction, coping, and social personal network; v) role overload becarne more frequently predictor of carer life satisfaction and health status perception Important implications for intervention can be drawn from these findings: the need to differentiate intervention programmes, depending on caregivers perceptions; helping carers to identify sources of satisfaction, as they are associated with the improvement of caring relationship and carer well-being, effective coping strategies and reduced elderly institutionalization.

8 Índice Índice Índice de quadros.. ix Índice de figuras. xvii Introdução... 1 PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência Introdução 9 1. Modificações associadas ao processo de envelhecimento O envelhecimento biológico Noção de envelhecimento biológico Principais modificações estruturais e funcionais O envelhecimento psicológico e cognitivo Inteligência Memória e Aprendizagem Personalidade O envelhecimento social Reforma Relações familiares Redes sociais Envelhecimento e dependência Incapacidade, (in)dependência e autonomia: definição de conceitos 35 i

9 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Dependência: questões metodológicas Envelhecimento e demência Definição de demência: diagnóstico e causas Alterações psicológicas comportamentais na demência Severidade, epidemiologia e factores de risco da demência Doença de Alzheimer e Demência Vascular Envelhecimento, dependência, respostas de apoio e cuidados familiares 56 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos Introdução Cuidar, cuidador informal e cuidador familiar Definição de conceitos Processo de iniciação: tornar-se cuidador O perfil do cuidador Tarefas desempenhadas Características do receptor de cuidados Impacto da prestação de cuidados Impactos negativos A sobrecarga Saúde física e mental do cuidador Relações familiares e sociais Actividade profissional e situação financeira Tempo livre e lazer Impacto dos cuidados no idoso dependente Impactos positivos: satisfações Satisfações: uma conceptualização Satisfações: a importância da sua consideração. 96 ii

10 Índice 3. Necessidades do cuidador familiar Identificação das necessidades A importância da avaliação das necessidades... 1 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados Introdução O que é o stresse? Em torno do conceito de stresse Modelos conceptuais de stresse O modelo estímulo-resposta de Seyle Stresse e acontecimentos de vida Os modelos transaccionais Os modelos transaccionais e a prestação familiar de cuidados O modelo transaccional de Lazarus e Folkman A avaliação cognitiva O coping A importância do suporte social A rede social pessoal e o suporte social O modelo de desenvolvimento de stresse (Stress Process Model) de Pearlin A proliferação de stresse 139 PARTE II ESTUDO EMPÍRICO Capítulo 4 Objectivos e metodologia da investigação Introdução 153 iii

11 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência 1. Enquadramento e objectivos de pesquisa Delimitação do problema Objectivos do estudo Esquema da investigação Metodologia Selecção da amostra Critérios de emparelhamento da amostra: os grupos de cuidadores familiares de idosos dependentes Procedimentos de recolha de dados Instrumentos utilizados O Índice para avaliação das dificuldades do prestador de cuidados (CADI) O Índice para avaliação das maneiras como o prestador de cuidados enfrenta as dificuldades (CAMI) O Índice para avaliação das satisfações do prestador de cuidados (CASI) A Escala de Satisfação Com a Vida (SWLS) O Medical Outcomes Study -Short Form 36 (SF-36) O Questionário geral O Questionário de análise da rede social pessoal O Índice de Barthel Estudo das qualidades psicométricas dos instrumentos e procedimentos O CADI O CAMI O CASI A SWLS O questionário geral (factores de stresse primários e secundários) Procedimentos na administração dos instrumentos 195 iv

12 Índice 3. Caracterização da amostra Caracterização sócio-demográfica dos cuidadores familiares Caracterização do contexto da prestação de cuidados Caracterização sócio-demográfica e funcional dos idosos dependentes. 27 Capítulo 5 Apresentação e leitura dos resultados Introdução Análise comparativa dos factores de stresse Factores de stresse primários Factores de stresse primários objectivos: dependência do idoso nas actividades de vida diária Factores de stresse primários subjectivos: sobrecarga do papel e clausura do papel Factores de stresse secundários Tensões de papel: conflito familiar, conflito profissional e constrangimentos financeiros Tensões intrapsíquicas: sentido de competência e enriquecimento pessoal Análise comparativa das variáveis moderadoras Percepção das dificuldades (CADI) Estratégias de coping (CAMI) Fontes de satisfação (CASI) A rede social pessoal: tamanho, composição, funções e reciprocidade Análise comparativa das consequências A satisfação com a vida (SWLS) A percepção do estado de saúde (SF-36) Estudo da relação entre as variáveis Variáveis sócio-demográficas e contextuais e factores de stresse, v

13 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência moderadores e consequências Variáveis sócio-demográficas e contextuais e factores de stresse primários objectivos Variáveis sócio-demográficas e contextuais e factores de stresse primários subjectivos Variáveis sócio-demográficas e contextuais e tensões de papel Variáveis sócio-demográficas e contextuais e tensões intrapsíquicas Variáveis sócio-demográficas e contextuais e a percepção das dificuldades (CADI) Variáveis sócio-demográficas e contextuais e as estratégias de coping (CAMI) Variáveis sócio-demográficas e contextuais e as satisfações (CASI) Variáveis sócio-demográficas e contextuais e a rede social pessoal Variáveis sócio-demográficas e contextuais e a satisfação com a vida (SWLS) Variáveis sócio-demográficas e contextuais e a percepção do estado de saúde (SF-36) Factores de stresse e factores de stresse secundários Moderadores e factores de stresse Correlações entre o CADI e os factores de stresse primários e secundários Correlações entre o CAMI e os factores de stresse primários e secundários Correlações entre o CASI e os factores de stresse primários e secundários Correlações entre a rede social pessoal do cuidador familiar e os factores de stresse primários e secundários Factores de stresse e consequências Correlações entre os factores de stresse primários e secundários e a SWLS.. 26 vi

14 Índice Correlações entre os factores de stresse primários e secundários e o SF Moderadores e consequências Correlações entre moderadores e percepção do estado de saúde (SF- 36) Correlações entre moderadores e a satisfação com a vida (SWLS) A análise de regressão hierárquica Estudo da distribuição das variáveis independentes A satisfação com a vida (SWLS) como variável critério A percepção do estado de saúde (SF-36) como variável critério. 27 Capítulo 6 - Discussão dos resultados e implicações Introdução Estudo descritivo dos factores de stresse, moderadores e consequências Estudos das relações entre as variáveis Limitações 321 Conclusões Bibliografia 333 Anexos vii

15 Índice de quadros Índice de quadros Quadro 1.1 Principais características do processo de senescência. 11 Quadro 1.2 Alterações estruturais no envelhecimento primário 13 Quadro 1.3 Alterações funcionais no envelhecimento primário 14 Quadro 1.4 Efeitos do envelhecimento no funcionamento cognitivo. 16 Quadro 1.5 Características de diagnóstico da Demência, segundo o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (4.ª Ed.) DSM-IV. 41 Quadro 1.6 Causas de demência 43 Quadro 1.7 Prevalência na demência de alterações psiquiátricas e comportamentais. 45 Quadro 1.8 Prevalência estimada da demência (%) para cada região e grupo etário Quadro Número de pessoas com demência em 21, projecções para 22 e 24, e aumento percentual Quadro 1.1 Critérios de diagnóstico da Doença de Alzheimer (NINCDS- ADRDA) 53 Quadro 1.11 Factores de risco da doença de Alzheimer. 54 Quadro 1.12 Critérios de diagnóstico da demência vascular - NINDS-AIREN 55 Quadro 1.13 Critérios de diagnóstico da demência vascular ADDTC. 55 Quadro Factores de risco da demência vascular.. 56 Quadro 1.15 Modo de apoio a um familiar incapacitado e dependente, 1998 (%). 59 Quadro 1.16 Principal responsável pelo pagamento dos cuidados aos pais idosos, 1998 (%).. 6 Quadro 2.1 Domínios para uma avaliação multidimensional do cuidador 13 Quadro 3.1 Quadro conceptual acerca das estratégias de coping Quadro 4.1. Síntese das variáveis a analisar em cada sub-amostra de cuidadores familiares de idosos (com e sem demência), agrupadas de acordo com o modelo de desenvolvimento de stresse de Pearlin ix

16 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Quadro 4.2 Conteúdos das sub-escalas do CADI. 165 Quadro 4.3 Conteúdos das sub-escalas do CAMI. 167 Quadro 4.4 Conteúdos das sub-escalas do CASI: dinâmica interpessoal Quadro 4.5 Conteúdos das sub-escalas do CASI: dinâmica intrapessoal Quadro 4.6 Conteúdos das sub-escalas do CASI: dinâmica dos resultados Quadro 4.7 Itens do SF-36 por escala. 174 Quadro 4.8 Médias, desvios-padrão e r corrigido do item com o CADI. 181 Quadro 4.9 CADI: Médias, desvios-padrão e alfas de Cronbach (amostra global e sub-amostras) 182 Quadro 4.1 Médias, desvios-padrão e r corrigido do item com o CAMI. 183 Quadro 4.11 CAMI: Médias, desvios-padrão e alfas de Cronbach por subescala (amostra global e sub-amostras) 184 Quadro 4.12 Médias, desvios-padrão e r corrigido do item com o CASI 185 Quadro 4.13 CASI: Médias, desvios-padrão e alfas de Cronbach por categoria (amostra global e sub-amostras). 186 Quadro 4.14 Indicadores de adequação da amostra e da matriz à factorização 187 Quadro Médias, desvios-padrão e r corrigido do item com a SWLS 187 Quadro 4.16 SWLS: Médias, desvios-padrão e alfas de Cronbach por factor (amostra global e sub-amostras) Quadro 4.17 Dependência do familiar idoso nas ABVD (Q.13): Médias, desviospadrão e r corrigido do item com a escala na amostra global 189 Quadro 4.18 Dependência do familiar idoso nas AIVD (Q.13): Médias, desviospadrão e r corrigido do item com a escala na amostra global 189 Quadro 4.19 Dependência do idoso nas AVD (Q.13): Médias, desvios-padrão e alfas de Cronbach por factor (amostra global e sub-amostras) 189 Quadro 4.2 Sobrecarga do papel (Q. 14): Médias, desvios-padrão e r corrigido do item com a escala na amostra global. 19 x

17 Índice de quadros Quadro 4.21 Sobrecarga do papel (Q.14): Médias, desvios-padrão e alfas de Cronbach (amostra global e sub-amostras). 19 Quadro 4.22 Clausura do papel (Q. 15): Médias, desvios-padrão e r corrigido do item com a escala na amostra global. 191 Quadro 4.23 Clausura do papel (Q. 15): Médias, desvios-padrão e alfas de Cronbach (amostra global e sub-amostras). 191 Quadro 4.24 Conflitos familiares (Q. 16): Médias, desvios-padrão e r corrigido do item com a escala na amostra global. 191 Quadro 4.25 Conflitos familiares (Q.16): Médias, desvios-padrão e alfas de Cronbach (amostra global e sub-amostras). 192 Quadro 4.26 Conflitos familiares (Q. 17): Médias, desvios-padrão e r corrigido do item com a escala na amostra global. 192 Quadro 4.27 Conflitos familiares (Q. 17): Médias, desvios-padrão e alfas de Cronbach (amostra global e sub-amostras) 193 Quadro 4.28 Conflito familiar (Q. 18): Médias, desvios-padrão e r corrigido do item com a escala na amostra global Quadro 4.29 Conflito familiar (Q. 18): Médias, desvios-padrão e alfas de Cronbach (amostra global e sub-amostras). 193 Quadro 4.3 Conflito profissional (Q. 19). Médias, desvios-padrão e r corrigido do item com a escala na amostra global. 194 Quadro 4.31 Conflito profissional (Q. 19): Médias, desvios-padrão e alfas de Cronbach (amostra global e sub-amostras). 194 Quadro 4.32 Enriquecimento pessoal (Q. 23): Médias, desvios-padrão e r corrigido do item com a escala na amostra total. 195 Quadro 4.33 Enriquecimento pessoal (Q. 23): Médias, desvios-padrão e alfas de Cronbach (amostra global e sub-amostras) Quadro 4.34 Características sócio-demográficas dos cuidadores familiares 197 Quadro 4.35 Idade e género dos cuidadores familiares Quadro 3.36 Contexto da prestação de cuidados 2 Quadro 4.37 Grau de parentesco e género do cuidador familiar 21 xi

18 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Quadro 4.38 Grau de parentesco e idade do cuidador familiar.. 22 Quadro 4.39 Idade do cuidador familiar e a duração da prestação de cuidados (meses).. 23 Quadro 4.4 Género do cuidador familiar e a duração da prestação de cuidados.. 24 Quadro 4.41 Situação profissional do cuidador e duração da prestação de cuidados (meses) 24 Quadro 4.42 Idade do cuidador familiar e horas semanais de prestação de cuidados.. 25 Quadro 4.43 Género do cuidador e horas semanais de prestação de cuidados.. 26 Quadro 4.44 Situação profissional do cuidador e horas semanais de cuidados.. 26 Quadro 4.45 Características socio-demográficas e funcionais dos idosos. 27 Quadro 4.46 Idade do idoso e grau de dependência. 29 Quadro 4.47 Género do idoso e grau de dependência Quadro 5.1 Dependência do idoso nas ABVD e AIVD Quadro 5.2 Resistência oferecida pelo idoso dependente nas ABVD e AIVD Quadro 5.3 Factores de stresse primários subjectivos: sobrecarga do papel e clausura do papel. 216 Quadro 5.4 Tensões de papel: dimensões do conflito familiar Quadro 5.5 Tensões de papel: conflito profissional 218 Quadro Tensões de papel: constrangimentos financeiros. 219 Quadro 5.7 Tensões intrapsíquicas: sentido de competência 219 Quadro 5.8 Tensões intrapsíquicas: enriquecimento pessoal.. 22 Quadro 5.9 Percepção das dificuldades pelos cuidadores familiares (CADI) Quadro 5.1 Percepção das dificuldades pelos cuidadores familiares (CADI: sub-escalas) 222 Quadro 5.11 Relação entre o cuidador e o idoso dependente 223 Quadro Reacção à prestação de cuidados xii

19 Índice de quadros Quadro Exigências de ordem física na prestação de cuidados Quadro Restrições na vida social. 225 Quadro Deficiente apoio familiar 226 Quadro Deficiente apoio professional Quadro Problemas financeiros. 227 Quadro 5.18 Estratégias de coping utilizadas pelos cuidadores familiares (CAMI) Quadro 5.19 Estratégias de coping dos cuidadores familiares (CAMI: subescalas) 228 Quadro 5.2 Lidar com os acontecimentos. 229 Quadro 5.21 Lidar com os significados Quadro 5.22 Lidar com as consequências 231 Quadro 5.23 Fontes de satisfação para o cuidador familiar (CASI) Quadro 5.24 Fontes de satisfação do cuidador familiar: dinâmica interpessoal (CASI, sub-escala). 232 Quadro 5.25 Fontes de satisfação para o cuidador familiar: dinâmica intrapessoal (CASI, sub-escala). 233 Quadro 5.26 Fontes de satisfação do cuidador familiar: dinâmica dos resultados (CASI, sub-escala) 234 Quadro 5.27 Satisfações na dinâmica interpessoal: cuidador como principal beneficiário. 234 Quadro 5.28 Satisfações na dinâmica interpessoal: idoso como principal beneficiário. 235 Quadro 5.29 Satisfações na dinâmica interpessoal: benefício mútuo. 235 Quadro 5.3 Satisfações na dinâmica interpessoal: cuidador como principal beneficiário. 236 Quadro 5.31 Satisfações na dinâmica interpessoal: idoso como principal beneficiário. 236 Quadro 5.32 Satisfações na dinâmica interpessoal: benefício mútuo. 237 xiii

20 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Quadro 5.33 Satisfações na dinâmica dos resultados: cuidador principal beneficiário. 237 Quadro 5.34 Satisfações na dinâmica dos resultados: idoso como principal beneficiário. 238 Quadro 5.35 Tamanho da rede social pessoal dos cuidadores familiares de idosos. 239 Quadro 5.36 Composição da rede social dos cuidadores familiares de idosos Quadro 5.37 Características funcionais: nível de apoio recebido pelos cuidadores.. 24 Quadro Reciprocidade: apoio pedido e retribuído pelos cuidadores 241 Quadro 5.39 Satisfação com a vida dos cuidadores familiares: resultados da SWLS Quadro 5.4 Percepção do estado de saúde dos cuidadores familiares: SF Quadro 5.41 Grupos de cuidadores segundo as variáveis sócio-demográficas Quadro 5.42 Distribuição dos clusters pelos grupos de cuidadores familiares Quadro 5.43 Variáveis socio-demográficas e contextuais nas sub-amostras e dependência do idoso nas ABVD e AIVD. 246 Quadro 5.44 Variáveis sócio-demográficas e contextuais nas sub-amostras e stressores subjectivos 247 Quadro 5.45 Variáveis sócio-demográficas e contextuais nas sub-amostras e conflito familiar. 248 Quadro 5.46 Variáveis sócio-demográficas e contextuais nas sub-amostras e conflito financeiro. 248 Quadro 5.47 Variáveis sócio-demográficas e contextuais nas sub-amostras e enriquecimento pessoal Quadro 5.48 Variáveis sócio-demográficas e contextuais nas sub-amostras e CADI Quadro 5.49 Variáveis sócio-demográficas e contextuais nas sub-amostras e CAMI.. 25 xiv

21 Índice de quadros Quadro 5.5 Variáveis sócio-demográficas e contextuais nas sub-amostras e CASI Quadro 5.51 Variáveis sócio-demográficas e contextuais nas sub-amostras e rede social pessoal 251 Quadro 5.52 Variáveis sócio-demográficas e contextuais nas sub-amostras e SWLS Quadro 5.53 Variáveis sócio-demográficas e contextuais nas sub-amostras e SF Quadro 5.54 Correlações significativas entre factores de stresse primários e secundários. 254 Quadro 5.55 Correlações significativas entre o CADI e os factores de stresse primários e secundários Quadro 5.56 Correlações significativas entre o CAMI e os factores de stresse primários e secundários Quadro 5.57 Correlações significativas entre o CASI e os factores de stresse primários e secundários Quadro 5.58 Correlações significativas entre a rede social pessoal e os factores de stresse primários e secundários. 259 Quadro 5.59 Correlações significativas entre a SWLS e os factores de stresse primários e secundários Quadro 5.6 Correlações significativas entre o SF-36 e os factores de stresse primários e secundários Quadro 5.61 Correlações entre CADI, CAMI, CASI e rede social pessoal e o SF Quadro 5.62 Correlações entre CADI, CAMI, CASI e rede social e a SWLS 265 Quadro Modelo de regressão hierárquica Quadro Análise de regressão hierárquica com a SWLS como critério. 269 Quadro Análise de regressão hierárquica com a DE como critério. 271 Quadro Análise de regressão hierárquica com a FS como critério Quadro 5.67 Análise de regressão hierárquica com a VT como critério xv

22 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Quadro 5.68 Análise de regressão hierárquica com a SG como critério 275 Quadro 5.69 Análise de regressão hierárquica com a DC como critério Quadro 5.7 Análise de regressão hierárquica com a DF como critério. 279 Quadro 5.71 Análise de regressão hierárquica com a FF como critério. 28 Quadro 5.72 Análise de regressão hierárquica com a SM como critério 282 xvi

23 Índice de figuras Índice de figuras Figura 1.1 Estádios de desenvolvimento cognitivo segundo Schaie 2 Figura 2.1 Matriz conceptual das satisfações da prestação informal de cuidados 92 Figura 3.1 O processo de avaliação cognitiva no modelo transaccional. 115 Figura 3.2 Auto-eficácia e confiança nos resultados 123 Figura 3.3 Modelo de Desenvolvimento de Stresse 134 Figura 3.4 Modelos de efeitos mediadores e moderadores 137 Figura 3.5 Proliferação de stresse. 141 Figura 4.1 Modelo de desenvolvimento de stresse em cuidadores familiares de idosos com e sem demência Figura 4.2 Modelo factorial SF-36 com duas componentes 175 Figura 6.1 Matriz de frequências e fontes de satisfação experienciadas pela totalidade dos cuidadores familiares. 298 xvii

24 Introdução Introdução Cuidar de um idoso dependente representa um dos maiores desafios para as famílias e sociedades actuais. Como resultado do aumento da esperança de vida, cada vez mais pessoas atingem faixas etárias em que o declínio físico e mental e as incapacidades têm mais probabilidade de acontecer. Uma das consequências deste processo é a limitação progressiva das capacidades do indivíduo para satisfazer, de modo autónomo e independente, as suas necessidades. O idoso dependente necessita frequentemente de apoios e/ou cuidados de saúde e bem-estar que, tradicionalmente, são prestados no seio da família. A família tem sido a principal fonte de apoio ao idoso em situação de dependência em vários países da Europa e EUA. Estima-se que 8% do apoio requerido pelo idoso dependente é proporcionado pelos prestadores informais de cuidados, na sua maioria, familiares. Todavia, o surgimento de certas incapacidades físicas e mentais em idades avançadas tem vindo a criar inquietação por representar um encargo pesado para quem presta cuidados ao idoso, quer seja o cônjuge, os filhos (na maioria das vezes, filhas ou noras), vizinhos, amigos ou outros. Alguns estudos têm já demonstrado que a prestação de cuidados ao idoso mais ou menos dependente gera, frequentemente, problemas de stresse, de saúde mental e física, sentimentos de frustração, ansiedade e uma preocupação constante. Por esta razão, os cuidadores informais são muitas vezes apelidados de pacientes ocultos, já que necessitam de ajuda externa para melhorar a sua saúde e bem-estar. Todavia, a avaliação sistemática das suas necessidades tem merecido pouca atenção por parte de políticos, investigadores e profissionais e, dificilmente se pode apoiar adequadamente as pessoas sem uma compreensão holística dos seus problemas. Geralmente, a avaliação do cuidador tem como finalidade a sua integração num plano de cuidados ao idoso dependente e não o conhecimento global dos seus problemas e necessidades específicos. Além disso, existe uma tendência para a avaliação se centrar nos aspectos objectivos da prestação de cuidados, em detrimento dos subjectivos. Mesmo quando os critérios subjectivos são considerados, tendem a reflectir a perspectiva dos investigadores ou profissionais que, frequentemente, diverge da dos cuidadores familiares: os cuidadores tendem a normalizar a sua situação e os profissionais inclinamse a defini-la em termos patológicos (Nolan et al., 23). Desta forma, a eficácia da 1

25 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência intervenção exige a consideração e valorização da perspectiva do cuidador no processo de avaliação das suas necessidades. Mas, como a literatura tem sido dominada pela perspectiva da sobrecarga (burden), a intervenção tem sido um reflexo desse domínio: em primeiro lugar, a maior parte das intervenções têm como principal objectivo, a redução do stresse do cuidador; consequentemente, são poucas as intervenções que se focalizam nos aspectos positivos do cuidar; finalmente, as intervenções raramente são organizadas num contexto multidisciplinar. Neste sentido, importa considerar os aspectos positivos que decorrem da tarefa de cuidar aquando da concepção e implementação de respostas de apoio a cuidadores, já estes podem funcionar como importantes recursos de coping ou indicadores de risco (de institucionalização do idoso ou, no limite, de negligência e maus-tratos) no âmbito da relação de cuidados. Nos casos em que a integridade da capacidade cognitiva é seriamente ameaçada pela prevalência de uma doença que acarreta estados demenciais, a complexidade da prestação de cuidados tende a aumentar dramaticamente. Cuidar de um familiar idoso que sofre de demência tem sido reconhecido como a situação mais difícil. A maior parte da investigação gerontógica tem-se focalizado sobre os impactos da tarefa de cuidar em prestadores de cuidados familiares a idosos com demência, logo não se pode generalizar a todos os cuidadores, pelo menos sem que se desenvolva pesquisa específica em relação a cuidadores de idosos com outro tipo de incapacidades e/ou necessidades. Neste cenário torna-se fundamental comparar o impacto da situação de prestação de cuidados entre cuidadores familiares de idosos dependentes com e sem demência, com vista ao planeamento de respostas de intervenção adequadas às diferentes circunstâncias de cuidados. Em termos conceptuais, a abordagem transaccional do stresse permite explorar a complexidade e dinâmica da prestação informal de cuidados, na medida em que ajuda a identificar e a descrever a diversidade de circunstâncias e vivências que, de um modo geral, afectam a saúde e o bem-estar dos cuidadores familiares, assim como a explicar as variações nos impactos produzidos por estas condições e experiências em diferentes grupos de cuidadores. Para além dos modelos transaccionais de stresse reconhecerem os efeitos positivos da prestação informal de cuidados, também admitem que as exigências e acontecimentos não são equitativamente indutores de stresse, que a mesma circunstância pode gerar diferentes tipos de resposta em diferentes momentos, e que o stresse se baseia mais nas avaliações cognitivas subjectivas das situações do que nas suas características objectivas. 2

26 Introdução Em termos gerais, a finalidade deste estudo consiste em compreender a perspectiva de cuidadores familiares de idosos dependentes com e sem demência acerca das principais dinâmicas inerentes à prestação de cuidados, como se relacionam e quais os seus efeitos sobre o bem-estar do cuidador familiar. Este trabalho encontra-se dividido em duas partes. Na primeira parte Enquadramento Teórico é apresentada uma revisão das linhas de orientação teóricas em três capítulos. O primeiro refere-se às principais modificações associadas ao processo de envelhecimento, dando especial ênfase aos problemas de dependência, incapacidade e perda de autonomia que dele podem derivar e caracterizando as principais consequências que decorrem da situação de demência. O capítulo 2 é dedicado à caracterização dos actuais prestadores informais de cuidados, particularmente dos cuidadores familiares, procurando traçar o seu perfil sociodemográfico, conhecer as suas motivações, necessidades e impactos da tarefa de cuidar. No terceiro capítulo abordam-se os modelos transaccionais de stresse que, no contexto da prestação informal de cuidados, proporcionam uma abordagem compreensiva acerca da complexidade desta situação. A segunda parte Estudo Empírico apresenta o estudo de campo, organizando-se em três capítulos. No capítulo 4 apresenta-se o enquadramento do estudo, bem como os objectivos e procedimentos metodológicos adoptados; é ainda realizada a apresentação dos instrumentos seleccionados e respectivo estudo das qualidades psicométricas; é, ainda, apresentada a caracterização da amostra. No capítulo 5 procede-se à apresentação e análise dos resultados, fazendo também uma pequena descrição dos procedimentos estatísticos adoptados. No capítulo 6 realiza-se a discussão dos resultados, delimitando as limitações do estudo que podem influenciar a interpretação dos mesmos. Por último, termina-se esta dissertação com as conclusões que se considerou pertinentes retirar do desenvolvimento do trabalho, apontando os seus contributos e futuras linhas de investigação. 3

27 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência

28 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência 8

29 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência Introdução O aumento da proporção de idosos na sociedade é um fenómeno relativamente recente ao qual se estão a tentar adaptar mesmo os países mais desenvolvidos. Esta alteração na estrutura da população não se deve unicamente ao aumento da esperança de vida, mas ao declínio da mortalidade entre os jovens e os adultos de meia idade. A melhoria da saúde pública, incluindo a educação para a saúde e a promoção da saúde, a melhoria das condições sociais, da nutrição e, mais recentemente, os avanços da medicina preventiva e curativa têm contribuído para a redução da taxa de mortalidade. Paralelamente ao declínio da mortalidade, verifica-se também o declínio da fecundidade. Esgotado o período do baby boom, uma forte regressão da fecundidade fez acentuar o processo de envelhecimento demográfico, no mundo desenvolvido em geral, e na Europa em particular. A conquista do tempo é, sem dúvida, um dos maiores feitos da humanidade, no entanto, convém salientar que o processo de envelhecimento revela profundas disparidades entre os indivíduos, tratando-se de um processo idiossincrático. Consiste num processo complexo da evolução biológica dos organismos vivos, mas também um processo psicológico e social do desenvolvimento do ser humano. Face a um corpo que muda e vai sofrendo alterações funcionais e de papéis sociais, é necessário uma plasticidade constante, na busca de novos equilíbrios. A maioria das pessoas com 65 ou mais anos de idade padece de, pelo menos, uma doença crónica, que poderá limitar a sua autonomia e diminuir a qualidade de vida. Esta tendência coloca um desafio significativo às sociedades em geral, tornando necessária a compreensão dos processos de envelhecimento que conferem ao indivíduo uma maior ou menor qualidade de vida. 1. Modificações associadas ao processo de envelhecimento O processo de envelhecimento e as mudanças a ele associadas constituem um dos temas de maior interesse no âmbito da investigação científica contemporânea. Sobre ele têm-se procurado respostas a distintas questões, nomeadamente, acerca de quais são as dimensões das mudanças, principais causas e consequências, as áreas passíveis de intervenção com o intuito de retardar ou mesmo travar o processo de envelhecimento. 9

30 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Uma questão fundamental que ainda se encontra por resolver é que modificações associadas ao envelhecimento são típicas ou normais e quais são os processos atípicos ou patológicos (Montorio & Izal, 1999). Embora o processo de envelhecimento seja extremamente complexo e possa ser interpretado sob várias perspectivas, trata-se de um processo normal, universal, gradual e irreversível de mudanças e de transformações que ocorrem com a passagem do tempo. Consiste num fenómeno intimamente ligado aos processos de diferenciação e de crescimento, já que nele concorrem a interacção de factores internos como o património genético, e externos, como o estilo de vida, a educação, o ambiente em que o sujeito vive. Neste sentido, a principal característica do envelhecimento é a variabilidade inter e intraindividual, ou seja, existem padrões de envelhecimento diferentes tanto entre indivíduos com a mesma idade cronológica, como nas distintas funções de um mesmo indivíduo (fisiológicas, psicológicas, sociais...). Assim, existe a possibilidade de estabelecer um contraste frequente entre indivíduos com 7 ou mais anos, que desfrutam de vigor físico e de alegria de viver, traduzida em interacções sociais gratificantes e em actividades com resultados positivos assinaláveis, e indivíduos de 6-65 anos, precocemente envelhecidos, tanto a nível biológico, como psicológico e social. Do mesmo modo, há que ter em conta que, num mesmo indivíduo, as mudanças que se produzem com a passagem do tempo numa determinada função ou capacidade psicológica ou fisiológica não predizem necessariamente modificações noutras características psicológicas ou sistemas fisiológicos, havendo, portanto, uma cadência diferenciada na ocorrência dos diferentes tipos de envelhecimento. Na análise das transformações associadas à idade em cada dimensão do funcionamento (biológico, psicológico e social) reside uma fonte de dificuldade que consiste na interacção entre os distintos aspectos do funcionamento do indivíduo. Esta interacção implica que, por exemplo, uma mudança no estado de saúde possa levar a uma diminuição do funcionamento cognitivo, ou que as perdas sociais (viuvez, por exemplo) possam causar transtornos afectivos que, por sua vez, irão comprometer o estado de saúde do indivíduo. Assim perante uma determinada modificação é particularmente difícil separar a variância que corresponde aos factores biológicos, psicológicos ou sociais (Montorio & Izal, 1999). Sendo o envelhecimento um processo extremamente complexo, resultante da interacção entre factores biológicos, psicológicos e sociais, Schroots e Birren (198, citado por Paúl, 1997) distinguem três principais categorias de envelhecimento: o biológico, que resulta da vulnerabilidade crescente e de uma maior probabilidade de morrer, a que se denomina senescência; o psicológico, definido pela auto-regulação do indivíduo no 1

31 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência campo de forças, pelo tomar decisões e opções, adaptando-se ao processo de senescência; e o social, relativo aos papéis sociais apropriados às expectativas da sociedade para os idosos O envelhecimento biológico Noção de envelhecimento biológico O processo de envelhecimento biológico refere-se às transformações físicas que reduzem a eficiência dos sistemas orgânicos e funcionais do organismo, traduzindo-se numa diminuição progressiva da capacidade de manutenção do equilíbrio homeostático que, em condições normais, não será suficiente para produzir distúrbios funcionais. Quando este declínio é muito significativo, ocorre uma importante redução da reserva funcional, colocando o idoso mais vulnerável ao surgimento de doenças crónicas (Netto & Ponte, 2), que podem levar a alterações na capacidade funcional, ameaçando a sua autonomia e independência. Na sua definição de envelhecimento biológico, Birren e Zarit (1985, 9) sintetizam as ideias anteriores: envelhecimento biológico, senescência, é o processo de mudança no organismo, que com o tempo diminui a probabilidade de sobrevivência e reduz a capacidade biológica de autoregulação, reparação e adaptação às exigências ambientais. A senescência não é sinónimo de doença, mas sim um processo normal de deterioração biológica geral que aumenta a vulnerabilidade do indivíduo à doença e à morte, já que se caracteriza pela redução da reserva fisiológica dos órgãos e sistemas, o que implica a diminuição da capacidade de adaptação do organismo face às alterações do meio ambiente. O quadro 1.1 resume as principais características do processo de senescência. Quadro 1.1 Principais características do processo de senescência Aumento da mortalidade, uma vez ultrapassada a fase de maturidade. Modificações na composição química do organismo. Transformações progressivas que conduzem à deterioração morfológica e funcional. Menor capacidade de resposta, a todos os níveis biológicos, perante as agressões e exigências ambientais. Aumento da vulnerabilidade a doenças. Adaptado de Cruz (1996, citado por IMSERSO, 22). 11

32 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Saliente-se, ainda, a distinção entre envelhecimento primário (normal), que reflecte o limite intrínseco de longevidade celular, possivelmente pré-programado geneticamente, e envelhecimento secundário (patológico), que ocorre devido aos efeitos acumulados das agressões ambientais, traumatismos e doenças (Spar & La Rue, 25). Assim, enquanto que o envelhecimento primário parece estar subjacente à longevidade máxima relativamente constante que se observa em quase todos os estudos de espécies de animais, o envelhecimento secundário explica muito da variabilidade entre seres de uma mesma espécie. No entanto, a definição daquilo que pode considerar-se envelhecimento normal é particularmente complexa. Apesar de, no seio da comunidade científica, haver relativo consenso de que o envelhecimento não implica necessariamente deterioração ou doença, existem dificuldades para estabelecer limites entre envelhecimento normal e patológico. Na tentativa de clarificar esta dúvida, Montorio e Izal (1999) sugerem que se perspective a relação entre envelhecimento normal e patológico como um contínuo. Num extremo, o envelhecimento pode ser claramente separado da doença, já que existem determinadas transformações que jamais poderiam ser consideradas como patológicas, independentemente da sua extensão (por exemplo, as rugas). No extremo oposto, o normal e patológico sobrepõem-se, já que o normal acima de um certo limiar se considera patológico. Assim, por exemplo, um certo grau de descalcificação dos ossos na velhice não se considera doença até alcançar um determinado limite. Para além do envelhecimento normal e patológico, foi proposto o conceito de envelhecimento terciário ou padrão de declínio terminal, caracterizado por mudanças súbitas em diversas capacidades cognitivas e funcionais, ou seja, uma deterioração dos níveis prévios de capacidade diferente das modificações normais associadas à idade (Birren & Schroots, 1996) Principais modificações estruturais e funcionais As modificações fisiológicas e anatómicas associadas ao processo de envelhecimento têm o seu início muitos anos antes do surgimento de sinais exteriores. Ou seja, o seu começo é relativamente precoce, por volta do final da segunda década de vida, perpetuando-se de forma pouco perceptível durante a terceira década. Será por volta dos quarenta anos que as primeiras alterações funcionais e/ou estruturais atribuídas ao envelhecimento se tornam mais evidentes, continuando até á morte, isto é, até que o 12

33 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência organismo deixe de conseguir adaptar-se (Berger & Mailloux-Poirier, 1995; Netto & Ponte, 2). Na dimensão fisiológica, o processo de senescência provoca o envelhecimento das estruturas e do aspecto geral do corpo humano, bem como o declínio das funções orgânicas. Os quadros 1.2 e 1.3 resumem as principais alterações estruturais e funcionais que fazem parte do processo de envelhecimento primário. Quadro 1.2 Alterações estruturais no envelhecimento primário a) Células e tecidos Diminuição do número de células activas Aparecimento de lipofuscina e de estatina em diversas células Abrandamento do ritmo da multiplicação celular Diminuição do número de glóbulos e perda de eficácia Modificação dos tecidos gordos e subcutâneos Atrofia e perda de elasticidade tecidular b) Composição global do corpo e peso corporal Aumento do tecido gordo em relação ao tecido magro Modificações no peso corporal e no peso dos órgãos c) Músculos, ossos e articulações Diminuição de 25% a 3% da massa muscular Diminuição da mobilidade de diversas articulações Adelgaçar dos discos vertebrais o que provoca uma redução de 1,2 cm a 5 cm na altura Redução da dimensão da caixa toráxica Alterações estruturais Perdas de cálcio (osteoporose) Diminuição no funcionamento locomotor e problemas de equilíbrio d) Pele e tecido subcutâneo Perda dos tecidos de suporte subcutâneos; secura e adelgaçar da pele; possibilidade de equimoses e queratoses; modificações vasculares e cutâneas múltiplas Atrofia e baixa de eficácia das glândulas sebáceas e sudoríparas Perda da elasticidade da pele Persistência da prega cutânea Aparecimento de rugas Acentuação das proeminências ósseas Descair da face, queixo e pálpebras, e alongamento dos lobos das orelhas e) Tegumentos Pelos finos e raros, excepto na face Perda de cabelo, calvície ou cabelos brancos Acizentar ou descolorir dos cabelos Espessamento das unhas (onicogrifose) Adaptado de Berger e Mailloux-Poirier (1995) 13

34 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência a) Sistema cardiovascular Quadro 1.3 Alterações funcionais no envelhecimento primário Degenerescência cálcica das válvulas Diminuição de 18% do volume de água Diminuição de 4% do débito cardíaco (capacidade máxima) Aumento da tensão arterial em repouso (sístole e diástole) Redistribuição do fluxo sanguíneo: o cérebro, artérias coronárias e músculos esqueléticos recebem um maior fluxo residual do que o fígado e rins. Perda de elasticidade dos vasos e acumulação de depósitos nas paredes Aumento da resistência dos vasos periféricos b) Sistema respiratório Perda de capacidade de expansão pulmonar Diminuição da capacidade respiratória Diminuição do consumo basal de oxigénio Possibilidade de enfisema e bronquite senil Atrofia e rigidez pulmonar Problemas de expectoração das secreções brônquias c) Sistema renal e urinário Diminuição do número de nefrónios Diminuição da taxa de filtração blomerular, de filtração tubular e do fluxo sanguíneo renal Possibilidade de incontinência Micções mais frequentes e menos abundantes d) Sistema gastrintestinal Modificação dos tecidos dentários, mais difícil ajustamento das próteses dentárias, perda de dentes, cáries, etc. Mais lenta cicatrização da mucosa oral Atrofia das glândulas salivares Diminuição do sentido do paladar Atrofia da mucosa gástrica e da secreção dos sucos digestivos (lipase) Diminuição da secreção de ácido clorídrico, da pepsina e do suco pancreático Diminuição do tonus e da motilidade gátrica gerando uma diminuição do esvaziamento gástrico e peristaltismo Perturbações da absorção Diminução da secreção de enzimas hepáticas e da acção anti-tóxica do fígado Ligeira baixa da absorção intestinal Diminuição da motilidade do intestino grosso e retardar da evacuação Alterações funcionais e) Sistema nervoso e sensorial Diminuição do número de unidades funcionais no cérebro Perda de massa cerebral Baixo consumo de oxigénio pelo cérebro e da perfusão cerebral Declínio gradual da condução nervosa e demora no tempo de reacção Diminuição da condução periférica e dos neurotransmissores Perda de eficácia dos proprioceptores Dificuldade no controlo da postura e no equilíbrio Perda da motricidade fina Alteração do controlo do sistema autónomo Diminuição da capacidade mnemónica a curto prazo Elevação do limiar da percepção do sabor e odores Diminuição das sensações tácteis e das que se relacionam com a pressão e a temperatura Diminuição auditiva (presbiacúsia), sobretudo para os sons agudos Sensações auditivas anómalas (acufenos) Diminuição da adaptação à iluminação insuficiente e à visão nocturna Presbitia e presbiopia Redução da acuidade visual e da visão periférica Possibilidade de cataratas senis e/ou glaucoma f) Sistema endócrino e metabólico Possibilidade de perturbação no metabolismo da glucose Abrandamento da utilização peiférica da tiroxina Alterações menores do funcionamento corticosuprarenal Baixa do metabolismo basal Diminuição da taxa de estrogénio g) Sistema reprodutor Atrofia dos órgãos genitais internos e externos Modificação do ritmo de erecção e de ejaculação Modificação da líbido no homem e na mulher Cessação da actividade reprodutora na mulher (menopausa) h) Sistema imunitário Lentidão da resposta imunitária a um antigénio Imunodeficiência relativa i) Ritmos biológicos e sono Modificação das fases do sono Períodos mais frequentes de sono ligeiro Diferente repartição das horas de sono Adaptado de Berger e Mailloux-Poirier (1995) 14

35 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência Todas estas modificações ligadas ao processo de senescência vão levar, como se referiu, a uma perda progressiva da capacidade de adaptação do organismo, isto é, a uma diminuição da sua capacidade funcional, ligada ou não a uma doença. Assim, o processo de senescência coloca o indivíduo numa situação de maior vulnerabilidade à doença, nomeadamente, a problemas crónicos de saúde que os podem limitar na sua vida quotidiana O envelhecimento psicológico e cognitivo A investigação no âmbito da psicologia do envelhecimento tem recaído sobretudo em duas áreas: a personalidade e o funcionamento cognitivo. Por sua vez, no domínio do funcionamento cognitivo, tem-se privilegiado o estudo da inteligência, memória e aprendizagem. Seguidamente, descrever-se-á as principais características das pessoas idosas no que toca à inteligência, memória, aprendizagem e personalidade. O quadro 1.4 resume as tendências gerais do envelhecimento para algumas áreas específicas do funcionamento cognitivo. Neste quadro, o declínio ligeiro diz respeito a modificações que habitualmente se situam dentro de um desvio-padrão da média dos adultos jovens, enquanto o declínio moderado se refere as diferenças da ordem de 1 ou 2 desvios-padrão abaixo da média dos adultos jovens (Spar & La Rue, 25). Tal como o quadro ilustra, as alterações cognitivas associadas ao envelhecimento normal situam-se entre o ligeiro e o moderado e há, inclusivamente, áreas em que o desempenho se mantém ou melhora. Este padrão diferencial é menos evidente entre os mais idosos (85 e mais anos), relativamente a alguns dos quais certos estudos referem um padrão generalizado de declínio gradual (Spar & La Rue, 25). 15

36 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Quadro 1.4 Efeitos do envelhecimento no funcionamento cognitivo Aptidão Inteligência. Vocabulário, fundo de conhecimento. Habilidades perceptivomotoras Atenção. Campo de atenção. Atenção complexa Sentido da mudança no envelhecimento Estável ou crescente Em declínio Estável a declínio ligeiro Declínio ligeiro Comentário Pode declinar ligeiramente em idade muito avançada; mais pronunciado em tarefas novas O declínio começa pelos 5-6 anos Problemas em dividir a atenção, filtrar ruído, deslocar a atenção Linguagem. Comunicação. Sintaxe, conhecimento de palavras. Fluência, nomeação. Compreensão. Discurso Estável Estável Declínio ligeiro Estável a declínio ligeiro Variável Na ausência de défice sensorial Varia com o grau de instrução Lapsos ocasionais em encontrar palavras Alguma erosão no processamento de mensagens complexas Pode ser mais impreciso, repetitivo Memória. De curto prazo (imediata). De trabalho. Secundária (recente). Implícita. Remota Visuo-espacial. Copiar desenhos. Orientação topográfica Raciocínio. Resolução lógica de problemas. Raciocínio prático Estável a declínio ligeiro Declínio ligeiro Declínio moderado Estável a declínio ligeiro Variável Variável Em declínio Em declínio Variável Intervalo de dígitos em contagem crescente intacto (7 ± 2 itens) mas com fácil ruptura por interferências Aptidão diminuída para manipular informação na memória de curto prazo Défices de codificação e recuperação; armazenagem intacta Pode recordar com mais facilidade características incidentais do que informação processada inconscientemente Intacta para aspectos mais importantes da história pessoal Intacta para figuras simples, mas não para complexas Mais notável em terreno não familiar Alguma redundância e desorganização Intacto para situações familiares Funções de execução Declínio ligeiro Planeamento/monitorização menos eficiente de comportamentos complexos Velocidade Em declínio Lentificação do pensamento e da acção é a mudança mais contante no envelhecimento Adaptado de Spar e La Rue (25) 16

37 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência Inteligência As concepções acerca do declínio intelectual associado há idade sofreram sucessivas modificações à medida que a investigação na área se foi desenvolvendo. Actualmente, a maioria dos dados acerca do funcionamento cognitivo provém de estudos realizados no âmbito da abordagem psicométrica, sendo as seguintes as provas mais utilizadas para a avaliação da inteligência: Escala de Inteligência de Wechsler (WAIS) e o Teste de Aptidões Mentais Primárias de Thurstone (PMA). Os resultados podem resumir-se nas seguintes conclusões (Simões, 1982; Schaie, 1983; Schaie, 1993; Montorio & Izal, 1999; Belsky, 21; Marchand, 21; Schaie & Willis, 22): a) As primeiras investigações acerca da relação entre a inteligência e a idade tiveram lugar entre a década de 2 e a década de 5 e baseavam-se em estudos transversais. A posição dominante era a de um declínio da inteligência com a idade que tinha o seu início por volta dos 2 ou 3 anos de idade. b) A partir da década de 5 e graças, sobretudo, aos estudos longitudinais, defende-se que a inteligência permanece relativamente estável durante a vida adulta. Ou seja, a maioria destes estudos constatou que uma parte significativa dos sujeitos apresentava um leve ou nulo declínio nas pontuações em testes de inteligência com o aumento da idade. Concluiu-se então que os estudos transversais não reflectiam as mudanças na inteligência devidas à idade, mas sim as diferenças geracionais ou de coorte. É nesta fase que se integram os estudos de Raymond Cattell e de John Horn que defendem um modelo de inteligência mais complexo, composto por duas dimensões: a inteligência fluída, mais relacionada com aquilo a que Wechler designou por native mental ability ( habilidade mental inata ), reflectindo presumivelmente a qualidade do cérebro de cada sujeito e que se prende com capacidades básicas tais como a atenção, a memória e as capacidades de raciocínio; e a inteligência cristalizada, representada por testes de informação geral e vocabulário, e que reflecte as capacidades mentais que dependem da experiência, educação e aculturação. Horn e Cattel (1967) revelaram a existência de um declínio na inteligência fluída e estabilidade ou até incremento da inteligência cristalizada durante o período da vida adulta. Ou seja, contrariamente ao declínio linear da inteligência protagonizado pelos primeiros estudos, estes destacam o carácter multidireccional da relação entre idade e inteligência, com algumas funções cognitivas a aumentar com a idade, outras a diminuir e outras a manterem-se estáveis. c) Todavia, o optimismo dos estudos longitudinais foi apaziguado pelas limitações que lhe são atribuídas, mais especificamente, o abandono selectivo dos sujeitos que 17

38 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência constituem a amostra. Ou seja, os sujeitos que abandonam o estudo têm uma característica comum: quando comparados com os sujeitos que continuam no estudo longitudinal, geralmente têm desempenhos inferiores nos testes de inteligência. No paradigmático Seattle Longitudinal Study, onde foi utilizado o Teste de Aptidões Primárias de Thurstone, a equipa de investigadores liderada por Schaie controlou esta limitação o abandono da amostra (mortalidade experimental) - utilizando amostras independentes. Os resultados obtidos revelam que o início do declínio intelectual se situa um pouco antes das idades estipuladas pelos estudos longitudinais, embora não seja universal e só é significativo a partir dos finais da sexagésima década de vida. Efectivamente, os principais resultados deste estudo permitiram a Schaie e colaboradores (Hertzog & Schaie, 1988; Schaie, 1996) estabelecer as seguintes conclusões: até ao final da terceira década de vida /inícios da quarta verificam-se progressos na maior parte das aptidões intelectuais; a partir daí começa uma etapa de estabilidade até meados do decénio 5/princípios do decénio 6. Nos últimos anos da sexta década de vida começam os declínios estatisticamente significativos. d) Porém, estes resultados proporcionam apenas uma visão panorâmica do desenvolvimento intelectual na idade adulta. Assim, generalizar torna-se demasiado arriscado já que as diferentes capacidades mostram modelos de mudança/evolução distintos. Deste modo, mais uma vez a distinção entre inteligência fluida e cristalizada torna-se fundamental para perceber que capacidades resistem à passagem do tempo. As pontuações que medem as capacidades fluidas relacionadas com a rapidez, atenção, concentração e raciocínio indutivo começam a diminuir em geral por volta dos 3 anos. Ao contrário, as capacidades cristalizadas, reflectidas nas destrezas verbais, permanecem estáveis até aos 6 anos de idade. Ainda assim, a adopção de uma perspectiva diferencial, permite verificar que mudanças substanciais na inteligência só ocorrem tardiamente na vida dos indivíduos e para aquelas aptidões que foram menos centrais na sua experiência de vida e, portanto, talvez menos objecto de prática. Se bem que pelos 6 anos quase todos os indivíduos tivessem registado descidas modestas numa das cinco aptidões (significado verbal, relações espaciais, raciocínio indutivo, números e fluidez verbal), a verdade é que quase nenhum apresentava declínios no conjunto das mesmas, nem sequer aos 88 anos. As razões que subjazem ao declínio de algumas capacidades mentais com a idade ainda não são claras. Todavia, muitas das diferenças em aptidões específicas, associadas ao declínio de algumas aptidões intelectuais, parecem relacionar-se com 18

39 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência três aspectos do processamento cognitivo: a diminuição da velocidade de processamento da informação, o défice na memória de funcionamento e os decréscimos na acuidade visual e auditiva (Montorio & Izal, 1999; Belsy, 21; Marchand, 21; Schaie & Willis, 22; Spar & La Rue, 25). Outros factores como problemas de saúde (por exemplo, doenças crónicas como as cardiovasculares), variáveis de tipo social (nomeadamente, isolamento social, nível educacional, nível de estimulação ambiental, rendimento económico), a personalidade (por exemplo, auto-conceito e flexibilidade) têm demonstrado uma grande influência nas pontuações dos sujeitos em testes de inteligência (Montorio & Izal, 1999; Marchand, 21; Schaie & Wiilis, 22). Por outro lado, existem investigações que têm analisado o efeito e amplitude de intervenções com vista à activação cognitiva de sujeitos idosos. De entre estas, destacam-se as intervenções desenvolvidas no âmbito do projecto ADEPT (Adult Development and Enrichment Project). Trata-se de um programa sistemático iniciado por Schaie e colaboradores nos finais dos anos 7, com o fim de demonstrar que as mudanças no QI (Quociente de Inteligência) relacionadas com a idade se podiam inverter. Os resultados mostraram que: todos os sujeitos treinados melhoravam nas tarefas em que treinavam; o treino cognitivo transferia-se para testes semelhantes; os incrementos mantinham-se após 6 meses (Belsky, 21). Até aqui foi apresentada uma síntese dos resultados da investigação sob uma perspectiva psicométrica tradicional. Schaie e Willis (22) expressam as suas dúvidas acerca da validade de provas baseadas no QI para avaliar o funcionamento cognitivo nas idades avançadas. Dado que o nível educacional, a familiaridade com as provas ou a ansiedade influenciam os resultados em testes de inteligência padronizados (como a WAIS ou o PMA), quando se administram a pessoas idosas, a sua capacidade para medir a capacidade cognitiva é duvidosa (Schaie, 1977; Schaie & Willis, 22). Além disso, este tipo de escalas foram desenvolvidas para predizer o rendimento escolar ou académico de crianças e jovens, pelo que podem enviesar os resultados das investigações em desfavor de adultos e idosos (Schaie & Willis, 22). Deste modo, tem-se vindo a defender a necessidade de elaborar provas que possuam validade ecológica, isto é, adequadas às exigências da vida real e às capacidades cognitivas necessárias numa determinada idade (Izal & Montorio, 1999). Neste sentido, Schaie e Willis (22) consideram que o ciclo de vida se deve dividir em distintas etapas em função das capacidades intelectuais relevantes em cada momento (ver figura 1.1). A partir desta classificação, facilmente se compreende que a capacidade de aprendizagem, comportamento inteligente dominante na infância 19

40 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência e adolescência, seja adequadamente medida por provas de inteligência padronizadas (por exemplo, a WAIS) que avaliam a velocidade de aprendizagem e capacidades relacionadas com o rendimento escolar. No entanto, na adultez, o comportamento inteligente caracteriza-se pela tomada de decisões lógicas, pela sensatez e, em geral, pela manutenção de uma perspectiva equilibrada da vida. Para avaliar este tipo de capacidades Schaie e Willis (22) reclamam a necessidade de provas baseadas em situações da vida quotidiana que requerem um comportamento inteligente, ou seja, centradas no conceito de inteligência prática. A perspectiva da inteligência prática refere-se aos processos intelectuais necessários à resolução de problemas da vida real, onde também se incluem o contexto e factores não cognitivos. Assim, para compreender o funcionamento intelectual na vida diária, deve considerar-se a sua relação com outros factores que influenciam, a resolução do problema: crenças, motivação, eficácia, emoções, contexto físico e social (Willis, 1996). Figura 1.1 Estádios de Desenvolvimento Cognitivo segundo Schaie Execução Legado Responsabilidade Reorganização Reintegração Realização Aquisição Infância e adolescência Início da adultez Meia idade Jovens idosos Idosos velhos Idosos muito velhos Adaptado de Schaie e Willis (22) 2

41 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência Existem já investigadores que, no âmbito do funcionamento cognitivo na velhice, propuseram explicações teóricas que procuram integrar as diferentes perspectivas descritas anteriormente: a psicométrica, baseada nas capacidades intelectuais, e a centrada na inteligência prática. Por exemplo, Baltes e os seus colaboradores defendem um modelo de inteligência constituído por duas dimensões: a mecânica e a pragmática (Baltes & Schaie, 1976). A dimensão mecânica implicaria as capacidades intelectuais na forma em que são definidas sob um ponto de vista psicométrico, ao passo que a dimensão pragmática se refere ao funcionamento cognitivo relacionado com a solução de problemas e com a vida quotidiana. A questão agora seria até que ponto as diferenças associadas à idade encontradas nas primeiras se relacionam com a execução na vida diária (Izal & Montorio, 1999) Memória e Aprendizagem Amplamente difundida na nossa sociedade reside a crença de que o envelhecimento acarreta inevitavelmente uma perda da capacidade para recordar. A maioria das pessoas idosas também acredita que a sua memória piorou com a passagem do tempo. Estas expectativas generalizadas chegam mesmo a ser uma profecia que se auto-cumpre para algumas pessoas. Actualmente, é aceite na comunidade científica que a memória se modifica com a idade. Graves problemas de memória estão relacionados com determinadas doenças mais frequentes em idades avançadas (por exemplo, a doença de Alzheimer), mas as modificações a nível da memória constituem igualmente uma característica do processo normal de envelhecimento. Existem vários estudos que têm assinalado o declínio da memória com a idade. Todavia, também se observa que nem todas as capacidades mnésicas se alteram da mesma forma. Enquanto que algumas tarefas de memória revelam grandes diferenças com a idade (por exemplo, a nível da memória episódica ou de trabalho), outras revelam poucos efeitos da idade (nomeadamente, a memória procedimental ou a semântica). As explicações para esta divergência de resultados dependem da forma como a memória é conceptualizada. Algumas teorias advertem também que quantos mais recursos cognitivos forem necessários para lembrar adequadamente qualquer coisa, maiores serão as diferenças de idade, com desvantagem para os mais velhos. Outros modelos defendem que os efeitos da idade se limitam a estruturas ou processos de memória específicos. Também se tem sugerido que as diferenças de memória 21

42 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência encontradas em diferentes grupos de idade não reflectem os efeitos da idade, mas de outras variáveis não controladas, como a motivação ou a ansiedade, ou a abordagem metodológica (provas de laboratório versus provas em situações reais). Cabe então desmistificar algumas ideias associadas à perda de memória com a idade, com base em resultados de investigações e que se podem resumir nas conclusões que a seguir se apresentam (Simões, 1982; Smith, 1996; Montorio & Izal, 1999; Bäckman, Small & Wahlin, 21; Belsky, 21; Marchand, 21; Schaie & Willis, 22; Spar & La Rue, 25). Normalmente, a memória humana é perspectivada como um processo que envolve três etapas: codificação, armazenamento e recordação da informação (Schaie & Willis, 22). A aprendizagem humana pode ser considerada como a fase de aquisição ou codificação da informação. A informação pode ser codificada e armazenada em três sistemas de memória: a memória sensorial, a memória a curto prazo e a memória a longo prazo. Normalmente, o que distingue estes três tipos de memória é a duração da informação armazenada e a capacidade de armazenamento. A memória sensorial retém os estímulos do meio, sem análise semântica, durante décimas de segundo. Nela se distingue a memória icónica (visual) e ecóica (auditiva). A memória sensorial tem sido escassamente estudada, no entanto, a maioria dos resultados não revela diferenças significativas associadas à idade neste sistema mnésico. A memória a curto prazo retém pequenas unidades de informação por um período de tempo ligeiramente superior ao da memória sensorial. É aqui que a informação é preparada para passar para a memória a longo prazo. A memória a curto prazo pode ser dividida em memória primária e memória de trabalho. A memória primária, que envolve a retenção passiva de uma pequena quantidade de informação e a sua recordação imediata (por exemplo, reter um número de telefone até o escrevermos num papel), tem pouca capacidade e é muito breve. A memória de trabalho envolve simultaneamente a retenção da informação e a sua manipulação para resolver problemas ou tomar uma decisão. No tocante à memória primária, a investigação tem demonstrado modestas diferenças devidas à idade, contrariamente à memória de trabalho que se vê negativamente afectada com a passagem do tempo. Algumas das explicações para este défice residem na possibilidade da diminuição da capacidade de armazenamento da informação na memória de trabalho, em idades avançadas. Outros sugerem a possível ocorrência de défices no processamento da informação, ou seja, à medida que as tarefas se tornam mais complexas, os idosos podem ter mais dificuldade em empregar estratégias eficientes de processamento da informação. Outra justificação possível reside na 22

43 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência possibilidade de haver uma diminuição da velocidade que a memória de trabalho necessita para levar a cabo estas tarefas. A memória a longo prazo é perspectivada como sendo um sistema que possui uma larga capacidade de armazenamento da informação e onde esta pode ser retida durante longos períodos de tempo. Normalmente, divide-se em memória procedimental, semântica e episódica. A procedimental é a subjacente às competências aprendidas, ou seja, uma vez aprendida uma competência básica (por exemplo, manejar uma raquete de ténis ou conduzir um automóvel), recordamo-la automaticamente quando o estímulo se apresenta de novo. A memória semântica envolve a memória para o capital de conhecimentos (por exemplo, lembrar quem foi o primeiro rei de Portugal ou a capital de França). A episódica é a memória para os acontecimentos da vida que se vão sucedendo no quotidiano (por exemplo, recordar onde se estacionou o automóvel ou o que se fez no dia anterior). A memória episódica tem sido considerada como o sistema mais frágil, na medida em que é mais vulnerável à passagem do tempo. Por exemplo, dentro de um mês um cidadão português continuará a saber que D. Afonso Henriques foi o primeiro rei de Portugal, saberá conduzir um automóvel, mas muito provavelmente não se recordará em que consistiu a sua refeição do almoço de hoje. Os investigadores têm concluído que estes diferentes sistemas de memória a longo prazo se vêem diferentemente afectados à medida que se envelhece. De um modo geral, não se verificam diferenças significativas com a idade a nível de tarefas de memória semântica e procedimental. É a nível das tarefas de memória episódica que as diferenças com a idade mais se fazem sentir, na qual o desempenho dos mais velhos é tido como inferior. De facto, apesar da magnitude das diferenças na idade variar consideravelmente de acordo com os distintos materiais usados nas diferentes tarefas de memória, as pessoas idosas tendem a demonstrar mais problemas com a memória episódica do que os jovens adultos. Um tipo específico de memória episódica é a memória prospectiva que envolve a recordação de informação para acções futuras (por exemplo, lembrar de tomar os medicamentos à noite ou de tirar o bolo do forno a tempo). Normalmente, as pessoas mais velhas tendem a revelar desempenhos inferiores às mais jovens em tarefas de memória prospectiva desenvolvidas em laboratório. Os resultados mais interessantes produzemse quando a memória prospectiva é analisada fora do laboratório. Possivelmente porque as pessoas idosas estão mais motivadas, os resultados são bem mais optimistas do que os dos estudos tradicionais. O facto dos idosos revelarem piores desempenhos que os mais jovens em tarefas de memória a curto e a longo prazo parece estar relacionado com as estratégias que 23

44 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência empreendem para codificar e recuperar a informação. A investigação tem indicado que muitos idosos não empregam espontaneamente determinadas estratégias (por exemplo, não empregam técnicas mnemónicas) para facilitar a codificação e processamento da informação, contrariamente aos mais jovens. Todavia, quando lhes são dadas instruções no sentido de empregar certas estratégias de codificação (por exemplo, utilizar estratégias de organização da informação a níveis de processamento mais profundos ), as diferenças entre jovens e idosos esbatem-se. No tocante à recuperação da informação existem duas estratégias fundamentais: a recordação (recall) que consiste na capacidade para recuperar um fragmento de informação; o reconhecimento (recognition) que implica a identificação de um dado fragmento de informação. A investigação revela que os idosos têm menos dificuldades em tarefas de reconhecimento do que em tarefas de memória que implicam a recordação da informação. Existe a crença comum de que as pessoas idosas têm dificuldades em recordarse de acontecimentos recentes, mas não de eventos do seu passado: por exemplo, acredita-se que as pessoas idosas tendem a recordar coisas que aconteceram durante a sua adolescência e juventude com mais frequência e intensidade que a acontecimentos que tiveram lugar na meia-idade. É o denominado ponto alto das recordações ou reminiscence bump, tendência que os idosos têm para recordar mais os acontecimentos que ocorreram quando tinham entre 1 e 3 anos de idade. As explicações para este facto residem em que essa é a altura de algumas das vivências mais marcantes e significativas da vida dos indivíduos (as primeiras relações amorosas, a saída de casa dos pais, a constituição de uma nova família, a entrada no mercado de trabalho). A ideia subjacente é que qualquer acontecimento que seja emotivo e pessoalmente significativo reúne todos os requisitos para permanecer intacto na nossa memória. Resta, por fim, salientar o papel que a metamemória (isto é, o conhecimento e as crenças que as pessoas têm acerca da sua própria memória) assume no funcionamento mnésico. Os estudos neste âmbito indicam que as pessoas idosas acreditam ter mais problemas de memória que as mais jovens, consideram-se menos eficazes e manifestam uma menor confiança relativamente às suas possibilidades para melhorar a eficácia da sua memória. Quanto à aprendizagem, até à década de 6, admitia-se um declínio significativo na capacidade de aprender, associado à idade avançada. Até aí, não se prestava a devida atenção a dois aspectos fundamentais: a própria natureza da aprendizagem; e os factores não cognitivos passíveis de a afectar (Simões, 1982). 24

45 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência Actualmente, a investigação neste âmbito caracteriza-se, justamente, por enfatizar cada um destes aspectos. No que respeita à natureza da aprendizagem, Botwinick (1973, citado por Walsh, 1983) acentua a diferença entre aprendizagem como um processo interno e performance como um acto externo. O observador poderá ver apenas o acto e não o processo. Simões (1982) argumenta que a ser verdade que a aprendizagem tem de ser inferida da performance, também se constata que nem sempre esta reflecte a aprendizagem. Uma fraca performance pode dever-se a factores não cognitivos como a falta de motivação ou de auto-confiança. Quando existe informação disponível sobre estes factores, as inferências que se retiram acerca da aprendizagem, tendem a ser mais correctas (Walsh, 1983); na verdade, factores como estes fazem com que a performance não reflicta adequadamente a aprendizagem. Segundo esta perspectiva, as pessoas idosas podem aprender tão bem como os jovens mas, devido a factores não cognitivos, são incapazes ou sentem-se relutantes em demostrar o que aprenderam (Walsh, 1983). Por outro lado, Schaie e Willis (1991, p. 344) sublinham o facto de, com a idade, aumentar o tempo necessário para a aquisição de nova informação: «one variable known to affecting old learners more than young ones is the pace of learning - the speed with which the task must be performed». Explica-se, assim, que os investigadores se tenham voltado para o estudo dos factores não cognitivos da aprendizagem. Considerando algumas investigações neste domínio, Simões (1982) resume algumas das conclusões que se poderão tirar: as diferenças de performance entre jovens e idosos parecem, em parte, explicáveis com base nos factores não cognitivos. No entanto, só em parte explicam tal diferença, uma vez que os resultados dos idosos continuam inferiores aos dos mais jovens. Saliente-se, ainda, que estas experiências de aprendizagem se realizaram em laboratório, afastando os idosos da sua vida real. Nesta óptica, parecerá plausível a hipótese de que a diferença de performance se atenuaria ou talvez mesmo se invertesse, se as tarefas de aprendizagem tivessem mais significado para os idosos Personalidade A questão da estabilidade ou da mudança na personalidade à medida que se envelhece tem sido alvo de um grande interesse por parte dos investigadores da psicologia do envelhecimento. Um dos aspectos mais abordados tem sido o de conhecer até que ponto o processo de envelhecimento é responsável por possíveis 25

46 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência mudanças nos distintos traços que constituem a personalidade. Eis as principais ideias que alimentam este debate (Simões, 1982; Reedy, 1983; Ruth, 1996; Lima; 1999; Montorio & Izal, 1999; Belsky, 21; Ryff, Kwan & Singer, 21; Schaie & Willis, 22; Spar & La Rue, 25). O Estudo de Kansas City sobre a vida adulta, liderado por B. Neugarten da Universidade de Chicago, no início dos anos 5, mediante uma metodologia transversal e emprego de técnicas projectivas (TAT), indicava a ocorrência de um aumento no traço da introversão na velhice. Além disso, as pessoas mais velhas revelavam maior preocupação acerca da própria vida e menos implicação emocional com o mundo externo, dando lugar à polémica Teoria do Desligamento, segundo a qual é normal e adequado que as pessoas idosas se afastem do mundo exterior. Todavia, estes resultados não foram corroborados quando se empregou uma metodologia longitudinal. Foi o que aconteceu com os trabalhos de Costa e McCrae (Costa & McCrae, 1988; McCrae & Costa, 199) no Estudo Longitudinal de Baltimore, onde através do Inventário de Personalidade NEO (NEO-PI que avalia os cinco grandes factores: extroversão, neuroticismo, abertura à experiência, conscienciosidade e amabilidade), se constatou que estas dimensões da personalidade são comuns a todos os sujeitos e se mantêm estáveis durante a vida adulta. Desta forma, a velhice não teria efeitos sobre a personalidade, surgindo esta como uma estrutura homogénea, cujos aspectos estáveis predominam sobre os que se modificam durante a vida. No fundo, estes resultados vêm contrariar alguns dos estereótipos frequentemente associados à idade avançada: se, à medida que envelhecem, as pessoas se tornam, por um lado, infantis e emocionalmente instáveis, e, por outro, conservadoras, rígidas e introvertidas, então deveria encontrar-se pontuações mais elevadas no neuroticismo e mais baixas na abertura à experiência e extroversão, respectivamente. Todavia, os resultados do estudo de Baltimore e dos outros que se lhe seguiram contrariam esta ideia. Estes resultados constituem um forte argumento face às imagens sociais comuns que encaram os idosos como seres isolados e resistentes a novas experiências. Não obstante, a estabilidade básica nos traços de personalidade parece ser sensível a acontecimentos e situações da vida. Sob uma perspectiva contextualista da personalidade, a investigação tem procurado perceber como é que as pessoas idosas enfrentam e se adaptam a situações difíceis da vida. A maioria dos estudos sugere a existência de diferenças associadas à idade no tocante à forma de enfrentar o stresse. A par com o facto de que alguns acontecimentos que as pessoas idosas experienciam são menos susceptíveis de mudança (por exemplo, uma doença 26

47 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência crónica ou a viuvez), na velhice tende a empregar-se estratégias de coping mais centradas nas emoções, por oposição a estratégias de acção instrumental directa. Esta evidência tem sido atribuída, por um lado, a efeitos geracionais e, por outro, à existência de uma forma de adaptação a novas situações próprias da idade avançada, em que há a necessidade de se modificarem as estratégias de coping quando as anteriores deixam de ser úteis. Em jeito de síntese, a evidência disponível acerca da mudança/estabilidade da personalidade devido ao processo de envelhecimento indica uma tendência para a estabilidade com o passar do tempo, no âmbito da abordagem dos traços. Simultaneamente, é provável que as características da personalidade variem consoante as diferentes gerações na medida em que cada coorte se encontra num contexto particular de desafios e exigências nas sucessivas etapas da sua vida, bem como através de análises da personalidade utilizando constructos mais dinâmicos O envelhecimento social Paralelamente às alterações biológicas e psicológicas que ocorrem com o envelhecimento, associam-se as transformações a nível dos papéis sociais, exigindo capacidade de ajustamento ou adaptação às novas condições de vida. À semelhança de outras etapas do transcurso humano, a velhice é um período onde ocorrem algumas modificações, habitualmente representadas pela literatura gerontológica como perdas. Mais ainda, são frequentemente representadas como «estreitamentos dos espaços de vida» (Fisseni, 1976, citado por Barreto, 1988) e como sinais premonitórios de novas perdas. Convém salientar que a perda de alguns papéis sociais não é necessariamente sentida pelo sujeito como algo de negativo, que acarreta inevitavelmente estados de tristeza e de insatisfação com a vida, mas que pode ser vivida como um simples desenrolar de transformações com as quais o indivíduo interage de modo satisfatório. A velhice caracteriza-se então pela mudança de papéis e, frequentemente, pela perda de alguns deles, sendo a mais evidente a perda do papel profissional que ocorre no momento da reforma. Também nas esferas familiar e comunitária se dão algumas transformações como as que se descrevem de seguida. 27

48 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Reforma A reforma marca a perda de determinados papeis sociais activos (principalmente, o profissional) e apresenta-se como um marco de entrada na velhice, sobretudo porque o estatuto de reformado é associado à perda de importância social e de poder em sociedades fortemente marcadas por regras económicas e orientadas para e pelo produtivismo, onde quem não produz não é considerado como socialmente útil. A reforma implica, ainda, a diminuição dos rendimentos económicos, a perda de oportunidade de contactos sociais (que deverão ser substituídos), e uma maior quantidade de tempo livre (Seco & Cardoso-Allen, 1988; Levet, 1995; Montorio & Izal, 1999; Belsky, 21). Todas estas situações vão exigir que o sujeito se reinvente, reformulando valores, rotinas, objectivos e energias. Por norma, aquele que trabalha procura ser bem sucedido na carreira, ao passo que o reformado tende a centrar-se na vida familiar (até porque os contactos sociais se restringem, diminuindo a rede social) procurando apoio, amor e amizade. O grande desafio consiste então em reorganizar o quotidiano, descentrar a profissão e encontrar um papel que garanta a manutenção do sentido de utilidade (Sousa, Figueiredo & Cerqueira, 24). Uma sólida rede social, rendimentos económicos suficientes e um bom estado de saúde são factores que favorecem a edificação da nova fase. Todavia, o sucesso da adaptação pode ser ameaçado se a reforma for involuntária ou se coincidir com um acontecimento negativo (por exemplo, a morte do cônjuge) (Barreto, 1988; Montorio & Izal, 1999; Belsky, 21; Schaie & Wiilis, 22). Atchley (1976, citado por Schaie & Willis, 22) sugeriu que o processo de reforma pode ser visto como uma série de ajustamentos, representando cinco fases que não constituem, necessariamente, uma sequência de eventos pela qual todos os indivíduos terão de passar. O período de luade-mel começa logo a seguir à reforma, caracterizando-se pela euforia, em que a pessoa tenta fazer tudo aquilo que não teve tempo para realizar antes. Segue-se o período de descanso e relaxamento, durante a qual o reformado decide viver calmamente a nova condição. Poderá, então, existir um período de desencantamento, se as expectativas em relação à reforma não correm como o planeado ou se os planos são interrompidos por um acontecimento inesperado (por exemplo, o surgimento de uma doença). Durante um período de reorientação, enfrenta-se a nova condição e exploram-se novas formas de envolvimento, com o objectivo de desenvolver um conjunto real de opções, que confiram estrutura e rotina à reforma. A etapa final consiste no desenvolvimento de uma rotina estável e satisfatória. As fases de adaptação têm sido bem aceites na literatura, encontrando mesmo algum suporte empírico em estudos recentes (cf. Schaie & Willis, 22). 28

49 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência No que se refere especificamente às consequências da reforma, contrariamente àquilo que parece ser um mito, as pessoas não morrem quando se reformam, nem padecem de uma grave depressão. Belsky (21) apresenta alguns estudos onde não se verifica a produção de qualquer efeito da reforma sob a saúde ou o estado de ânimo. Por exemplo, Midanik et al. (1995, citados por Belsky, 21) constataram que os reformados se sentiam menos stressados e diziam que se ocupavam mais da sua saúde que o grupo de não reformados com que foram comparados. Schaie e Willis (22) referem alguns estudos onde não se encontrou qualquer efeito negativo da reforma sobre a saúde dos indivíduos nem o aumento do risco de morte. Resta acrescentar que algumas mudanças sociais e demográficas estão a alterar o contexto da reforma, mais concretamente, a idade da reforma tem vindo a diminuir (embora politicamente a tendência seja para se assistir a um novo aumento), o que, associado ao aumento de tempo de vida autónoma e independente, implica que as pessoas vivam mais anos após a reforma, activas e capazes. Deste modo, é cada vez maior o número de reformados que voltam ao mercado de trabalho remunerado ou arranjam outra ocupação a tempo parcial (produtive aging) (Sousa, Figueiredo & Cerqueira, 24) Relações familiares Na velhice verificam-se alterações na estrutura familiar, já que os filhos são adultos, abandonam o lar paterno e exigem outro tipo de atenção e apoio, como o cuidar dos netos, a ajuda económica e/ou doméstica. Com a saída dos filhos de casa ninho vazio - os pais enfrentam um novo desafio, entrando numa nova etapa do ciclo de vida familiar: a família pós-parental. Contudo, para a maioria dos pais, a saída dos filhos de casa não constitui uma experiência particularmente penosa, a maioria organiza-se construtivamente e alguns consideram mesmo que a sua vida muda para melhor: alívio de responsabilidades, mais tempo livre, possibilidade de estabelecer outro tipo de relação com os filhos, sensação de ter cumprido o dever de criar e educar os filhos (Montorio & Izal, 1999; Schaie & Willis, 22). O contacto com os filhos que vivem fora do lar paterno é frequente, caracterizado por um envolvimento diferente. No fim da vida, os filhos adultos constituem pilares de apoio para a maior parte dos idosos, talvez por isso a aproximação se sinta mais do lado dos progenitores, que sentem necessidade de apoio e têm mais tempo disponível, enquanto os filhos vivem os constrangimentos profissionais e assumem as responsabilidades de criar e educar os seus filhos (Sousa, 29

50 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Figueiredo & Cerqueira, 24). Por esta razão, os filhos adultos são apelidados de geração sanduíche, uma vez que se vêm entalados numa série de papéis a desempenhar em simultâneo (pais, profissionais e cuidadores dos próprios pais). Apesar do contacto inter-geracional ser, por norma, sólido e próximo, especialmente entre mulheres (mães e filhas), a reciprocidade do apoio encontra-se presente, especialmente em situações de doença. Os filhos apresentam-se junto dos pais idosos como fonte de apoio emocional e instrumental e os idosos manifestam o sentimento de cuidar das gerações mais novas, assumindo o papel de avô. Ser avô é um dos sonhos da maioria das pessoas que se encontra na fase da velhice, este laço é sentido como a concretização do desejo de continuidade, proporciona a possibilidade de desempenhar uma multiplicidade de papéis e de estabelecer interacções significativas. Na verdade, avós e netos podem usufruir de uma relação que não é complicada por responsabilidades, obrigações e conflitos (como acontece entre pais e filhos). Todavia, o forte envolvimento dos avós pode gerar conflitos, particularmente, no que se refere a assuntos educativos e parentais. Os avós encontram-se perante duas normas contraditórias: não interferir (manter fronteiras) na educação que os seus filhos dão aos netos e a obrigação de fazer tudo para ajudar os filhos e os netos (Sousa, Figueiredo & Cerqueira, 24). No quotidiano da relação familiar, os avós podem desempenhar uma multiplicidade de papéis, nomeadamente (Bengtson, 1985, citado por Schaie & Willis, 22; Kornhaber, 1996): estabilizador, uma figura constante e presente em momentos de crise ou mudança na família, expressão da continuidade familiar e centro do contacto e encontros familiares; guardião da família, perante necessidade de cuidados e protecção ou apoio de retaguarda para dificuldades financeiras dos filhos; árbitro entre a segunda e a terceira gerações da família, atenuando as tensões, negociando conflitos e interpretando e traduzindo as acções da segunda geração para a terceira ( a tua mãe está apenas preocupada contigo ); historiador, ajudando a família a relacionar o seu passado com o presente e a compreender como é que evoluiu; professor, ensinando aquilo que sabe aos netos; mentor, mais do que transmitir competências, são pessoas que incendeiam a ambição e imaginação; estudante, aprendem e são inspirados pelos netos; parceiro, um secreto conspirador do neto, através de rituais secretos e divertimentos inofensivos; génio, já que têm um poder de satisfazer os desejos dos netos; herói, alguém com coragem e força ( o meu avô é capaz de... ); modelo, pois as suas atitudes, comportamentos e opiniões exercem impacto nos netos; feiticeiro, como um contraponto imaginativo e mágico do quotidiano das tarefas; guia espiritual, visto poderem libertar-se mais do quotidiano, podem ligar-se mais ao espiritual. 3

51 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência No que diz respeito às relações conjugais, o facto mais interessante é que, no fim da vida, a família volta a ter a composição inicial: o casal sozinho (Relvas, 1996). Nesta fase tendem a exacerbar-se aspectos como a dependência e a proximidade entre os membros do casal. Efectivamente, os objectivos modificam-se, passando a valorizar-se aspectos mais expressivos, como dar cuidados e atenção. No entanto, a esta perspectiva deve associar-se outra, que encara o casal no fim da vida a reviver um conjunto de sentimentos que, ao longo da vida em comum, se foram manifestando, mas que eram dissipados por outras prioridades (Sousa, Figueiredo & Cerqueira, 24). A satisfação conjugal na velhice depende de alguns factores como a saúde ou estabelecimento de uma relação de dependência entre os cônjuges. A doença e a morte do cônjuge são motivos de mudança que obrigam a uma reestruturação dos padrões de funcionamento. A taxa de viuvez aumenta com a idade, sendo este incremento mais acelerado entre as mulheres, sobretudo por volta dos 7 anos de idade. A reacção emocional perante a morte do cônjuge é complexa, podendo incluir sentimentos de revolta, negação, alívio e culpa; frequentemente, tem lugar uma sintomatologia depressiva que, não obstante, tende a desaparecer no prazo de um a dois anos. Em determinadas circunstâncias (por exemplo, problemas de saúde ou isolamento social), a viuvez pode levar ao desenvolvimento de processos mórbidos graves e, inclusive, à morte (Montorio & Izal, 1999). Outras relações familiares, como as fraternais, parecem intensificar-se na velhice. Nesta etapa, os irmãos readquirem um envolvimento, sempre sentido, mas limitado pelas circunstâncias dos outros momentos do ciclo de vida familiar. A maior disponibilidade de tempo, a aproximação do fim e a valorização das memórias da vida facilitam este reencontro entre os irmãos (Sousa, Figueiredo & Cerqueira, 24). A relação será mais próxima se associada a proximidade geográfica, boa saúde e, especialmente, quando envolve irmãs. Normalmente, trata-se de relações caracterizadas pela reciprocidade e onde o apoio funcional é relativamente baixo quando comparado com os níveis de solidariedade e afecto. Saliente-se que as relações positivas entre irmãos no fim da vida aumentam o bem-estar e os níveis de contacto mais íntimos encontram-se associados à diminuição da incidência de depressão (Sousa, Figueiredo & Cerqueira, 24) Redes sociais Para muitos idosos, a rede social é sinónimo de família, sendo os seus vínculos constituídos essencialmente por familiares multigeracionais (Litwin, 23). 31

52 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Frequentemente se assume que são estas redes familiares que dão resposta às necessidades do idoso. Obviamente, alguns idosos têm redes sociais mais diversificadas, onde os familiares coexistem a par com outro tipo de vínculos. Por norma, os membros da família são quem providencia os tipos de apoio para os quais são considerados como os únicos capazes, enquanto que os outros elementos da rede ampliam a provisão de suporte na forma que unicamente se ajusta às suas capacidades (Litwin, 23). Assim, por exemplo, os familiares podem prestar apoio emocional a longo prazo, enquanto que os vizinhos podem ajudar no que toca às questões instrumentais que requerem atenção imediata. Existem também idosos cujas rede sociais pessoais não contemplam qualquer familiar, seja porque nunca casaram, ou porque nunca tiveram filhos ou irmãos, ou em resultado de conflitos e afastamentos que marcam as relações familiares. Nestes casos, as redes sociais são pautadas por relações de não-parentesco (amigos, vizinhos e conhecidos). Antonucci (21), numa perspectiva desenvolvimentista coextensiva à duração da vida, afirma que o tamanho da rede social ao longo do tempo é importante porque tem sido demonstrado que as pessoas com redes mais alargadas obtêm mais apoio nos momentos de doença. Tem sido, igualmente, demonstrado que o apoio informal em momentos anteriores da vida implica menos declínio a nível da saúde em momentos mais tardios (Choi & Wodarski, 1996, citado por Antonucci, 21). Em geral, observa-se que o tamanho das redes sociais e das trocas de suporte social diminuem com a idade. Actualmente, questiona-se esta ideia, pelo seu carácter demasiado simplista. Efectivamente, investigações com amplas amostras representativas indicam que existem relativamente poucas mudanças nas relações sociais ao longo da vida. Por exemplo, dados do Berlin Aging Study revelam uma considerável estabilidade na rede social das pessoas idosas até muito tarde (Baltes & Mayer, 1999). Apesar de poder ser verdade que o número total de relações sociais entendidas enquanto o amplo complexo de factores e interacções interpessoais que caracterizam as trocas sociais entre as pessoas (Antonucci, 21) diminui com a idade, o número de relações sociais próximas e a quantidade de suporte emocional são relativamente estáveis até a uma idade muito avançada (Due et al., 1999). E sabe-se, actualmente, que os relacionamentos mais próximos são os que mais fortemente se associam ao bem-estar (Antonucci, 21). De acordo com a Teoria da Selectividade Socioemocional preconizada por Carstensen (1992), as pessoas seleccionam activamente as relações nas quais desejam investir e das quais obtêm maior satisfação. A autora argumenta que, à medida que as pessoas envelhecem, tendem a desinvestir em relações que sentem menos importantes. Contudo, há que salientar que a partir dos 8 anos de idade, das 32

53 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência pessoas consideradas como mais íntimas e próximas, poucas serão as que ainda estão vivas. Além disso, estas relações são tão próximas e resistem há tanto tempo que dificilmente serão substituídas. A solidão está associada à temática da redução das redes sociais. Trata-se de um conceito que se interliga fortemente (e frequentemente se confunde) com o de isolamento social e viver só (Sousa, Figueiredo & Cerqueira, 24): a presença de uma vasta rede social não significa necessariamente a existência de relações próximas ou a ausência de solidão; viver sozinho não é sinónimo de estar sozinho ou de solidão; nem todos os que vivem sozinhos estão isolados, embora a maioria dos isolados vivam sós. Victor et al. (2) definiram quatro combinações entre isolamento social e solidão: nem solitário nem isolado; isolado mas não solitário; solitário mas não isolado; isolado e solitário. Além disso, relacionaram solidão e isolamento social com recursos do idoso e acontecimentos de vida. Por exemplo: as pessoas que vivem sós são mais vulneráveis à solidão; solidão e isolamento são mais comuns entre os muito idosos (devido a factores como a deterioração da saúde); as mulheres tendem a sentir mais solidão e isolamento (talvez por terem maior facilidade em assumi-la). 2. Envelhecimento e Dependência A maioria das pessoas idosas encontra-se funcional e não apresenta limitações a nível da realização das actividades de vida diária. Porém, a investigação tem demonstrado a estreita relação entre dependência e idade: ou seja, a percentagem de indivíduos que apresentam limitações na capacidade funcional aumenta ao se considerar coortes populacionais de idades mais avançadas, principalmente depois dos 75 ou 8 anos (Walker, 1999; Marín & Casasnovas, 21; Sousa & Figueiredo, 23). À medida que se envelhece, a impossibilidade de realizar de forma independente algumas actividades do quotidiano acontece devido a dois motivos que não se excluem: a dependência pode ser originada por uma ou, geralmente, várias doenças crónicas; pode ser o reflexo de uma perda geral das funções fisiológicas atribuível ao processo global de senescência (Manton et al., 1997, citado por Marín & Casasnovas, 21). No primeiro caso, por exemplo, situam-se todos aqueles indivíduos cuja incapacidade funcional deriva de processos crónicos fortemente associados à idade: doenças cardiovasculares, tumores malignos, doenças do foro mental, doenças do aparelho músculo-esquelético (artrite, 33

54 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência osteoporose) e respiratório. A segunda razão, relaciona-se com a perda de vitalidade que experimentam a maioria dos organismos com a idade. Não obstante, o importante é perceber que ambas (doenças crónicas e processo de senescência) só surgem e provocam problemas de dependência em algumas pessoas de idade avançada. A explicação para este fenómeno reside numa série de variáveis de carácter social e ambiental (para além dos factores genéticos) que condicionam o surgimento e desenvolvimento dos factores precipitantes da dependência, explicando a variabilidade inter-individual existente. No senso comum e, até, na literatura prevalece a ideia de que o aumento da esperança de vida não tem sido acompanhado de um aumento da qualidade de vida e de saúde (cf. Berger & Mailloux-Poirier, 1995). De facto, a prevalência de doenças crónicas (por exemplo, cardiovasculares, hipertensão, reumatismo, diabetes, doenças mentais) também aumentou substancialmente e as suas consequências incapacitantes reflectem-se mais quando a população vive mais tempo. Cabe então perguntar se o aumento da esperança de vida tem tido como contrapartida negativa um aumento da probabilidade de passar esses anos adicionais numa situação de dependência. Esta questão suscitou uma grande celeuma teórica no início da década de oitenta, dando origem a duas teorias com visões opostas (Marín & Casasnovas, 21). Uma dessas teorias, designada por Teoria da Compressão da Morbilidade (Fries, 1983, citado por Marín & Casasnovas, 21; Fries, 1993) postula que a adopção de estilos de vida mais saudáveis e os avanços da tecnologia médica levaram ao aumento da esperança de vida, mas também permitiram que as doenças crónicas e as incapacidades funcionais passassem por um processo de compressão (isto é, se manifestassem durante períodos de tempo cada vez mais curtos antes da morte). Ou seja, o autor argumenta que, devido à melhoria dos cuidados de saúde, a sociedade actual está a afastar a doença e a incapacidade para uma fase mais tardia da vida (Fries, 1993). Esta conclusão decorre da formulação de uma hipótese fundamental: a vida humana tem um limite biológico que ronda os 85 anos de idade. Isto quer dizer que teremos um maior período da nossa vida livre de incapacidades, ao qual se seguirá um breve período de incapacidades antes da morte. A outra teoria, denominada Teoria da Expansão da Morbilidade (Kramer, 198, citado por Marín & Casasnovas, 21), reconhece que as mudanças nos estilos de vida proporcionam uma redução no risco de se vir a sofrer de doenças mortais. Contudo, advoga que tais transformações não se repercutem no início ou na progressão na maioria das doenças degenerativas associadas ao envelhecimento. Deste modo, sustenta que o principal efeito do avanço dos tratamentos médicos é o de prolongar 34

55 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência a vida daqueles que sofrem de doenças crónicas, sem que isso resulte em ganhos de saúde consideráveis. Portanto, neste caso, a redução das taxas de mortalidade levará ao prolongamento do tempo durante o qual as doenças crónicas e a incapacidade funcional se poderão manifestar. Apesar de ainda não haver consenso, Salvage (1995) considera que existem fortes probabilidades de que um aumento na esperança de vida signifique períodos mais longos de incapacidade e dependência para as pessoas idosas Incapacidade, (in)dependência e autonomia: definição de conceitos Estima-se, actualmente, que 8% das pessoas com 65 anos de idade ou mais padecem, pelo menos, de uma doença crónica e, para muitos, a presença de duas ou mais condições complicam o plano de cuidados (Benjamin & Cluff, 21). Nalguns casos, como por exemplo na hipertensão, está provado que o tratamento médico é benéfico. Noutras situações, nomeadamente no acidente vascular cerebral, a capacidade funcional do indivíduo poderá ser melhorada através da reabilitação. Noutros casos ainda (artrites, por exemplo) as ajudas técnicas como as canadianas ou o andarilho, poderão ser de grande utilidade para a manutenção de um certo nível de independência no idoso. Quer se revista de carácter físico ou mental (ou de ambos), a doença crónica é uma das maiores causas de incapacidade, significando a perda de independência e, muitas vezes, da própria autonomia. Autonomia, (in)dependência e incapacidade são conceitos distintos, mas que muitas vezes se confundem e são usados indiscriminadamente. Cabe então tecer algumas considerações acerca do que cada um destes conceitos pretende significar. Baltes e Sivelberg (1995) definem a autonomia como a capacidade do indivíduo em manter o seu poder de decisão, ao passo que dependência significa um estado em que a pessoa é incapaz de existir de maneira satisfatória sem a ajuda de outrem. Assim, a autonomia refere-se à capacidade de decisão, comando, faculdade de se governar a si próprio e de se reger por leis próprias. Evans (1984, citado por Paschoal, 2) afirma que, para um idoso, a autonomia é mais útil que a independência como um objectivo global, pois é possível restabelecê-la, mesmo quando o indivíduo continua dependente. Por exemplo, um sujeito com fractura do colo do fémur, que ficou limitado a uma cadeira de rodas, poderá exercer plenamente a sua autonomia, apesar de não ser totalmente independente. 35

56 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência De uma forma geral, a dependência traduz-se na necessidade de apoio para a realização de actividades da vida diária, para se ajustar e relacionar com o meio. O Conselho da Europa (1998) define a dependência como a necessidade de ajuda ou assistência importante para as actividades de vida diária ou, mais concretamente, como um estado em que se encontram as pessoas que por razões ligadas à perda de autonomia física, psíquica ou intelectual, têm necessidade de assistência e/ou ajudas importantes a fim de realizar os actos correntes da vida diária e, de modo particular, os referentes ao cuidado pessoal. Esta definição encerra a existência de três factores para se poder falar de dependência: a existência de uma limitação física, psíquica ou intelectual que compromete determinadas capacidades; a incapacidade para realizar por si as actividades de vida diária; a necessidade de assistência ou cuidados por parte de terceiros. Esta perspectiva é coerente com a nova classificação de incapacidades da Organização Mundial de Saúde (OMS, 23), denominada Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) e que propõe o seguinte esquema conceptual para interpretar as consequências das alterações da saúde: Défice na funcionalidade (substitui o termo deficiência, tal como se utilizava na anterior classificação): é a perda ou anomalia de uma estrutura ou de uma função anatómica, fisiológica ou psicológica. Restrição da actividade (substitui o termo incapacidade ): restrição ou perda de capacidade para exercer actividades consideradas normais para o ser humano, em consequência de um défice no funcionamento. Restrição da participação (substitui o termo desvantagem ): desfasamento entre as limitações surgidas, na sequência de um défice no funcionamento e/ou restrição da actividade, e os recursos a que o indivíduo tem acesso, ficando em desvantagem no que se refere a um papel social considerado normal. Embora o conceito de dependência se sobreponha muitas vezes ao de incapacidade, eles não são sinónimos. Por exemplo, o indivíduo que sofre de uma diminuição da acuidade auditiva pode ser incapacitado mas, mesmo se sofrer uma limitação da função, não haverá necessariamente dependência. A dependência pode então entender-se como o resultado de um processo que se inicia com o surgimento de um défice no funcionamento corporal em consequência de uma doença ou acidente. Este défice comporta uma limitação na actividade. Quando esta limitação não se pode compensar mediante a adaptação 36

57 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência do meio, provoca uma restrição na participação que se concretiza na dependência da ajuda de outras pessoas para realizar as actividades de vida diária. A evidência empírica tem demonstrado uma estreita relação entre dependência e idade, pois a percentagem de indivíduos com limitações funcionais aumenta nos grupos populacionais mais idosos. Todavia, a dependência percorre toda a estrutura de idades da população, podendo ocorrer em qualquer momento da vida: pode estar presente desde o nascimento; desencadear-se como consequência de uma doença aguda ou acidente na infância, juventude ou vida adulta; ou, mais frequentemente, ir aparecendo à medida que as pessoas envelhecem, como consequência de doenças crónicas ou como reflexo de uma perda geral nas funções fisiológicas, atribuível ao processo global de senescência. Paschoal (2) chama a atenção para a presença da dependência ao longo de todo o curso de vida, não sendo um atributo da velhice. Por exemplo, a dependência pode aparecer em situações de crise (por exemplo, viuvez, divórcio, desemprego, guerra), pode ser um traço de personalidade de indivíduos que se considerem fracos e necessitados de ajuda, depende do contexto cultural e normativo e das expectativas sociais (por exemplo, os chineses têm receio de que não tenham filhos ou familiares para cuidarem deles na velhice, já os norte-americanos têm medo de ficar dependentes dos filhos quando envelhecerem). O conceito de dependência encerra em si mesmo três noções fundamentais (Lezaun & Salanova, 21): a multidimensionalidade, a multicausalidade e a multifuncionalidade. A multidimensionalidade evoca que a dependência engloba múltiplos domínios: mental, físico, económico, social, assim como a sua combinação. A noção de multicausalidade revela que a dependência não é sinónimo de velhice: nem todos os idosos são dependentes e há muitos dependentes que não são idosos. A nível funcional, e tendo em conta a concepção intrinsecamente negativa que a dependência apresenta nas sociedades ocidentais, esta não tem que assumir apenas uma única função nem o carácter de irreversibilidade com que muitas vezes é perspectivado. A dependência pode revestir-se de uma função adaptativa ou fazer parte do processo de adaptação (por exemplo, a criança, ao longo do seu desenvolvimento, atravessa estádios de dependência) Dependência: Questões metodológicas Uma das questões fundamentais é perceber como é que um indivíduo é considerado dependente. Uma pessoa dependente será aquela que durante um 37

58 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência prolongado período de tempo necessita da ajuda de outra pessoa para realizar determinadas actividades do quotidiano. A dependência tem sido avaliada pelo método de avaliação funcional, bastante conhecido e aplicado na prática geriátrica. A funcionalidade tem sido definida como a capacidade de um indivíduo se adaptar aos problemas e exigências do quotidiano e é avaliada com base na capacidade e autonomia de execução das actividades de vida diária (AVD) (Botelho, 2; Caldas, 23) que, por sua vez, se subdividem em: a) actividades básicas da vida diária (incluem cuidados com a higiene pessoal, vestir, alimentar-se, mobilidade); b) actividades instrumentais da vida diária, indicativas da capacidade para levar uma vida independente no seio da comunidade, como realizar as tarefas domésticas, fazer compras, utilizar os meios de transporte, administrar os medicamentos, gerir os rendimentos; c) actividades avançadas da vida diária, caracterizadas por acções mais complexas e, em grande parte, ligadas à automotivação, como o trabalho, actividades de lazer, exercício físico e contactos sociais. Saliente-se que estas últimas não fazem parte da avaliação funcional multidimensional. Assim, desde os trabalhos pioneiros de Katz et al. (1963, citado por Marín & CasasNovas, 21) e de Lawton & Brody (1969, citado por Marín & CasasNovas, 21), no momento de determinar se uma pessoa é ou não dependente considera-se se ela necessita de ajuda para realizar dois grupos distintos de actividades: as actividades básicas de vida diária (AVD) e as actividades instrumentais de vida diária (AIVD). Outra dimensão a necessitar de operacionalização centra-se em saber quão dependente é um indivíduo. Conhecer o grau de incapacidade funcional dos sujeitos dependentes é fundamental, pois ajuda a determinar os cuidados necessários. Em termos metodológicos, o grau de dependência tem sido avaliado através de escalas de capacidade funcional. A partir dos trabalhos pioneiros de Katz et al. (1963) e Lawton e Brody (1969) desenvolveram-se diversas metodologias cujo objectivo é conseguir um índice que permita medir (em unidades) o diferente grau de dependência que existe entre os indivíduos com limitações funcionais. De acordo com Marín e Casasnovas (21), as distintas escalas existentes não só procuram obter uma medida da dependência, como proporcionam um conjunto limitado de categorias, obtidas a partir do índice elaborado, que ajudam a classificar os indivíduos dependentes. Segundo Ruigómez e Alonso (1996, citado por Marín & Casasnovas, 21), grande parte destas escalas foram concebidas para que a avaliação funcional seja de utilidade no âmbito clínico (por exemplo, para avaliar a evolução dos pacientes). De um modo geral, a dependência tem sido classificada em três níveis: ligeira, moderada ou severa. O idoso com baixa dependência necessita apenas de 38

59 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência supervisão ou vigilância, já que possui alguma autonomia e consegue realizar determinadas actividades da vida diária. O idoso com dependência moderada necessita não só de supervisão como também de apoio de terceiros para o desempenho de algumas actividades específicas. Finalmente, o idoso com dependência severa necessita de ajuda permanente no seu quotidiano, quer isto dizer que não tem capacidade para executar um determinado conjunto de tarefas elementares: por norma, trata-se de pessoas acamadas ou com graves restrições da mobilidade e que, muitas vezes, possuem outras incapacidades associadas, como por exemplo, dificuldades a nível do controlo esfíncteriano Envelhecimento e demência Nos casos em que a integridade da capacidade cognitiva é seriamente afectada pela prevalência de uma doença que acarreta estados demenciais, a complexidade da prestação de cuidados tende a aumentar dramaticamente. Cuidar de um idoso com demência tem sido reconhecido como uma das maiores fontes de stresse para os prestadores informais de cuidados (Jani-Le Bris, 1994; Salvage, 1995; Parks & Novielli, 23), podendo ser mais difícil do que cuidar de um idoso com dependência física (Birkel & Jones, 1989) ou cancro (Clipp & George, 1993). A demência tem efeitos complexos no paciente e seus familiares: priva a pessoa da memória, capacidade de raciocínio, personalidade, autonomia e independência, retirando à família um membro de modo particularmente penoso; os familiares, para além de irem assistindo à deterioração cognitiva, emocional e física do familiar doente (por si só, emocionalmente esgotante), têm de introduzir alterações nos papéis familiares e nos estilos de vida à medida que vão assumindo cada vez mais responsabilidades. As vivências mais difíceis para a família centram-se nas mudanças que ocorrem na pessoa demente: alterações da personalidade, perda de memória, défices comunicacionais, comportamento perturbador e imprevisível (Aneshensel et al., 1995; Cohen & Eisdorfer, 21; Hay, 21; Pickard & Glendinning, 21). A demência impõe necessidades pessoais, sociais e médicas, associadas à supervisão constante nas actividades diárias. À medida que a incapacidade cognitiva aumenta, os doentes com demência vão necessitar de ajuda no processo de tomada de decisões e no planeamento da sua vida. Dado o carácter esmagador destas responsabilidades, cuidar de um idoso demenciado associa-se a níveis elevados de depressão, ansiedade e irritação, fraca saúde percebida e uso elevado de drogas 39

60 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência psicotrópicas (Dura, Kiecolt-Glaser & Stukenberg, 1991; Baumgarten et al., 1994; Schulz et al. 1995; Aneshensel et al., 1995; Cohen & Eisdorfer, 21). A natureza da demência causa reacções emocionais ambivalentes e confusas no cuidador. É complicado conviver com alguém fisicamente parecido com um familiar querido, que outrora se conheceu, mas que numa perspectiva relacional é completamente diferente e perdeu a capacidade de realizar as mais simples tarefas. Todas as situações do quotidiano podem levar a um combinação poderosa de sentimentos de amor e raiva, ternura e rejeição (Cohen & Eisdorfer, 21). Segundo Ory et al. (1999) o impacto da tarefa de cuidar de um idoso dependente é superior nos cuidadores de idosos com demência do que sem demência. Os primeiros têm mais problemas de saúde física e mental, menos tempo livre e de lazer, mais conflitos familiares e mais problemas profissionais. É por esta ordem de razões que, frequentemente, os cuidadores informais são apelidados de hidden patients ( pacientes ocultos ), já que também necessitam de ajuda externa e de apoio no sentido de incrementar a sua própria saúde e bem-estar Definição de demência: diagnóstico e causas O conceito de demência tem variado ao longo dos anos. No início do século XX era considerado como um estado de deterioração intelectual crónica devido a lesões cerebrais específicas. Kraepelin (191, citado por IMSERSO, 22) diferenciou a demência senil pura da demência arteriosclerótica. Posteriormente, foram-se diferenciando processos demenciais individualizados como a doença de Alzheimer ou a doença de Pick. Em 1955, Roth (citado por IMSERSO, 18) descreve a demência como uma deterioração global em todos os aspectos do funcionamento mental, incluindo memória, inteligência geral, atributos emocionais e aspectos distintos da personalidade. Esta definição ignora aspectos como a severidade, reversibilidade ou etiologia do quadro demencial. Actualmente, a demência associa-se conceptualmente a uma síndrome, de etiologia multifactorial e com uma larga constelação de sintomas. A demência é então a expressão clínica de uma vasta variedade de entidades patológicas. Qualquer patologia neurológica ou mesmo sistémica que implique uma modificação estrutural/funcional extensa do córtex cerebral pode manifestar-se, teoricamente, como uma síndroma demencial (Santana, 25). Assim, a demência é definida como uma síndrome evidenciado na deterioração global das funções cognitivas, de carácter orgânico, que origina uma desadaptação 4

61 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência social do indivíduo, sem alteração do nível de consciência (Baztán & Rexach, 22). O termo deterioração indica um transtorno adquirido numa pessoa com funções cognitivas conservadas previamente. O impacto é global, pois existem múltiplos défices cognitivos que indicam perturbação difusa do cérebro. Excluem-se do conceito de demência as alterações que são expressão de lesões cerebrais focalizadas, como o surgimento isolado da afasia ou amnésia. As funções cognitivas alteradas são: memória, linguagem, praxias, gnosias, orientação temporal e espacial, atenção, cálculo, capacidade executiva, pensamento e capacidade de juízo e abstracção (Skoog, Blennow & Marcusson, 1996; Cohen & Eisdorfer, 21; Hay, 21; Baztán & Rexach, 22). Para serem definidas como demência, estas alterações devem ser persistentes no tempo e revestir-se de gravidade suficiente de forma a interferir na funcionalidade do indivíduo (Hay, 21; Baztán & Rexach, 22). Convém salientar que demência e deterioração cognitiva não são sinónimos. Toda a demência implica uma deterioração das funções cognitivas, porém qualquer deterioração cognitiva não é, em si, uma demência. O quadro 1.5 define o conceito de demência proposto pela Associação Americana de Psiquiatria (DSM-IV). Quadro 1.5 Características de diagnóstico da Demência, segundo o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (4.ª Ed.) DSM-IV A. O desenvolvimento de défices cognitivos múltiplos manifestados tanto por: (1) Diminuição da memória (diminuição da capacidade para aprender nova informação ou recordar informação previamente aprendida). (2) uma (ou mais) das seguintes perturbações cognitivas: (a) afasia (perturbação da linguagem) (b) apraxia (diminuição da capacidade para desenvolver actividades motoras apesar da função motora permanecer intacta) (c) agnosia (incapacidade de reconhecer ou identificar objectos apesar de a função sensorial permanecer intacta) (d) perturbação na capacidade de execução (isto é, planeamento, organização, sequenciamento e abstracção) B. Os défices cognitivos nos critérios A1 e A2 podem causar deficiências significativas no funcionamento social ou ocupacional e representam um declínio significativo em relação a um nível prévio de funcionamento C. Os défices não ocorrem exclusivamente durante a evolução de um delirium. Adaptado de APA (1996) 41

62 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência De acordo com a APA (1996), o constructo de demência é semelhante tanto no DSM-IV como na ICD-1 (ou seja, uma deficiência da memória além de uma diminuição noutras capacidades cognitivas), embora nesta última, os critérios sejam definidos de uma forma mais apertada em diversos sentidos: a duração mínima da perturbação é de seis meses, os défices adicionais limitam-se à deterioração no julgamento e no pensamento e no processo geral de informação, e pode também haver um declínio no controlo emocional ou motivação ou alteração no comportamento social (1996, 143) Uma vez concluído o diagnóstico de demência, há que perceber se o quadro demencial é ou não reversível. Existe o potencial de reversibilidade em 5% a 3% dos casos (Luders & Storani, 2; Cohen & Eisdorfer, 21), daí que a precocidade do diagnóstico seja fundamental, uma vez que: mesmo quando passíveis de tratamento, as condições curáveis podem transformar-se em processos irreversíveis se não forem diagnosticadas (Luders & Storani, 2; Cohen & Eisdorfer, 21; Hay, 21); mesmo se a demência for irreversível, o diagnóstico precoce permite a intervenção e tratamento precoces, possibilitando a pacientes e suas famílias uma melhor posição para lidar com o impacto da demência (Cohen & Eisdorfer, 21). As demências primárias (isto é, não reversíveis) são responsáveis por mais de metade dos casos de demência (Santana, 25). A origem da síndrome demencial irreversível pode residir em várias causas, mas as principais são a doença de Alzheimer (DA) seguida pela demência vascular (Skoog, Blennow & Marcusson, 1996; Hay, 21; Navarro, 22). Além disso, principalmente entre os idosos mais velhos, a demência decorre da combinação de várias causas (por exemplo, co-existência da DA e demência vascular), conhecida como demência mista (Skoog, Blennow & Marcusson, 1996; Hay, 21). As doenças responsáveis pela demência podem ser classificadas segundo diferentes abordagens: de acordo com a localização no cérebro do processo patológico (por exemplo, demência subcortical, frontotemporal); segundo a doença subjacente (por exemplo, DA, demência vascular). De acordo com Skoog, Blennow e Marcusson (1996), a maioria dos sistemas de classificação resultam da combinação destas perspectivas. No quadro 1.6, as demências são agrupadas em degenerativas primárias, vasculares, secundárias e outras. São, ainda, subdivididas pela localização dominante do processo patológico, de acordo com a Swedish Consensus Conference (Conferência Sueca para o Consenso). 42

63 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência Quadro 1.6 Causas de demência Demências degenerativas primárias Demências vasculares Demências secundárias Outras Predomínio Frontotemporal. Doença de Pick. Degeneração frontotemporal de tipo não-alzheimer. Esclerose amiotropica lateral com demência. Doença de Alzheimer atípica. Formas hereditárias Predomínio temporopariental. Doença de Alzheimer de início precoce. Demência senil do tipo de Alzheimer. Doença de Alzheimer hereditária. Síndroma de down com demência do tipo de Alzheimer. Demência traumática do tipo de Alzheimer Predomínio subcortical. Doença de Huntington. Paralisia supranuclear progressiva. Síndroma de Shy-Drager. Demência com esclerose múltipla. Gliose subcortical progressiva. Doença de Hallervorden- Spatz Cortical. Demência por enfartes múltiplos. Enfartes estratégicos. Demência por hipovolémia Subcortical. Lacunar status. Doença de Binswanger. Lesões da substãncia branca. Demência por hypoxia isquémica Outras. Tipos mistos. Arteropatias Hidrocefalia de pressão normal Distúrbios metabólicos Deficiências nutricionais Intoxicações Infecções. Doença de Creutzfeldt-Jakob. Borrelia. Neurosifilis. SIDA. Outras infecções Tumor cerebral Trauma. hematoma subdural. Boxing Outras Tipos mistos Outras. Doença de Parkinson com demência Adaptado de Skoog, Blennow e Marcusson (1996) Assim, a demência de predomínio frontotemporal (por exemplo, doença de Pick) apresenta um quadro clínico de mudanças na personalidade, declínio na iniciativa e uma ligeira perturbação da memória. A demência de predomínio temporoparietal (por exemplo, DA) evidencia-se pela apraxia, agnosia e perturbação da memória. A demência de predomínio subcortical (por exemplo, doença de Parkinson) salienta-se pelo retardamento motor e sintomas extrapiramidais (Skoog, Blennow & Marcusson, 1996). As doenças degenerativas primárias são originadas pela neurodegeneração que primeiramente afecta o sistema nervoso central (SNC). Estas perturbações são geralmente progressivas e destroem os neurónios e outras células do SNC. As demências vasculares são provocadas por perturbações no sistema cardiovascular 43

64 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência (por exemplo, acidente vascular cerebral) (Skoog, Blennow & Marcusson, 1996). Na origem das demências secundárias estão perturbações de etiologia conhecida, reversível ou tratáveis, e perturbações que não afectam primeiramente o SNC, mas que podem levar à demência se o cérebro for afectado (Skoog, Blennow & Marcusson, 1996) Alterações psicológicas e comportamentais na demência As alterações psicológicas não cognitivas, frequentemente excluídas da definição de demência, têm um impacto importante no paciente e seus familiares. Estes sintomas encontram-se presentes nas formas mais frequentes de demência (como por exemplo, a DA) e, muitas vezes, são os primeiros sintomas manifestos da doença. Tendem a constituir a causa da institucionalização do idoso demente, pois levam o cuidador a um estado de sobrecarga. Curiosamente são os sintomas da demência que melhor respondem às intervenções terapêuticas, de natureza psicofármacológica ou não (ADI, 1999a; Baztán & Rexach, 22). Segundo a Alzheimer Disease International ADI (1999a), existe actualmente uma grande quantidade de termos para descrever estas características, que consistem numa variedade de sintomas psiquiátricos e de alterações do comportamento. O termo empregue para as diferenciar dos aspectos cognitivos da demência (por exemplo, perda da memória, alteração na linguagem) é características não cognitivas. Jentoft (22) agrupa os sintomas psicológicos e de comportamento na demência em dois grupos: sintomas de comportamento, referentes aos passíveis de identificação mediante a observação do paciente (por exemplo, agressividade física ou verbal, comportamentos alimentares e sexuais inadequados, desinibição, gritos, agitação, insónia, movimentos repetitivos, perguntas repetitivas); e sintomas psicológicos identificáveis mediante entrevista com o paciente ou seus cuidadores (nomeadamente, alucinações, ansiedade, ideias delirantes, depressão). Apesar de não existir uma classificação consensual, cada um destes grupos consta de vários sintomas e o quadro 1.7 ilustra as alterações não cognitivas comuns, bem como a sua prevalência. 44

65 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência Quadro 1.7 Prevalência na demência de alterações psiquiátricas e comportamentais Sintomas psiquiátricos Alterações na personalidade 1% Depressão 25-65% Alucinações (visuais e auditivas) 15-2% Paranóia 3% Erros de identificação/reconhecimento 2% Manias 2% Alterações no comportamento Agressão (física ou verbal) 2-3% Agitação Mais de 8% Deambular 25% Desinibição sexual 1% Incontinência (predominantemente urinária) 5-6% Aumento do apetite 5-1% Gritos 5% Fonte: ADI (1999a) A ausência de consenso na definição destes sintomas implica que os estudos epidemiológicos careçam da precisão desejável, reflectindo-se nas amplas diferenças encontradas (Burns, Jacoby & Levy, 199; Allen & Burns, 1995; Jentoft, 22). Todavia, estes sintomas surgem de forma irregular ao longo da doença, por isso a sua prevalência varia em função da causa e fase da demência, do ambiente em que vive o paciente e de outros factores (ADI, 1999a; Jentoft, 22). Por exemplo, a depressão é mais susceptível de aparecer na fase inicial da demência, enquanto os sintomas psicóticos predominam na fase moderada (Jentoft, 22). Na fase severa salientam-se os sintomas de comportamento e nas etapas terminais todos os sintomas psicológicos e comportamentais tendem a atenuar-se (Jentoft, 22). O tipo de demência parece interferir na presença dos diferentes sintomas não cognitivos, embora estas diferenças ainda não tenham sido detalhadamente estudadas (Jentoft, 22). Por exemplo, a depressão parece ser mais frequente na demência vascular que na DA, apesar de tal não estar ainda confirmado. Têm sido apontadas várias razões para justificar as causas destes sintomas não cognitivos da demência. As transformações biológicas cerebrais têm sido apontadas como as causas mais prováveis, alguns estudos estabeleceram uma correlação entre a presença destes sintomas e as mudanças estruturais ao nível do cérebro (Forstl et al., 1992). Uma outra teoria defende que estas características são uma extensão dos défices cognitivos que ocorrem com a demência, ou seja, são uma consequência inevitável da demência (ADI, 1999a). Finalmente, outra abordagem sugere que tais características são reacções naturais das pessoas demenciadas à sua situação, ao perceber que estão a perder as suas capacidades (ADI, 1999a; Hay, 21). 45

66 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Severidade, epidemiologia e factores de risco da demência De acordo com os critérios estabelecidos na DSM-III-R, a demência ligeira é acompanhada de um evidente declínio da capacidade intelectual, comprometendo as capacidades sociais e ocupacionais do indivíduo, mas permitindo que mantenha uma vida independente. Na demência moderada, o indivíduo necessita de supervisão diária e, na demência severa, de supervisão contínua (Skoog, Blennow & Marcusson, 1996). Como salientam Skoog, Blennow e Marcusson (1996), por vezes, a distinção entre a demência ligeira e o processo normal de envelhecimento é complexa. As pequenas diferenças nos critérios de diagnóstico podem gerar largas diferenças nas taxas de prevalência da demência ligeira, podendo variar entre os 2% e os 5% em idades superiores aos 65 anos (Skoog, Blennow & Marcusson, 1996). Além disso, a existência de ideias preconcebidas e estereotipadas acerca do processo de envelhecimento podem levar a subestimar a prevalência da demência, sobretudo em idades mais avançadas. Existe, pois, uma sobreposição entre o quadro clínico da demência ligeira e o processo normal de envelhecimento e esta sobreposição é também evidente no tocante às mudanças cerebrais que acompanham determinadas doenças demenciais específicas. Por exemplo, as mudanças que tipicamente se observam no cérebro de um sujeito com a DA (isto é, placas senis e tranças neurofibrilhares) também podem ser encontradas em grandes proporções nos idosos como um processo de envelhecimento normal, sobretudo nos muito idosos. Apesar dos estudos epidemiológicos acerca da prevalência da demência apresentarem ligeiras diferenças nos resultados, em virtude dos métodos utilizados, eles evidenciam um notável aumento na prevalência da demência com a idade (ADI, 1999b). Ferri et al. (25) numa importante revisão da literatura existente entre 198 e 24 acerca da prevalência da demência, nas diferentes regiões do mundo, observaram esta tendência. O quadro 1.8 apresenta os dados estimados, organizados de acordo com as catorze regiões geográficas propostas pela OMS (AMRO [Américas], EURO (Europa), EMRO [Norte de África e Médio Oriente], AFRO [Áfica], SEARO [Sul da Ásia] e WPRO [Pacífico Ocidental]) e com os padrões de mortalidade infantil e adulta (desde A [a mais baixa] até E [a mais elevada]). Como se percebe pela leitura do quadro 1.8, a prevalência da demência aumenta com idade, em todas as regiões consideradas, sendo os grupos etários mais envelhecidos aqueles onde o predomínio da demência adquire percentagens mais significativas. 46

67 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência Quadro 1.8. Prevalência estimada da demência (%) para cada região e grupo etário Grupos etários Regiões EURO A EURO B EURO C AMRO A AMRO B AMRO D EMRO B EMRO D WPRO A WPRO B SEARO B SEARO D AFRO D AFRO E Fonte: Ferri et al. (25, 2114) Relativamente à prevalência da demência segundo o género, alguns estudos têm destacado que a doença de Alzheimer é mais comum entre o sexo feminino (Jorm, Korten & Henderson, 1987; Lopes & Bottino, 22), ao passo que a demência por enfartes cerebrais múltiplos é mais corrente nos homens (Jorm, Korten & Henderson, 1987). Quanto à prevalência mundial da demência no futuro, as projecções apontam para um aumento em dobro a cada vinte anos: de 24.3 milhões em 21 para 42.3 milhões em 22, e 81.1 milhões em 24 (quadro 1.9). Apesar da prevalência ser superior nos países mais desenvolvidos, é na China e nos seus países vizinhos que se verifica o maior número de pessoas com demência (6 milhões), seguida pela Europa Ocidental com 4.9 milhões e a América do Norte com 3.4 milhões. As projecções para o aumento em número das pessoas com demência indicam que as diferentes regiões do globo se podem agrupar em três grupos distintos: regiões desenvolvidas que começam com um número elevado, mas que irão sofrer um aumento proporcional moderado (cerca de 1% entre 21 e 24); América Latina e África que partem de um número mais reduzido, mas que irão assistir a um rápido e exponencial aumento (235% a 393%); e países como a Índia ou a China cujo ponto de partida se caracteriza por um número elevado de casos de demência, mas que irão experienciar um rápido incremento (314% a 336%). 47

68 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Quadro 1.9 Número de pessoas com demência em 21, projecções para 22 e População* com 6 anos (21) 24, e aumento percentual Prevalência estimada (%) c/ 6 anos Incidência anual estimada por 1 Novos casos* por ano, Número de pessoas com demência, c/ 6 anos Aumento proporcional (%) do n.º de casos Europa Ocidental (EURO A) Europa Leste (EURO B) Europa Leste (EURO C) América Norte (AMRO A) América Latina (AMRO B/D) Nor. África e M Oriente (EMRO B/D) Pacífico Ocid. (p desenvolvidos) (WPRO A) China e Pacífico Ocidental (p. em desenvolvimento) (WPRO B) Indonésia, Tailândia e Sri Lanka (SEARO B) Índia e Sul da Ásia (SEARO D) Africa (AFRO D/E) TOTAL * milhões Fonte: Ferri et al. (25, 2115) Relativamente à prevalência da demência em idades extremas (9 anos e mais), as opiniões divergem criando alguma controvérsia: por um lado, ao encarar-se a demência como uma variante extrema do processo normal de envelhecimento, considera-se que todos desenvolverão uma demência se viverem o suficiente; por outro, existe a hipótese do risco de desenvolver uma demência seja menor e possa até decrescer em idades extremas (Jorm, 1991). Esta última possibilidade sugere que os idosos que vivem mais tempo se encontram mais preparados para ultrapassar as doenças normalmente associadas ao processo de senescência. Tratar-se-á, por assim dizer, de uma espécie de sobrevivência do mais forte, pois por algum motivo ainda desconhecido, alguns sujeitos resistem melhor à passagem do tempo do que outros. As possibilidades de sofrer de demência podem ser influenciadas por uma diversidade de factores, mais ou menos conhecidos, que podem interagir. Nenhum destes aspectos designados por factores de risco é, por si só, o causador da doença. Por exemplo, nem todo aquele que fuma sofrerá de uma doença coronária e nem todo aquele que padece de uma doença destas é (ou foi) um fumador; no entanto, fumar é considerado um importante factor de risco para este tipo de doenças. 48

69 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência A investigação tem vindo a identificar factores de risco e factores protectores relativos à demência ou a doenças que causam sintomas demenciais. A ADI (2) sintetiza essas variáveis: a) Idade. A demência pode ocorrer em qualquer idade, mas é raro surgir antes dos 6 anos. Ocorre, aproximadamente, em 1% das pessoas entre os 65 e os 69 anos e em 24% daqueles com 85 anos de idade ou mais. Todavia, desconhece-se se o incremento nas taxas de demência se deve apenas ao envelhecimento do cérebro ou a outros acontecimentos ou doenças mais comuns com o avançar da idade. b) Género. A maioria das investigações não revela diferenças significativas entre homens e mulheres relativamente à prevalência total da doença. Todavia, alguns estudos demonstram que as mulheres têm mais probabilidades de sofrer de DA, já que a sua esperança média de vida é mais longa. Por seu turno, os homens apresentam maiores taxas de demência causada pela demência vascular. c) História familiar e factores genéticos. Em geral, quando a demência ocorre antes dos 6 anos de idade, pode pensar tratar-se de uma doença hereditária. O papel dos factores genéticos no desenvolvimento tardio de uma demência (isto é, depois dos 6 anos) ainda não é claro. Os parentes em primeiro grau (filhos, irmãos ou irmãs) de uma pessoa com DA, por exemplo, têm três a quatro vezes mais probabilidades de a desenvolver, quando comparados com pessoas sem parentes afectados pela doença. Por outro lado, os estudos realizados sobre o gene apolipoproteína E (APOE) revelam tratar-se de um potente factor de risco para o desenvolvimento de uma futura DA. Todavia, importa salvaguardar que a maioria das pessoas com história familiar positiva ou com o gene de risco APOE não contraem a DA. d) Educação. Os estudos indicam que a demência, em particular a DA, é menos comum em pessoas com níveis educacionais mais elevados. Todavia, não se sabe se tal se deve à educação per se ou a outros factores relacionados com a mesma, como por exemplo, a inteligência fluída ou os rendimentos económicos do sujeito. e) Acidente Vascular Cerebral (AVC) e doenças vasculares. A demência desenvolve-se em aproximadamente um terço das pessoas que sobrevivem aos três meses após um AVC. Quem sofre de doenças que afectam a circulação (tais como hipertensão e diabetes) têm um risco superior de desenvolver demência. f) Tabaco. As pessoas que fumam assumem um risco superior de contrair doenças coronárias e AVCs e alguns estudos têm sugerido que correm maior risco de padecer de demência. 49

70 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência g) Álcool. Os sujeitos que consomem quantidades excessivas de álcool durante um longo período de tempo podem, a par com outros problemas de saúde, desenvolver uma demência. Tal pode dever-se aos efeitos nocivos do excesso de álcool no cérebro ou à falta de vitaminas nas pessoas que bebem muito. Actualmente, estuda-se a associação entre níveis de consumo moderado e o risco de demência, em particular se o consumo regular de uma pequena quantidade de álcool pode inclusivamente resultar num factor protector. h) Medicação anti-inflamatória e terapia hormonal de substituição. Alguns estudos sugerem que as pessoas que tomam medicação anti-inflamatória correm menos risco de desenvolver DA. Além disso, indicam que as mulheres que fazem a terapia hormonal de substituição, após a menopausa, têm menos probabilidades de desenvolver DA. Possivelmente, estes medicamentos inibem o progresso dos processos da DA, mas também podem chegar a actuar na redução do risco de um maior dano vascular para o cérebro. Actualmente, a investigação tenta perceber se estes medicamentos actuam como factores protectores da demência. i) Depressão. As pessoas idosas que sofrem de depressão correm um maior risco de vir a sofrer de demência. Porém, ainda se desconhece se a depressão é um factor de risco ou simplesmente um sintoma inicial da demência. j) Outros problemas de saúde. A demência pode ser causada por algumas infecções (por exemplo, a sífilis ou o SIDA), por deficiências em algumas vitaminas (nomeadamente, a vitamina B12, ácido fólico ou tiamina) e por outras doenças que afectam o cérebro (tais como, a doença de Parkinson, a doença de Hungtington, a doença de Creutzfeldt-Jakob, a esclerose múltipla). Além disso, a demência pode ainda ocorrer concomitantemente com algumas doenças físicas severas como uma bronquite crónica ou um cancro avançado. Apesar de, nos últimos anos, se ter assistido a uma evolução substancial na identificação dos possíveis factores de risco da demência, existe ainda um longo caminho por percorrer. A maioria dos factores mencionados anteriormente continua a ser alvo de investigação. Também se está a investigar o papel de outros factores menos conhecidos ou estabelecidos, designadamente, a dieta, o exercício físico e as exposições ao meio ambiente. 5

71 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência Doença de Alzheimer e Demência Vascular Como se afirmou anteriormente, a causa mais comum de demência irreversível é a doença de Alzheimer, que pode ser responsável por até 75% de todos os casos de demência (Hay, 21). A outra causa principal é a demência vascular, provocada por problemas no sistema cardiovascular. Os restantes casos resultam de outras patologias, nomeadamente, SIDA, esclerose múltipla, doença de Huntington, doença de Wilson, doença de Pick, doença de Parkinson, doença de corpos difusos de Lewy, síndroma de Down, doença de Creutzfeldt-Jakob, síndroma de Gerstmann-Straussler- Scheinker, entre outras (APFADA, 1999; Hay, 21; Instituto da Segurança Social, 25). Dada a importância que a doença de Alzheimer e a demência vascular assumem no contexto das causas da demência, far-se-á de seguida uma breve descrição acerca do conceito e principais características destas duas doenças. Doença de Alzheimer O incremento da longevidade nos países industrializados, converteu a doença de Alzheimer (DA) num dos principais problemas de saúde. Estima-se que existam entre 15 a 2 milhões de doentes de Alzheimer em todo o mundo (Pfizer, 24). A sua prevalência aumenta rapidamente com a idade, a partir dos 6 anos, com racios de incidência que duplicam cada 5 anos até, pelo menos, aos 85 anos de idade (Navarro, 22). Trata-se de uma doença cerebral irreversível, que ocorre de forma gradual e produz a perda de memória, mudanças comportamentais e de personalidade, e deterioração do pensamento. Trata-se do protótipo de demência degenerativa cortical, isto é, clinicamente provoca uma demência que se acompanha de perturbações cognitivas como a linguagem, as praxias e as gnosias, sintomas estes que predominam ao longo de toda a evolução da doença. O início da DA ocorre geralmente após os 65 anos de idade, embora a sua manifestação em idades anteriores não seja rara. No entanto, a doença não pode ser considerada como consequência inevitável do processo de envelhecimento, embora com o avançar da idade a sua incidência se intensifique consideravelmente (ISS, 25). A DA afecta cada pessoa de modo diferente. Os sintomas poderão ser melhor compreendidos no contexto de três etapas do seu desenvolvimento (ADI/WHO, 1994): etapa inicial, intermédia e tardia. Saliente-se que esta divisão serve como orientação 51

72 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência para perceber o progresso da doença, para ajudar os cuidadores a estarem atentos a potenciais problemas e para permitir o planeamento de futuras necessidades. Não obstante, cada pessoa viverá o progresso da doença de forma diferenciada e distinta. A etapa inicial é, muitas vezes, incorrectamente interpretada por profissionais, familiares e amigos como algo normal no processo de envelhecimento. Dado que se trata de uma doença de carácter gradual, a identificação do momento exacto do seu início torna-se difícil. A pessoa pode ter dificuldades com a linguagem, apresentar significativa perda de memória (em particular, da memória recente), desorientar-se no tempo e no espaço, ter dificuldade em tomar decisões, carecer de iniciativa e motivação, manifestar sinais de depressão e agressividade, perder o interesse por actividades e divertimentos. À medida que a doença avança, os problemas vão-se tornando mais evidentes e restritivos. Assim, na etapa intermédia, a pessoa pode tornar-se muito esquecida (especialmente acerca de episódios recentes e nomes das pessoas), incapaz de viver sozinha e de desempenhar as actividades de vida diária (instrumentais e básicas), tornar-se extremamente dependente, demonstrar acentuada dificuldade na fala, começar a deambular, a perder-se na própria casa e a ter alucinações. A etapa tardia caracteriza-se pela total dependência e inactividade. Os problemas de memória são muito graves e a deterioração física é evidente. A pessoa pode ter dificuldades em se alimentar, não reconhecer familiares, amigos e objectos conhecidos, não entender e interpretar situações, ter dificuldades em caminhar, apresentar incontinência urinária e fecal, comportar-se de forma inapropriada em público, andar numa cadeira de rodas ou estar acamada. Quanto ao diagnóstico da DA, os critérios mais utilizados são os estabelecidos pelo National Institute of Neurological and Communitive Disorders and Stroke e a Alzheimer s Disease and Related Disorders Association (NINCDS-ADRDA). Estes critérios classificam a DA em três níveis de certeza diagnóstica: possível, provável e definitiva. O diagnóstico definitivo requer a presença de manifestações clínicas de DA provável e confirmação histológica através de biopsia ou necropsia (quadro 1.1). 52

73 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência Quadro 1.1 Critérios de diagnóstico da Doença de Alzheimer (NINCDS-ADRDA) Doença de Alzheimer provável 1. Demência estabelecida por exame clínico, documentado por um teste tipo MMSE, Blessed e confirmado por testes neuropsicológicos 2. Défice em duas ou mais áreas cognitivas 3. Deterioração progressiva da memória e outras funções cognitivas 4. Sem alteração da consciência 5. Início entre os 4 e os 9 anos de idade, mais frequente depois dos Ausência de outras doenças sistémicas ou neurológicas que poderiam explicar os défices progressivos O diagnóstico é apoiado por: 1. Deterioração de funções cognitivas específicas: afasia, apraxia, agnosia 2. Incapacidade para desenvolver as actividades de vida diária e alterações comportamentais 3. História familiar, particularmente se confirmada neurologicamente 4. Resultados de laboratório: exames de liquor (LCR) normal, EEG normal ou com alterações inespecíficas, TC com evidência de atrofia Doença de Alzheimer possível 1. Síndroma de demência na ausência de outras doenças neurológicas, psiquiátricas ou sistémicas que podem causar uma demência, com variações no início ou no decurso 2. Na presença de outra doença sistémica ou neurológica potencialmente geradora de demência, a qual não seja considerada como a causa da mesma Doença de Alzheimer definitiva 1. Cumprir os critérios de doença de Alzheimer provável 2. Evidência histopatológica obtida por biopsia ou necropsia. Adaptado de Gregorio (21) De acordo com Gregorio (21), na definição clínica da DA deverão ser analisados vários elementos, nomeadamente: a DA provável é uma síndrome clínica com diversas etiologias, se cada mutação é considerada como uma causa distinta, então pode considerar-se que diferentes etiologias produzem um mesmo fenotipo clínico; a síndrome é definida em função de critérios de inclusão, mais que numa aproximação de exclusão; os critérios NINCDS-ADRDA apresentam uma grande heterogeneidade clínica em termos de idade de início, perfil de anomalias cognitivas, forma de progressão e manifestações comportamentais associadas; não se incluem marcadores biológicos nem de neuroimagem; o início da doença é insidioso e o curso é gradualmente progressivo, o que sugere que a doença pode estar presente durante longos períodos de tempo sem que o paciente e, sobretudo, os familiares consultem os especialistas. Quanto aos factores de risco da DA, o quadro 1.11 resume aqueles que têm sido mais firmemente estabelecidos na literatura médica: 53

74 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Quadro 1.11 Factores de risco da doença de Alzheimer 1. Forma familiar de DA a) Cromosoma 21 b) Cromosomas 14 e 1 2. Outros factores genéticos a) História familiar de DA b) Apolipoproteína E4 c) Outras alterações genéticas 3. Processos ligados ao envelhecimento a) Stresse oxidativo b) Factores vasculares 4. Factores ambientais a) Traumatismo craneoencefálico b) Exposição a estrogéneos c) Exposição a anti-inflamatórios 5. Outros factores de risco a) Género b) Educação c) Tabaco Adaptado de Navarro (22) Demência vascular O conceito e interpretação que se tem dado à demência vascular tem variado ao longo do tempo, desde as primeiras perspectivas baseadas na deterioração, na diminuição da perfusão cerebral pela arteriosclerose dos vasos, até ao modelo dos múltiplos enfartes (a demência vascular surge na sequência de uma série de pequenos acidentes vasculares cerebrais que deixam áreas de células cerebrais mortas, conhecidas por zonas de enfarte). Actualmente, o conceito de demência vascular abrange todo um espectro de lesões relacionadas com a isquemia cerebral e na sua origem podem residir várias causas, tais como: os enfartes múltiplos, hemorragia cerebral hereditária com amiloidose, atrofia cortical granular, encefalopatia hipertensiva, angiopatia cerebral amiloide (Skoog, Blennow & Marcusson, 1996). A demência vascular surge como resultado da falta de irrigação sanguínea de pequenas áreas do cérebro que provoca a morte das células nestas zona com o surgimento da lesão cerebral permanente (ADI/WHO, 1994; Hay, 21). No tocante à sintomatologia, o primeiro sinal evidente é, normalmente, a perda da memória recente. Geralmente, a doença progride de forma escalonada, em que a função mental se vai deteriorando; apesar de poder estabilizar e, inclusive, melhorar 54

75 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência durante algum tempo, acaba por voltar a deteriorar-se. São comuns episódios de confusão aguda. Nas etapas iniciais da doença existe, geralmente, um maior grau de consciência da perda de capacidades e uma relativa conservação da personalidade, quando comparada com a DA (ADI/WHO, 1994). Relativamente ao diagnóstico, existem vários critérios propostos por diferentes centros e organizações, de entre os quais os mais utilizados, para além da DSM-IV e ICD-1, são os critérios da NINDS-AIREN (National Institute of Neurorological Disorders and Stroke) (quadro 1.12) e da ADDTC (State of California Disease Diagnostic and Treatment Center) (quadro 1.13) (Vicente, 22). Quadro 1.12 Critérios de diagnóstico da demência vascular - NINDS-AIREN Demência vascular provável 1. Existência de critérios clínicos para a demência 2. Presença de doença cerbrovascular definida como a existência de focalidade neurológica (hemiparesia, paralisia facial, sinal de Babinski, défice sensitivo e disartria) derivada de acidente vascular cerebral e confirmada por neuroimagem 3. Relação temporal entre os dois critérios anteriores Demência vascular definitiva 1. Critérios clínicos para demência vascular provável 2. Evidência histopatológica em tecido de biopsia ou autópsia de doença cerebrovascular 3. Ausência de um número de novelos neurofibrilhares e placas neuríticas em excesso relativamente ao esperado para a idade 4. Ausência de qualquer outro processo clínico ou patológico que curse com demência Adaptado de Vicente (22) Quadro 1.13 Critérios de diagnóstico da demência vascular - ADDTC Demência vascular provável 1. Presença de demência 2. Evidência de dois ou mais acontecimentos isquémicos, indícios neurológicos, ou estudos de neuroimagem ou a presença de um único enfarte com associação temporal com o início da demência 3. Evidência neurorradiológica de pelo menos um enfarte fora do cerebelo Demência vascular definitiva 1. Evidência clínica de demência 2. Confirmação anatomopatológica de enfartes múltiplos, alguns fora do cerebelo Adaptado de Vicente (22). No que respeita aos factores de risco, a ideia mais generalizada é considerar que os factores de risco para a demência vascular são os mesmos que para a doença cerebrovascular. Na década de 199, vários estudos procuraram estratificar e 55

76 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência diferenciar os factores de risco específicos para a demência vascular, resultando numa lista de factores que parecem associar-se ao surgimento da demência vascular (quadro 1.14) (Vicente, 22). Quadro Factores de risco da demência vascular Idade avançada Hipertensão AVC prévio Diabetes Mellitus Enfarte do miocárdio Fibrilação auricular Consumo excessivo de alcool Nível educacional baixo Sexo masculino Hábito tabágico Doença carotídea Alelo APOE4 Adaptado de Vicente (22) 2.3. Envelhecimento, dependência, respostas de apoio e cuidados familiares O envelhecimento populacional que se verifica por todo o mundo constitui um fenómeno recente e representa uma das mais notáveis mudanças demográficas na história da humanidade. Trata-se de uma conquista da humanidade as sociedades têm agora o luxo de envelhecer (Bengtson et al., 23), mas as consequências para as nações, governos e indivíduos, constituem um motivo de preocupação presente um pouco por todo o mundo. Por exemplo, tem sido frequentemente declarado que o envelhecimento da população afectará a estabilidade económica da maioria dos países. Paralelamente o envelhecimento populacional afecta profundamente as 56

77 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência famílias: Quem irá cuidar do crescente número de muito idosos? Serão os governos estatais? Os próprios idosos? As suas famílias? Esta alteração na estrutura da população não se deve unicamente ao aumento da esperança de vida, mas ao declínio da mortalidade entre os jovens e os adultos de meia idade (Nazareth, 1999; Bengtson et al., 23). De facto, a melhoria da saúde pública, incluindo a educação e a promoção para a saúde, a melhoria das condições sociais, da nutrição e, mais recentemente, os avanços da medicina preventiva e curativa têm contribuído para a redução da taxa de mortalidade. Paralelamente à diminuição da mortalidade, verifica-se o declínio da fecundidade. Esgotado o período do baby boom, que decorreu entre o início dos anos 194 e os meados dos anos 196, uma forte regressão da fecundidade acentuou o processo de envelhecimento demográfico, no mundo desenvolvido em geral, e na Europa em particular. Segundo Nazareth (1999), este declínio levou a que os países europeus convergissem para um modelo praticamente uniforme de baixos níveis de fecundidade e não renovação das gerações. Este facto sugere que a prestação familiar de cuidados ao idoso dependente fica comprometida devido à diminuição do número de filhos, principais potenciais cuidadores. A combinação destes factores aumento da esperança de vida, declínio na mortalidade e declínio na fecundidade originou proporções cada vez mais crescentes de população idosa, tanto em países desenvolvidos como em vias de desenvolvimento. Durante o ano 2, a população idosa no mundo (65 anos e mais) conheceu um aumento de mais de 795 pessoas por mês e as projecções indicam que em 21 esse aumento ascenderá aos 847 idosos por mês (U.S. Bureau of the Census, 2, citado por Bengtson et al., 23). Apesar do continente europeu ser o mais envelhecido e o africano o mais jovem, a verdade é que o ritmo de envelhecimento populacional é actualmente mais acelerado nos países em vias de desenvolvimento (Bengtson et al., 23). Um fenómeno mais recente tem sido o do aumento da esperança de vida dos mais idosos, ou seja, não só a população em geral está a envelhecer como a própria população idosa está a envelhecer. Trata-se de um processo secundário de envelhecimento demográfico, por vezes apelidado como o envelhecimento dos idosos ( the aging of the aged ) e que está a acontecer gradualmente e em todo o mundo. Em muitos países, os idosos muito velhos (pessoas com 8 e mais anos de idade) constituem actualmente o grupo populacional em maior crescimento (Bengtson et al., 23). Entre 196 e 24, prevê-se que os países do centro e do norte da Europa assistam a um incremento de, pelo menos, 2% no grupo populacional das pessoas com 8 anos de idade ou mais (OCDE, 1996, citado por Bengtson et al., 23). 57

78 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Apesar dos progressos da ciência, e da medicina em particular, estas tendências demográficas predizem concomitantes aumentos no número de pessoas idosas com doenças crónicas, incapacidades e dependência. Apesar das perdas funcionais e incapacidades não serem necessariamente consequência do processo de envelhecimento, ambas tendem a aumentar com a idade como resultado de doenças crónicas subjacentes (Manton, 1989, citado por Aneshensel et al., 1995). Mais concretamente, menos de 3% da população abaixo dos 65 anos necessita de ajuda para levar a cabo uma ou mais actividades de vida diária. Contudo, esta percentagem aumenta com a idade, passando para: 9.3% - 65 e os 69 anos; 1.9% - 7 e os 74 anos; 18.9% - 75 e os 79 anos; 23.6% - 8 e os 84 anos; e 45.4% - 85 anos ou mais (U. S. Bureau Census, 199, citado por Aneshensel, 1995). Obviamente que o apoio que as pessoas idosas recebem, em caso de perda da sua autonomia e independência, por parte da família e/ou do Estado influencia e é influenciado por ideologias populares e governamentais daquilo que são as responsabilidades familiares. Claramente, existe uma complexa interacção entre tradições intergeracionais, expectativas, ideologia política e grau de providência formal (Salvage, 1995). Teoricamente, quando a capacidade funcional da pessoa idosa se encontra comprometida, distinguem-se quatro tipos de recursos: a família, ou seja, a prestação de cuidados é realizada por um membro da família (cônjuge, descendente ou outro parente, não sendo rara a intervenção articulada entre vários elementos da família); serviços formais ao domicílio, que compreendem uma diversidade de tarefas (designadamente, cuidados de higiene e conforto, confecção ou distribuição de refeições, higiene da habitação, apoio de saúde, companhia, acompanhamento ao exterior, entre outros) e funcionam com profissionais remunerados; as instituições, que incluem os hospitais que cumprem as funções de acolhimento e de tratamento a longo prazo (raramente, em unidades geriátricas, especializadas em idosos com doenças crónicas e outras dependências) e lares de idosos, que promovem o alojamento colectivo temporário ou permanente; e, finalmente, a prestação informal de cuidados por parte de vizinhos, amigos e/ou voluntários. Na realidade, a partilha e articulação entre estes quatro eixos não se baseia nas necessidades dos idosos, nem das suas famílias e também não funciona de acordo com a extensão e os tipos de apoio de que as famílias e as pessoas idosas necessitam (Jani-Le Bris, 1994). Os equilíbrios e desequilíbrios entre estes domínios são regulados em função das opções socio-políticas (ou da sua ausência) e de acordo com a ideologia da família, sendo ambas interdependentes (Dieck, 1991, citado por Jani-Le Bris, 1994). 58

79 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência O apelo à desinstitucionalização tem sido a tónica dominante das políticas europeias em matéria de apoio à pessoa idosa dependente. No entanto, as expectativas em relação à manutenção do idoso no seu meio situam-se em dois extremos (Jani-Le Bris, 1994; Salvage, 1995; Walker, 1999): por um lado, responsabilização da família, com desinvestimento (ou não investimento) do Estado, situação característica dos países do sul da Europa; por outro, responsabilização do Estado, com desresponsabilização (mas não desinvestimento) da família, predominantemente nos países nórdicos. Como se referiu, os serviços, as ajudas e os subsídios destinados às pessoas idosas e às respectivas famílias, sob a égide da manutenção do idoso no seu meio, parecem depender das expectativas existentes em relação à família, expectativas essas que variam substancialmente entre os diferentes países europeus. Na Dinamarca, por exemplo, nenhuma instância espera da família qualquer responsabilidade pela prestação de cuidados, já que esta cabe ao Estado e é este que a assume. Já em países como Portugal, Itália ou Espanha, espera-se que a família cumpra aquilo que é o seu dever, isto é, o de cuidar do seu familiar em caso de dependência. Esta noção de dever da família em assumir as responsabilidades dos cuidados a prestar à pessoa idosa, típica dos países do sul da Europa, está bem presente no estudo de Walker (1999), onde a institucionalização do idoso em lar, por exemplo, constitui a preferência dos países nórdicos, como a Suécia ou a Dinamarca (quadro 1.15). Quadro 1.15 Modo de apoio a um familiar incapacitado e dependente, 1998 (%) Viver comigo/com outro familiar Aproximação geográfica Ir para um lar de idosos Permanecer no domicílio e receber apoio Depende / Não sei Áustria Bélgica Dinamarca Finlândia França Alemanha Grécia Irlanda Itália Luxemburgo Holanda Portugal Espanha Suécia Reino Unido EU Fonte: Walker (1999, 29) 59

80 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência As variações entre os diferentes Estados Membros são bem evidentes no que diz respeito ao eixo norte/sul, enfatizando a manutenção de relações familiares próximas no sul e de relações de intimidade mas espacialmente distantes no norte. Quadro 1.16 Principal responsável pelo pagamento dos cuidados aos pais idosos, 1998 (%) As próprias pessoas idosas Filhos Estado / Comunidade Todos equitativamente Outros / Não sabe Áustria Bélgica Dinamarca Finlândia França Alemanha Grécia Irlanda Itália Luxemburgo Holanda Portugal Espanha Suécia Reino Unido EU Fonte: Walker (1999, 31) Uma vez mais, o quadro 1.16 confirma o elevado grau de responsabilidade sentido pela descendência familiar nos países do sul, contrariamente aos do norte, bem como a maior disponibilidade de alternativas de apoio existentes nos países nórdicos, particularmente na Escandinávia. Tem-se sugerido que enquanto que as pessoas idosas dos países do sul da Europa parecem preferir os cuidados prestados pela família, nos países do norte os idosos tendem a revelar uma preferência pelos serviços formais (OCDE, 1992, citado por Salvage, 1995). Todavia, os estudos que incidem sobre a preferência dos idosos sugerem que as pessoas idosas, de um modo geral, não desejam ir viver com as suas famílias. Aparentemente, preferem aquilo que tem sido designado como intimidade à distância, ou seja, eles querem estar de bem com os filhos, mas não querem contar com eles de uma forma tão directa (Finch, 1989, 29, citado por Salvage, 1995). Apesar da maioria das pessoas idosas manter a capacidade para cuidar de si próprias, o aumento da esperança de vida implica um aumento da necessidade de apoio e assistência. De facto, quando a pessoa idosa precisa de apoio, os estudos demonstram ser a família, um pouco por toda a Europa, a assumir o papel de prestação de cuidados (Jamieson, 1991; Jani-Le Bris, 1994; Walker, 1999; Mestheneos & Triantafillou, 25). Porém, a ideia que paira entre a comunidade científica é que a 6

81 Capítulo 1 Envelhecimento e Dependência disponibilidade dos prestadores informais de cuidados, em particular, a família, irá declinar futuramente. Tal ameaça deve-se às alterações demográficas (especialmente, ao declínio das taxas de fertilidade) e às transformações que têm ocorrido na estrutura familiar (diminuição de casamentos e nascimentos, casamentos e nascimentos mais tardios, generalização das uniões de facto, aumento dos divórcios e segundos casamentos, um aumento das famílias de educador único e de nascimentos fora do casamento) e à entrada crescente da mulher no mercado de trabalho (a quem, tradicionalmente, tem recaído a responsabilidade de cuidar dos familiares idosos). A parca oferta de ajudas eficazes destinadas às pessoas que têm a seu cargo familiares idosos, as dificuldades na sua obtenção, no seu desenvolvimento, encontram-se no centro da problemática para a qual é necessário o desenvolvimento de soluções, principalmente se pretender-se conservar este pilar de suporte. O capítulo que se segue debruçar-se-á sobre a caracterização dos actuais prestadores informais de cuidados, em especial dos cuidadores familiares, procurando traçar o seu perfil, conhecer as motivações que normalmente se associam à assunção dessa responsabilidade, quais as suas necessidades, qual o impacto da prestação de cuidados nas mais diversas esferas das suas vidas. Os cuidadores familiares serão aqueles que merecem mais destaque neste trabalho, já que, claramente, são em número superior e assumem o papel, normalmente, por períodos mais longos, exercendo mais e diversos tipos de cuidados. Aliás, como afirma Jani-Le Bris (1994, 23) a omnipresença da família neste domínio é largamente ignorada pelo grande público (incluindo as próprias pessoas que prestam os cuidados), que é induzido em erro por convicções estereotipadas de um descompromisso familiar face aos seus ascendentes. 61

82 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidados familiares de idosos

83 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência 64

84 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos Introdução Os termos cuidador informal ( informal caregiver ), prestador informal de cuidados ou cuidador familiar ( family caregiver ) têm constituído parte da literatura acerca da prestação de cuidados. Contudo, não existe unanimidade entre investigadores, políticos, profissionais, cuidadores e receptores de cuidados acerca do conceito de cuidador informal. Este capítulo procurará dar uma noção acerca da complexidade que estas expressões encerram. A importância que a família assume na prestação de cuidados ao idoso dependente é já sobejamente conhecida. Até na Dinamarca, país onde a oferta e rede de serviços formais de apoio é das mais alargadas e onde o Estado assume a maior parte da responsabilidade da prestação de cuidados, a família desempenha um papel importante no suporte à pessoa idosa em situação de dependência (Jamieson, 1991; Jani-Le Bris, 1994; Salvage, 1995; Walker, 1999; Mestheneos & Triantafillou, 25). A tradição cultural portuguesa atribui às famílias, particularmente, aos seus membros do sexo feminino, a responsabilidade de cuidar dos elementos mais idosos e com laços mais chegados. Deste modo, cuidar de parentes idosos apresenta-se como uma extensão dos papéis normais da família, o que, aliado a alguma hostilidade para com as instituições, pressiona a família no sentido de manter esse papel (Sousa, Figueiredo & Cerqueira, 24). Nos países do sul da Europa, a função de cuidador não é legalmente reconhecida, pois encara-se como uma obrigação familiar, dificultando o desenvolvimento de medidas que facilitem à família assunção desse papel com qualidade (Sousa & Figueiredo, 24; Mestheneos & Triantafillou, 25). O não reconhecimento formal dos cuidadores familiares é, também, visível nos países do norte da Europa, mas por razões diferentes: por exemplo, na Dinamarca, nenhuma instância, individual ou colectiva, espera da família qualquer responsabilidade pela prestação de cuidados, pois esta cabe ao Estado (Jani-Le Bris, 1994; Salvage, 1995; Mestheneos & Triantafillou, 25). No entanto, todo um conjunto de alterações demográficas tem vindo a modificar o panorama dos cuidados informais, através da diminuição do número de familiares disponíveis para prestar cuidados e do aumento do número de idosos a necessitar de apoio, pelo que cada vez mais, se terão de equacionar medidas que permitam às famílias continuar a cuidar dos seus parentes idosos. Saliente-se, ainda, a vasta complexidade do contexto da prestação de cuidados pela família, pois possui múltiplas facetas, ao abranger quase todas as esferas da vida: envolve, pelo menos, dois indivíduos, na sua complexidade psicológica; constitui um 65

85 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência relacionamento alicerçado em décadas de vida em comum (conjugal ou parental); enraíza-se nas tradições de cada sociedade, na sua cultura familiar, social e religiosa (Jani-Le Bris, 1994). Deste modo, cada situação de prestação de cuidados é única e singular, tem a sua história e inscreve-se numa trajectória individual e familiar. 1. Cuidar, cuidador informal e cuidador familiar 1.1 Definição de conceitos O conceito de prestação informal de cuidados ou, na expressão inglesa, caregiving encerra em si mesmo uma complexidade tal que tem despertado a atenção de alguns estudiosos acerca do seu verdadeiro significado. Prestar cuidados é percepcionado pela maioria das sociedades como uma das funções básicas da vida em família. Trata-se de uma actividade complexa, com dimensões psicológicas, éticas, sociais e demográficas, que também comporta os aspectos clínicos, técnicos e comunitários (Luders & Storani, 2). Squire (25) distingue três dimensões na prestação de cuidados: responsabilidade/tomar conta de alguém; satisfazer/responder às necessidades de alguém; e, sentir preocupação, interesse, consideração e afecto pela pessoa de quem se cuida. A literatura e a investigação sobre a prestação informal de cuidados tem operacionalizado este tipo de actividade como a provisão directa de serviços, nomeadamente o apoio com as actividades básicas de vida diária (ABVD) e as actividades instrumentais de vida diária (AIVD). Por exemplo, no estudo empreendido pela NAC/AARP (1997, 5), onde participaram 159 cuidadores familiares, a prestação informal de cuidados foi operacionalizada como sendo uma actividade tipicamente prestada por familiares ou amigos chegados a uma pessoa que já não consegue gerir todos os aspectos da sua vida diária e cuidados pessoais. Deste modo, por cuidado informal pode entender-se as interacções entre um membro da família (ou amigo, ou vizinho) que ajuda outro de maneira regular e não remunerada, a realizar actividades que são necessárias para viver com dignidade. A assistência a um familiar idoso dependente, por vezes, não difere muito das tarefas e actividades que são realizadas em famílias onde não se verificam situações de dependência ou doença (Schulz & Quittner, 1998). Por exemplo, quando uma mulher presta cuidados ao seu marido com doença de Alzheimer, preparando as refeições ou mantendo a casa limpa, está a realizar uma 66

86 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos actividade que poderá fazer normalmente para o seu marido. Contudo, a assistência nas tarefas de cuidados pessoais, como o tomar banho ou o vestir, é vista mais claramente como prestação informal de cuidados. A diferença determinante é que prestando ajuda com os cuidados pessoais reflecte um cuidado extraordinário e excede os limites do que é normativo ou usual para as responsabilidades conjugais (Schulz & Quittner, 1998). O conceito de prestação informal entendido como a assistência nas actividades de vida diária, fica aquém da realidade, porque não contempla a componente emocional ou afectiva, que se tem revelado central para uma compreensão mais completa da prestação informal de cuidados (Townsend, 1993; Nolan, Keady & Grant, 1995; Nolan, Grant & Keady, 1996; Pfeizer, 1997). É neste sentido que Pearlin et al. (199) estabelecem a distinção entre cuidar ou preocupar-se com ( caring ) e prestar cuidados ( caregiving ). O primeiro termo é mais apropriado para designar a componente afectiva da prestação de cuidados, enquanto o segundo envolve a dimensão comportamental (assistência com as actividades do quotidiano). Nesta perspectiva, o cuidar e o prestar cuidados são intrínsecos a qualquer ligação de proximidade afectiva, encontrando-se presentes nas relações em que as pessoas procuram proteger ou incrementar o bem-estar mútuo. No entanto, o surgimento de determinadas circunstâncias, por exemplo, uma doença incapacitante, faz com que a prestação de cuidados ( caregiving ) deixe de ser uma habitual troca de ajuda entre pessoas com uma relação próxima, para passar a ser uma sobrecarga, desigualmente distribuída, obrigando a uma profunda reconstrução da relação (Pearlin et al., 199). Pode, então, deduzir-se que o conceito de cuidador (ou prestador de cuidados) se define numa relação, isto é, pressupõe a figura do paciente, neste caso, de um paciente idoso que perdeu, de certa forma, a sua independência e autonomia (Felgar, 1998). Stone, Cafferata e Sangl (1987) definem cuidador distinguindo o principal e o secundário, de acordo com o grau de envolvimento nos cuidados prestados ao idoso dependente. O cuidador principal é quem detém a total ou a maior parte da responsabilidade pelos cuidados prestados ao idoso no domicílio e a quem estão reservados os trabalhos de rotina. Os cuidadores secundários seriam aqueles (familiares, amigos, vizinhos, voluntários e/ou profissionais) que prestam cuidados complementares, normalmente em número mais reduzido. Utiliza-se, ainda, a designação de cuidador formal (principal ou secundário) para o profissional que é contratado para a prestação de cuidados e de cuidador informal para os familiares, amigos vizinhos ou voluntários que prestam cuidados de forma não remunerada. 67

87 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Normalmente, a tarefa de prestação de cuidados ao idoso não é partilhada, sendo a família que assume a maior parte da assistência ao idoso dependente e existindo em cada família um cuidador principal que assumiu a maioria dos cuidados sem que tenha havido um acordo explícito entre os membros da família. A prestação informal de cuidados pode ocorrer com o surgimento de doenças crónicas que têm um curso progressivo, constante ou intermitente e episódico. As exigências que lhe são inerentes variam obviamente com o decurso da doença, grau de incapacidade e resultados esperados. Os cuidadores informais podem ser responsáveis por: uma criança que sofre intermitentemente de asma ou diabetes; um irmão que teve um ataque cardíaco e que poderá, em pouco tempo, retomar a sua vida activa; um vizinho que lesionou as costas e se encontra incapaz de conduzir; uma mãe que sofreu um AVC e que pode ficar acamada por vários anos; um marido que sofre de cancro terminal, cuja condição se irá deteriorar progressivamente. Cada uma destas situações é diferente a nível do impacto emocional que exerce sobre a família. Por exemplo, com as doenças progressivas, a família prestadora de cuidados tem de se reorganizar constantemente para poder lidar com a doença; já com uma doença de curso constante, há uma maior previsibilidade, mas nunca termina. De acordo com Rolland (1994) o impacto da doença na dinâmica familiar pode ser descrito através de três fases: crise, crónica e terminal. A fase de crise envolve a compreensão do diagnóstico e a adaptação às mudanças necessárias para que as famílias possam lidar com os desafios de uma condição crónica ou de tratamento prolongado. A fase crónica pode ser longa ou breve, e requer que a família se organize, encontre apoio, resolva problemas, minimize eventuais desequilíbrios nas relações e mantenha o máximo de autonomia para todos os membros. Durante a fase terminal, a família tem de lidar com a inevitabilidade da morte, separação, perda, luto e o recomeço da vida para além da perda Processo de iniciação: tornar-se cuidador Jani-Le Bris (1994) salienta que a efectiva capacidade de decisão, quanto ao ser ou não cuidador, exige a possibilidade de escolha entre várias opções, que passam pela disponibilidade de uma pessoa para assumir a responsabilidade da prestação de cuidados, pelo bom funcionamento dos serviços de apoio domiciliário e pela existência de estabelecimentos de qualidade e com custos monetários acessíveis. 68

88 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos A oferta em termos de apoio domiciliário e alojamento colectivo encontra-se pouco desenvolvida nos países da Europa do sul (Portugal, Espanha, Itália e Grécia) onde a família é culturalmente considerada como o centro da tradição da responsabilidade colectiva pela prestação de cuidados (Anderson, 1992, 5). Mesmo naqueles, como os países escandinavos, onde há várias décadas as respostas de apoio constituem uma preocupação constante das políticas geronto-sociais, raramente é garantida uma situação de escolha real, excepto, talvez, na Dinamarca. Deste modo, o europeu que presta cuidados raramente se encontra numa situação de livre escolha (Jani-Le Bris, 1994, 76). Como sublinha a autora existem duas vias para se entrar numa situação de prestação informal de cuidados: um processo sub-reptício ou no seguimento de um incidente inesperado. O primeiro coincide com um processo de lenta progressão da perda de autonomia da pessoa de quem se cuida. Consequentemente, o cuidador dificilmente consegue datar o início deste processo. A pessoa começa a prestar cuidados sem se dar conta, sem ter tomado conscientemente essa decisão, eventualmente, sem mesmo se identificar com o estatuto de pessoa responsável pela prestação de cuidados. Na grande maioria das situações, o processo de prestação de cuidados inicia-se sem que o cuidador tenha plena consciência de que é o membro da família sobre o qual irá recair a maior parte dos cuidados, nem que essa situação se pode arrastar por muitos anos e que, possivelmente, irá implicar um aumento progressivo da sua dedicação (Aneshensel et al., 1995). A coabitação favorece este processo, mais frequente entre marido e mulher. O acontecimento inesperado poderá ter três origens: uma doença ou acidente, seguidos de uma saída do hospital que impede o retorno ao domicílio no caso do doente viver só; a viuvez; a demissão ou morte da pessoa que anteriormente prestava cuidados. Em situações como estas, o início da prestação de cuidados é mais fácil de datar e a decisão de cuidar é tomada de forma mais consciente. Para além destes dois processos, destacam-se aqueles que Jani-Le Bris (1994) designou por vias de entrada intermédias, que englobam situações como a interrupção do processo sub-reptício, devido a um acontecimento repentino, uma prestação de cuidados intensa mas temporária (crise ou doença), mas que um dia se torna definitiva, ou a decisão fortemente reflectida de retirar o familiar idoso do lar onde havia sido institucionalizado. Segundo Mendes (1998), as decisões para a assunção dos cuidados a um idoso dependente parecem obedecer a certas regras que se reflectem nos seguintes factores: parentesco, com a prevalência dos cônjuges, seguindo-se algum filho; género, predominando o sexo feminino; proximidade física, considerando quem vive com a 69

89 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência pessoa que requer os cuidados; proximidade afectiva, salientando-se a relação conjugal e a parental. Portanto, os potenciais cuidadores são os familiares da pessoa em situação de dependência, destacando-se a mulher (cônjuge, filha ou nora). Com base em depoimentos de histórias de vida de cuidadores principais, Velasquez et al. (1998) constataram que no momento de definir quem assumirá os cuidados, ocorrem dois movimentos concomitantes, um de envolvimento e outro de nãoenvolvimento com o cuidado, dependentes da prevalência da proximidade física e afectiva. As pessoas que assumem a prestação informal de cuidados fazem-no através de um processo de slipping into it escorregar para dentro (Mendes, 1998). Este processo é acompanhado de um outro, o de slipping out of it escorregar para fora (Velasquez et al., 1998). Ao mesmo tempo que uma pessoa assume a responsabilidade da prestação de cuidados, outra (ou outras) descarta-se deles: quanto mais o cuidador se envolve, mais os não-cuidadores se afastam, levando a supor que, uma vez assumido, o cuidado é intransferível. O cuidador surge, então, na relação dialéctica com o nãocuidador. Assim, a responsabilidade pelos cuidados não é uma opção já que, geralmente, o cuidador não toma a decisão de cuidar, mas escorrega para dentro da situação. Os motivos subjacentes à assunção e continuação da prestação de cuidados a um idoso dependente constituem um domínio complexo que envolve uma amálgama de razões. Além disso, é um domínio fortemente marcado pelas tradições de um país, pelos padrões e normas sociais vigentes em cada cultura, pela concepção de vida e história de cada indivíduo. A maior parte dos cuidadores prestam ajuda porque crêem que é essa a sua obrigação. Porém, a noção de dever não é o único motivo. Podem assinalar-se outras razões para cuidar de pessoas idosas, tais como o altruísmo (que implica que os cuidadores se coloquem no lugar do outro ), a obtenção de aprovação social ou o evitamento da censura, ou sentimentos de gratidão e reciprocidade para aquele de quem se cuida (Jani-Le Bris, 1994; Aneshensel et al., 1995; Velasquéz et al., 1998; Montorio, Yanguas & Veiga, 1999; Pimentel, 21). O dever tem sido indicado como o motivo mais poderoso para a assunção dos cuidados e pode assumir duas categorias relacionadas, cujas fronteiras são ténues (Jani- Le Bris, 1994): o dever ou a pressão social (verifica-se predominantemente nos países da Europa do sul) e o dever moral. O dever social (acções impostas por normas sociais), assente no modelo da família tradicional, implica que as pessoas se sintam desvalorizadas aos olhos dos outros se não tomarem a seu cargo os seus familiares idosos dependentes e se sintam valorizadas se responderem à regra. Segundo Hespanha (1993, 326) a 7

90 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos família, mesmo nas piores condições, organiza-se para assumir o que considera a sua obrigação retribuir o sacrifício dos pais. Fá-lo, muitas vezes, para dar o exemplo aos filhos ou evitar a censura dos vizinhos. O dever moral pode assumir diversas formas e origens, nomeadamente, dar em troca, não se sentir culpado e/ou cumprimento de uma promessa feita. Quando se trata de cônjuges, verifica-se que têm uma motivação intrínseca: a solidariedade conjugal vitalícia, uma vez que se casam para o melhor e para o pior, na saúde e na doença.... Outra justificação que merece algum destaque, são os valores cristãos de amor ao próximo e ajuda aos outros. O amor, a ternura, o afecto ou a comiseração são sentimentos que fazem parte das motivações mas que não representam uma condição para a prestação de cuidados (Jani-Le Bris, 1994). Outras motivações prendem-se com a criação de laços fortes e de solidariedade familiar, gratidão sincera em relação aos pais, sem implicação da noção de dever de troca. Existe uma outra razão que raramente é assumida pelo carácter indigno que acarreta: a recompensa material. Finch (1989, citado por Pimentel, 21), reportando-se à realidade inglesa, percebeu, através do discurso dos actores envolvidos, que as razões ligadas às recompensas pareciam não pesar muito na decisão de assumir a prestação de cuidados. Todavia, nem todos se envolvem de forma desinteressada, estando muitas vezes em causa o vislumbre de possíveis heranças (Cohen & Eisdorfer, 21). A preocupação de não recorrer à institucionalização é constante, por parte de idosos e familiares, pois existe uma opinião depreciativa generalizada em relação aos lares. Normalmente, a institucionalização surge para o cuidador como a derradeira escolha, quando todas as outras alternativas falharam. Efectivamente, um dos motivos que subjaz à assunção dos cuidados reside precisamente na vontade afirmada de afastar o idoso da institucionalização. Enquanto que os lares de idosos suscitam imagens de abandono e incapacidade familiar, a prestação de cuidados no domicílio favorece a integração social, possibilitando ao idoso a permanência num ambiente familiar e confortável, onde este poderá, dentro das suas limitações, maximizar o controlo sobre a sua vida (Stone, 21). Segundo Jani-Le Bris, existe na Europa uma desconsideração generalizada relativamente aos lares: É verdadeiramente raro que o internamento seja encarado como um projecto de vida; raramente escolhido, mas aceite como último recurso, ele é frequentemente o último elo de um encadeamento de fracassos sociais. Curiosamente, mesmo quando a qualidade de um estabelecimento é fonte de um bemestar real, a aversão persiste (1994, 59). Assim, a opção por um lar é difícil: por um lado, há toda uma pressão social que condiciona negativamente a opção pela 71

91 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência institucionalização e, por outro, a consciência individual é confrontada com o dever de reciprocidade e de solidariedade (Pimentel, 21). A este propósito existe a crença comum, mesmo entre os cuidadores, de que as famílias abandonam os seus parentes idosos e os institucionalizam precocemente. Principalmente, crê-se que, no momento actual, os filhos não prestam a mesma dedicação aos pais que as gerações anteriores. Barber (1999), reportando-se à realidade norte-americana, apresenta uma série de dados de investigação, relativos aos últimos trinta anos, nos EUA, que indiciam que esta crença se trata de um mito: os cuidadores informais ministram, no seio da família, cerca de 8% dos cuidados ao idoso com incapacidades crónicas; cerca de 1% dos idosos que vivem com a família requeriam o internamento em lar caso a família não os apoiasse, o que triplicaria o número de idosos institucionalizados; mais de 25% das candidaturas em lares de idosos devem-se ao falecimento do cuidador informal; quase 3% das mulheres que prestam cuidados (na sua maioria, filhas) desistem dos seus empregos ou reduzem a sua força de trabalho para prestar cuidados aos pais idosos. Segundo o autor, a ironia do mito da negligência é que, devido ao aumento da esperança de vida, os filhos adultos prestam cada vez mais e complexos cuidados a pais idosos, durante períodos de tempo mais longos que as gerações anteriores. O mito da negligência familiar ocorre, possivelmente, porque a maioria das pessoas espera que a atenção, carinho, devoção e cuidados prestados pelos pais desde a infância até ao alcance da sua independência, sejam retribuídos pelos filhos quando os pais se tornam dependentes (Barber, 1999). A verdade que reside neste mito consiste apenas no facto de não proporcionarem exactamente os cuidados que os pais outrora lhes prestaram, já que os papéis de pai e de filho jamais poderão ser invertidos. Consequentemente, a crença no mito da negligência irá gerar sentimentos de culpa nos filhos de idosos dependentes devido à discrepância existente entre as normas e as expectativas e a inevitável realidade. Existem ainda outras razões de carácter meramente circunstancial ou factual mas que podem ser determinantes para a assunção da prestação de cuidados, tais como (Jani-Le Bris, 1994): coabitação, proximidade geográfica, inexistência de estruturas de apoio, custo financeiro da institucionalização. 72

92 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos 1.3. O perfil do cuidador Sexo e idade Tradicionalmente, a tarefa de cuidar de um idoso recai sobre o elemento feminino mais próximo. A literatura é unânime em constatar a predominância do sexo feminino (Jani-Le Bris, 1994; Chappell & Litkenhaus, 1995; Salvage, 1995; NAC/AARP, 1997; Neal, Ingersoll-Dayron & Starrels, 1997; Paúl, 1997; Barber, 1999; Montorio, Yanguas & Veiga, 1999; Ory et al., 1999; Tennstedt, 1999; Luders & Storani, 2; Michelson & Teppermanm, 2; Pimentel, 21). Apesar do predomínio das mulheres, a participação dos homens é crescente, tanto no papel de cuidadores principais como secundários (Barber, 1999). Por exemplo, o estudo longitudinal de Tennstedt, Crawford e McKinlay (1993) demostrou que os cuidadores casados tanto poderiam ser homens como mulheres. Jani-Le Bris (1994) concluiu que a maioria das pessoas que prestam cuidados é constituída por cônjuges, que tanto são homens como mulheres. Quanto à idade, as várias pesquisas revelam que a maioria dos cuidadores informais têm uma média de idades entre os 45 e os 6 anos. A idade dos cuidadores é influenciada pela idade da pessoa que necessita de cuidados, assim, quanto mais velha for a pessoa dependente, mais velho será o cuidador. Grau de parentesco Na maioria das vezes, os cônjuges são a principal e única fonte de assistência ao idoso dependente. A descendência constitui a segunda fonte de prestação de cuidados. Normalmente, na ausência do cônjuge, é a filha quem assume a responsabilidade de prestação de cuidados. No caso da inexistência de uma filha, será o filho quem assume tal responsabilidade mas, quase sempre, acaba por transferi-la para a esposa (NCEA, 22). Os amigos e/ou os vizinhos tornam-se cuidadores perante a ausência de familiares ou como uma fonte de ajuda complementar (Jani-Le Bris, 1994; Tennstedt, 1999). Estado civil Os casados constituem a maior proporção daqueles que prestam cuidados a um familiar idoso dependente (cerca de 7%). Logo a seguir, com percentagens que rondam os 11%, situam-se os solteiros ou divorciados/separados. Finalmente, em 73

93 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência proporções menos significativas encontram-se os viúvos (Jani-Le Bris, 1994; Chappell & Litkenhaus, 1995; NAC/AARP, 1997; Montorio, Yanguas & Veiga, 1999). Proximidade geográfica Normalmente, os cuidadores vivem próximo do idoso em situação de dependência. O estudo de NAC/AARP (1997), reportando-se à realidade norte-americana, onde foram inquiridos 1 59 prestadores informais de cuidados, revela que 2% vive sob o mesmo tecto e que 55% vivem a menos de 2 minutos. Esta proximidade facilita claramente a provisão dos cuidados. Jani-Le Bris (1994) salienta que a coabitação é evidente quando se trata de cônjuges que prestam cuidados e é mais frequente entre os descendentes que prestam cuidados, quando a pessoa de quem cuidam apresenta um elevado índice de dependência. Emprego A acumulação de um trabalho assalariado e da tarefa de prestação informal de cuidados não constitui um modelo predominante na União Europeia, nem mesmo nos países centrais ou nórdicos (Jani-Le Bris, 1994). Todavia, a acumulação das duas funções não é rara. A realidade europeia parece ser diferente da norte-americana; o relatório da NAC/AARP (1997) revela que 64% dos cuidadores têm uma ocupação remunerada (52% a tempo inteiro e 12% a tempo parcial) e 16% estão reformados. Os restantes consideramse como não empregados. Chappell e Litkenhaus (1995), num estudo onde foram entrevistados cuidadores informais canadianos, constataram que mais de metade (52.2%) possui um emprego remunerado no mercado de trabalho e, destes, 71.7% tem um emprego a tempo integral. Duração dos cuidados Por norma, a prestação de cuidados informais a um idoso dependente é uma tarefa de longa duração. Jani-Le Bris (1994) verificou que 4% a 5% das pessoas que prestam cuidados faziam-no há apenas cinco anos. No entanto, constatou que: 26% dos britânicos prestavam cuidados há cinco e nove anos, mais de um terço dos belgas há seis e quinze anos. No Canadá, por exemplo, a média de anos dedicada à prestação de cuidados é de 7.7, no entanto, cerca de 22% dos cuidadores informais fazem-no há mais de dez anos (Chappell & Litkenhaus, 1995). 74

94 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos Estes valores raramente espelham a realidade: se, por um lado, a pessoa é capaz de datar o início da prestação de cuidados, por outro, jamais poderá prever a duração; além disso, estes números não consideram os períodos de prestação de cuidados sucessivos ou parcialmente justapostos (Jani-Le Bris, 1994). Chappell e Litkenhaus (1995) chamam a atenção para o conceito de serial caregiving ( cuidador em série ), pois os cuidadores (principalmente, as mulheres) cuidam de várias pessoas ao longo da sua vida: primeiro, dos filhos, depois dos pais idosos, mais tarde do marido, tudo isto ao longo de vários anos. 1.4 Tarefas desempenhadas Aneshensel et al. (1995) postulam a existência de três etapas na adaptação do cuidador informal de idosos ao seu papel: a aquisição do papel (role acquisition), que consiste no reconhecimento da necessidade para o papel e a assunção das obrigações e responsabilidades; a assunção do papel (role enactment), que implica o desempenho de tarefas relacionadas com o papel, podendo ou não envolver a articulação com o apoio formal; e, finalmente, a libertação do papel (role disengagement), que consiste na cessação da prestação informal de cuidados, na maioria das vezes marcada pela morte do familiar de quem se cuidou, e o reajustamento a uma vida que prossegue para lá da morte desse familiar. A prestação de cuidados deverá, então, ser encarada como uma série de configurações dinâmicas, já que cada estádio abarca distintas fontes de stresse, proporciona diferentes estratégias de superação das dificuldades, envolve diferentes recursos pessoais, sociais e económicos e condiciona as opções disponíveis nos estádios seguintes. Anenhensel et al. (1995) elencam uma série de semelhanças entre uma carreira profissional e a carreira de cuidador. Por exemplo, a evolução relacionada com as responsabilidades do papel (profissional/cuidador) ao longo do tempo, a restruturação das actividades e responsabilidades umas vezes de forma gradual outras repentina, o carácter dinâmico da evolução (cada fase envolve uma história e prepara o futuro)... Apesar das semelhanças evidentes entre as duas carreiras, os autores destacam algumas diferenças: o carácter indeterminado da duração e do início da carreira de cuidador, o estatuto informal da carreira de cuidador e consequente ausência de direitos, privilégios e prerrogativas associadas ao estatuto formal, e o facto desta carreira não ser planeada, razão pela qual os autores a designaram por a carreira 75

95 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência inesperada ( the unexpected career ). Normalmente, as pessoas não se vêem como cuidadoras quando se projectam no futuro. Horowitz (1985) conceptualizou os cuidados familiares em quatro categorias: serviços directos, suporte emocional, mediação com organizações formais e apoio financeiro. James (1992) classificou a prestação informal de cuidados em três componentes: trabalho físico (ajuda com as ABVD e IAVD), trabalho emocional (prestar apoio emocional) e trabalho de gestão e organização (ter a certeza que os cuidados prestados são apropriados). Sinclair et al. (199, citado por Mendes, 1998) desenvolveram uma classificação que divide os cuidados em: práticos, consistem na ajuda nas necessidades básicas, como comer, beber; orientação externa, que se prende com o acompanhamento aos serviços; informação/defesa de direitos, que se refere ao apoio nas situações de previdência social; supervisão regular, tem a ver com a disponibilidade imediata para recorrer a emergências; integração social, que envolve o acompanhamento das necessidades sociais e providências formais; envolvimento afectivo, que se refere aos cuidados prestados num clima de afecto; e, por último, confidenciais, que se reportam a situações pessoais. Do mesmo modo, Bowers (1987) definiu cinco categorias de cuidados: os antecipatórios, baseados na antevisão de necessidades futuras, figurados na noção de just in case, podendo iniciar-se muitos anos antes do apoio ser requerido; os preventivos, que à semelhança dos anteriores, não envolvem um apoio directamente observável, mas em que se procura evitar a doença ou suas consequências, por exemplo, verificando se a medicação é devidamente seguida ou se o regime alimentar é adequado; os de supervisão, que surgem quando é necessário um envolvimento mais directo e activo, normalmente reconhecido como o olhar pelo idoso ; os instrumentais, que se prendem com a assistência directa em actividades fundamentais à manutenção da integridade física e mental do idoso; e os protectores, cujo o propósito é a manutenção da auto-estima de quem se cuida, procurando minimizar a consciência das limitações e reforçar a percepção como pessoas independentes e autónomos. Segundo a autora, os cuidadores encaram este último tipo de cuidados como os mais difíceis, importantes e stressantes, porque entram em conflito ou contradição com outros aspectos do cuidar, especialmente com os cuidados instrumentais. É importante salientar que a frequência e o tipo de cuidados prestados ao idoso varia com uma série de factores que não são estáticos e se desenvolvem ao longo do tempo introduzindo novos aspectos, tarefas e sentimentos (Paúl, 1997). Tais factores incluem, nomeadamente, o grau (ligeiro, moderado ou severo) e tipo de dependência (física, mental ou ambas) da pessoa idosa, proximidade geográfica entre o cuidador e o 76

96 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos idoso, situação socio-económica de ambos, apoio intra e extra familiar, género do cuidador (Chappell & Litkenhaus, 1995; Quaresma, 1996; NAC/AARP, 1997; Paúl, 1997; Tennstedt, 1999) Características do receptor de cuidados Convém salientar que a maioria das pessoas idosas goza de uma saúde que lhes permite viver de forma independente e empreender múltiplas tarefas e actividades sem necessitar de ajuda. Todavia, as que padecem de doenças crónicas tornam-se vulneráveis à dependência, necessitando de alguém que lhes preste ajuda para poderem viver condignamente. Uma pessoa é dependente quando sofre de uma perda mais ou menos importante a nível da sua autonomia funcional e necessita de ajuda de outras pessoas para desempenhar as tarefas do quotidiano. Geralmente, a dependência tem uma multiplicidade de causas e varia com as pessoas. De entre os factores que podem estar subjacentes a uma situação de dependência destacam-se factores físicos, psicológicos e contextuais. O envelhecimento e deterioração de alguns sistemas funcionais e estruturais do organismo (respiratório, cardiovascular, etc) envelhecimento biológico provoca a diminuição da força física, mobilidade, equilíbrio e resistência, que pode desencadear diminuição da capacidade para realizar actividades básicas e instrumentais da vida diária. Este declínio biológico do organismo acontece em todas as pessoas processo de senescência mas trata-se de um processo diferencial, já que as pessoas envelhecem de modo diferente e a ritmos diferentes. A ocorrência de certas doenças crónicas durante a velhice, tais como a artrite, osteoporose e fracturas suscitadas por quedas ou outros acidentes, contribuem de forma significativa para a incapacidade e dependência física. Também a diminuição da acuidade sensorial (principalmente, visual e auditiva) concorre em larga escala para a dependência da pessoa idosa, pois dificulta a interacção com o meio. Em termos psicológicos, como já se referiu, as mudanças cognitivas associadas a uma demência, tal como a doença de Alzheimer, repercutem-se severamente sobre a autonomia, limitando a actividade intelectual e afectando a capacidade de decisão, memorização e recordação, comunicação e execução de actividades quotidianas. Outras doenças do foro psicológico, como a depressão, favorecem a dependência em 77

97 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência idades avançadas, uma vez que contribuem para o isolamento social e declínio cognitivo e funcional. Os factores contextuais referem-se tanto ao ambiente físico onde vive a pessoa idosa, como às atitudes e comportamentos de quem os rodeia, podendo ou não favorecer a sua autonomia e independência (UAM/IMSERSO, 22). Um ambiente físico estimulante, com suficientes ajudas técnicas, que conjugue autonomia e segurança, contribui para a autonomia e independência da pessoa idosa no empreendimento das tarefas do quotidiano. O ambiente social pode prevenir ou favorecer a dependência: por vezes, com o intuito de ajudar o idoso, o cuidador (principal ou secundário) faz coisas por ele. Esta circunstância, aparentemente positiva ou favorável, pode ser prejudicial quando se trata de tarefas que o idoso consegue executar, ainda que de uma forma parcial. Por exemplo, o idoso consegue vestir-se sozinho, mas lentamente e com dificuldade, então o cuidador ajuda-o para evitar mais dificuldades e/ou demoras. A frequência desta atitude fará com que a pessoa acabe mesmo por perder a sua capacidade na execução deste tipo de tarefa. Por vezes, acontece que quando o idoso se mostra independente para alguma actividade, o cuidador repreende-o ou critica-o por isso, por exemplo: o cuidador está a executar outra tarefa e o idoso levanta-se, sem ajuda, para mudar de assento; e o cuidador recrimina-o por não ter sido chamado a ajudá-lo. Quando os cuidadores têm a expectativa de que os seus familiares de idade avançada não têm capacidade de realizar alguma tarefa ou de melhorar em algo, é possível que acabem por prestar mais ajuda do que a necessária. Assim, priva-se a pessoa de praticar comportamentos ou actividades para as quais ainda está capacitada e favorece-se a instauração progressiva da dependência. O perfil das pessoas que recebem cuidados de um familiar está bem delineado nos estudos empreendidos por Chappell e Litkenhaus (1995) relativamente à população canadense e pela NAC/AARP (1997) reportando-se aos norte-americanos. Apesar de não contemplarem a realidade europeia, permitem adivinhar as características dos actuais e potenciais receptores de cuidados informais. Assim, a pessoa que recebe cuidados tende a ser, normalmente, do sexo feminino, casada ou viúva e com filhos (Chappell & Litkenhaus, 1995; NAC/AARP, 1997). Apesar das mulheres terem uma esperança de vida mais longa que os homens 1, não significa que 1 O facto das mulheres viverem mais tempo que os homens deve-se, em parte, a razões de cariz biológico. Isto é, as mulheres parecem ser mais resilientes, particularmente durante a infância. Na vida adulta também, pelo menos até à entrada na menopausa, já que as hormonas protegem-nas de doenças cardíacas, por exemplo. 78

98 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos tenham uma vida acompanhada de total ausência de incapacidade. A longevidade feminina torna-as mais susceptíveis às doenças crónicas, tais como, osteoporose, diabetes, hipertensão, incontinência e artrite. Já os homens são mais susceptíveis de sofrer de doenças crónicas como as doenças cardíacas ou os acidentes vasculares cerebrais. Todavia, à medida que as mulheres envelhecem, também estas doenças se tornam nas principais causas de morte e incapacidade no sexo feminino. A visão generalizada de que as doenças cardíacas constituem pertença exclusiva do sexo masculino obscureceu o reconhecimento do seu significado junto da população feminina (WHO, 1999). A média de idades das pessoas a necessitar de cuidados variam entre os 67.7 e os 77 anos (Chappell & Litkenhaus; 1995; NAC/AARP, 1997). Quanto ao grau de parentesco, tendem a ser familiares próximos do cuidador (cônjuge, pai/mãe, sogro(a)), a situação mais comum é a de uma esposa cuidar do seu marido ou de uma filha cuidar da sua mãe (Chappell & Litkenhaus, 1995). Na origem da prestação de cuidados reside uma multiplicidade de problemas de saúde, e não apenas um problema em particular. Assim, a maioria dos pacientes sofrem de uma variedade de problemas de saúde (artrite ou reumatismo, doenças cardiovasculares, problemas digestivos, perda da acuidade auditiva, hipertensão, doença de Alzheimer ou outra demência 2, diabetes, cancro) e a sua situação é de natureza crónica. As actividades de vida diária, onde é mais comum os receptores de cuidados requerem assistência referem-se às tarefas domésticas, transporte e compras (Chappell e Litkenhaus, 1995; NAC/AARP, 1997; NCEA, 22). Mas as diferenças entre o sexo masculino e o feminino têm também uma explicação de natureza social. Historicamente, a divisão social do trabalho com base no género tem colocado os homens em situação de maior risco, à medida que a industrialização se desenvolve. Consequentemente, a mortalidade devida a causas ocupacionais sempre foi mais predominante no sexo masculino do que no sexo feminino. Por outro lado, quando se tem em conta os estilos de vida, verifica-se que os homens correm também mais riscos, já que têm tendência a fumar e a beber mais (WHO, 1999). 2 No estudo empreendido pela NAC/AARP (1997), cerca de 22.4% dos cuidadores que constituíram a amostra referiram que prestavam cuidados a uma pessoa com a doença de Alzheimer ou outra demência. 79

99 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência 2. Impacto da prestação de cuidados Apesar de muitos cuidadores informais considerarem a tarefa de prestação de cuidados a um familiar idoso como algo de emocionalmente gratificante, bem como uma oportunidade de enriquecimento pessoal, de facto tal tarefa tem consequências negativas. Nos últimos anos, a investigação tem dado especial atenção às consequências negativas que a prestação informal de cuidados exerce sobre a saúde e bem estar físico, psicológico e social dos cuidadores. Os vários estudos têm também aplicado alternadamente alguns termos como impactos, custos da tarefa de cuidar ou consequências para se referirem às repercussões da prestação informal de cuidados Impactos negativos A sobrecarga Na maior parte da literatura gerontológica utiliza-se o termo sobrecarga ( burden ) para descrever os efeitos negativos da tarefa de cuidar sobre o cuidador. Contudo, a sua definição não é consensual, trata-se de um constructo multifacetado, referente aos constantes problemas existentes numa situação de prestação de cuidados (Borgermans, Nolan & Philp, 21). Vitaliano, Scanlan e Zhang (23) descrevem o termo burden como uma resposta psicossocial à situação de prestação de cuidados e George e Gwyther (1986, 53) consideram-no como os problemas físicos, psicológicos, emocionais, sociais e financeiros que podem ser experienciados pelos membros da família que cuidam idosos incapacitados. A sobrecarga é também descrita como um resultado, que inclui um decréscimo nos sentimentos de bem-estar e um aumento dos problemas de saúde (Pearlin et al., 199). Alguns autores descrevem a sobrecarga em termos de stresse multidimensional enfrentado pelos prestadores de cuidados (Parks & Novielli, 23). Ao examinar as consequências da prestação informal de cuidados, os investigadores distinguem duas dimensões da sobrecarga: objectiva e subjectiva. A primeira respeita à situação de doença e incapacidade, à exigência dos cuidados prestados mediante a gravidade e tipo da dependência e comportamento do doente, 8

100 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos às consequências ou impacto nas várias dimensões da vida do cuidador (familiar, social, económica, profissional). A sobrecarga subjectiva resulta das atitudes e respostas emocionais do cuidador à tarefa de cuidar. Ou seja, evoca a percepção do cuidador acerca da repercussão emocional das exigências ou problemas associados à prestação de cuidados (Vitaliano, Young & Russo, 1991; Kinney, 1996; Kinsella et al., 1998; Borgermans, Nolan & Philp, 21). A vantagem na distinção entre estas duas dimensões reside na possibilidade de se analisar separadamente as tarefas da prestação informal de cuidados e as respostas emocionais do cuidador. Além disso, a investigação tem demonstrado que ao passo que a sobrecarga objectiva não constitui um forte preditor do bem-estar do cuidador, a sobrecarga subjectiva constitui. A demonstração de que as interpretações subjectivas dos cuidadores (avaliações cognitivas) acerca das tarefas da prestação de cuidados estão fortemente relacionadas com o seu bem-estar, ajuda a compreender uma das constatações da investigação nesta temática: a grande variabilidade na forma como os familiares do idoso dependente reagem ao papel de cuidadores. Diversos autores consideram a sobrecarga como um domínio singular da experiência de prestar cuidados e que, como tal, as suas medidas de avaliação não podem ser empregues para tecer comparações entre cuidadores e não cuidadores (George & Gwyther, 1986; Montegomery, 1989; Stull, Kosloski & Kercher, 1994). Convém salientar que, apesar da sobrecarga ter vindo a ser estudada como uma consequência da prestação de cuidados, ela constitui também um preditor de outras consequências ou efeitos (Gallagher-Thompson & Powers, 1997; Huges et al., 1999). Os modelos conceptuais mais amplamente empregues concebem a sobrecarga como uma variável endógena, como um preditor intermediário de outras consequências. Um desses modelos é o Stress Process Model, desenvolvido por Pearlin e colaboradores, encarando a dimensão objectiva da sobrecarga em termos de stressores primários objectivos, e a dimensão subjectiva como stressores primários subjectivos, influenciados por variáveis contextuais, nomeadamente, a história do cuidado e as características socioeconómicas. Por sua vez, a sobrecarga afecta directamente consequências como a depressão e a saúde física, ou indirectamente por intermédio das tensões de papel secundárias (por exemplo, conflitos familiares e problemas económicos) e das tensões intrapsíquicas secundárias (por exemplo, competência e auto-estima). O capítulo 3 descreve este modelo. 81

101 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Saúde física e mental do cuidador Proporcionar cuidados durante um longo período de tempo pode ser física e psicologicamente esgotante e interferir adversamente na saúde e bem-estar do cuidador. As consequências da prestação informal de cuidados têm sido descritas em termos de mal-estar psicológico e de morbilidade física. No entanto, a maioria dos estudos acerca do impacto da tarefa de cuidar recai sobre os cuidadores de idosos com demência. A este propósito, Tennstedt (1999) sublinha a necessidade de se perspectivar separadamente os cuidadores informais de idosos com e sem demência. Dada a natureza da dependência (mental ou física), as experiências no que toca ao processo de cuidar são diferentes, daí a necessidade de não generalizar a todos os cuidadores aquilo que a investigação revela acerca do impacto da prestação de cuidados em cuidadores de idosos dementes. Apesar da dificuldade em apurar se um problema de saúde resulta da situação da prestação de cuidados, sabe-se que esta raramente tem um efeito positivo sobre a saúde. Algo muito frequente nos cuidadores é o cansaço físico e a sensação de deterioração da saúde, a partir do início da tarefa de cuidar. A investigação tem revelado que quando se comparam cuidadores de idosos, com pessoas que não têm essa responsabilidade, os primeiros percepcionam a sua saúde como sendo pior (Stone, Cafferata & Sangl, 1987; Thompson & Gallagher-Thompson, 1996) e têm mais doenças crónicas e uma pior saúde global (Haley et al., 1987; Haley, Brown & Levine, 1987; Haley et al., 1996). Por exemplo, dados de pesquisas demonstram que o sistema imunitário dos cuidadores é mais fraco do que o dos não cuidadores (Kiecolt-Glaser et al., 1987; Parks, 2). Todavia, quando se trata de analisar o impacto da prestação de cuidados na saúde do cuidador há que ter em conta uma variável de significativa importância: a idade do cuidador. Nos mais velhos, é muito provável que comecem a surgir situações associadas às modificações inerentes ao processo de senescência, nomeadamente a diminuição da força muscular. Portanto, naturalmente os cônjuges que prestam cuidados encontram-se mais expostos a problemas de saúde do que os descendentes. A depressão e ansiedade parecem ser dois problemas para a maioria dos cuidadores (Dura, Kiecolt-Claser & Stukenber, 1991; NAC/AARP, 1997; Ory et al., 1999; Tennstedt, 1999; Parks, 2; Benjamim & Cluff, 21; Cohen & Eisdorfer, 21; NCEA, 22). Vários estudos (George & Gwyther, 1986; Drinka, Smith & Drinka, 1987; Haley et al., 1987; Anthony-Bergstone, Zarit & Gatz, 1988; Cohen & Eisdorfer, 1988; Kinney & Stephens, 1989; Schulz & Williamson, 1991) revelaram a presença de sintomas depressivos (tristeza, desespero, frustração, inquietação...) em familiares cuidadores, podendo associar-se à 82

102 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos progressiva deterioração do estado do idoso, à redução do tempo livre, à ausência de apoio... Surgem, igualmente, sentimentos de ansiedade e preocupação pela saúde do familiar, pela própria saúde, pelos conflitos familiares associados, pela falta de tempo... Os sentimentos de culpa também se encontram muitas vezes presentes: por saturação em relação à pessoa de quem se cuida, por pensar que não se está a fazer tudo o que se pode, por desejar a morte do familiar (para acabar com o seu sofrimento ou para que o cuidador se libertar da situação), por descurar outras responsabilidades,... Note-se, contudo, que a investigação a este nível tem privilegiado a análise da relação entre o stresse vivenciado pelos cuidadores e os aspectos negativos do bemestar (por exemplo, depressão), em detrimento dos aspectos positivos (por exemplo, satisfação com a vida) (Schulz & Williamson, 1994; Atienza, Stephens & Townsend, 22) Relações familiares e sociais A assunção da responsabilidade de prestar cuidados a um familiar idoso repercutese a nível do relacionamento familiar e social. As modificações decorrentes da prestação de cuidados centram-se, neste âmbito, em aspectos distintos: na relação entre o idoso e a pessoa que cuida dele, na relação conjugal da pessoa que presta cuidados e nas relações filiais, fraternais e extra-familiares. Na verdade, é raro que a prestação de cuidados não afecte, de alguma forma, o conjunto das redes relacionais. Em consequência de uma nova rotina, a dinâmica familiar sofre alterações, exigindo reajustamentos e deslocando relações de poder, dependência e intimidade. A relação entre o idoso e a pessoa que cuida dele é alimentada pela vivência comum das duas pessoas (infância ou vida conjugal) e pelas histórias individuais. Todavia, os cuidados pessoais prestados ao idoso vão exigir profundas reconstruções no relacionamento. Como refere Mendes (1998), a relação de dependência implica uma nova percepção de si e do outro, para todos os elementos do grupo familiar, atingindo, em particular, o cuidador e o idoso. A dependência, nessa relação, assume diferentes conotações para ambos. Para o idoso, inscreve-se na sua incapacidade para realizar determinadas actividades da vida diária. Para o cuidador, radica na necessidade do outro por cuidados pessoais. Essa relação de dependência é, para ambos, complexa já que se alteram as relações de poder. Convém salvaguardar que as alterações nas relações de poder serão mais evidentes nos seguintes casos: submissão ao outro, durante a história passada, do que se 83

103 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência torna cuidador; nas relações filiais, na medida em que os filhos foram durante uma parte da vida deles dependentes dos pais. Segundo Mendes (1998), a relação de dependência vai interferir numa esfera muito pessoal do idoso, a sua intimidade. Tal situação desencadeia uma ligação de constrangimento tanto por parte do idoso, que perde a sua privacidade, como pelo próprio cuidador, que tem de assumir as tarefas de natureza estritamente íntima com o familiar dependente. Se o cuidador for o cônjuge, essa relação poderá assumir contornos menos embaraçosos, pois será redefinida a partir de uma relação de intimidade previamente existente. Já para os filhos, essa relação terá de ser construída. Quando a relação estabelecida se processa entre pai e filha, por exemplo, os constrangimentos poderão ser altamente complexos já que na sociedade vigente, a exposição do corpo é alvo de algum preconceito. Permitir tocar, principalmente órgãos genitais, é algo incómodo numa cultura onde a sexualidade é, ainda, alvo de preconceitos e controlada por princípios morais e conservadores. Daí que, expor o corpo e ser tocado pelo cônjuge é menos penoso do que por filhas ou noras (Mendes, 1998). É oportuno salientar que, por vezes, ocorre um autêntico colapso na relação entre o cuidador e o idoso, podendo gerar situações de abuso e maus-tratos, que vão desde a violência física e agressões verbais até ao uso indevido dos bens do idoso (MacLennan, 1998; NCEA, 22). O abuso pode ser de natureza física, emocional ou financeira. Pode ainda envolver negligência intencional ou não intencional. Embora se possam destacar algumas razões que estão na origem dos maus-tratos, nomeadamente a ganância e a ambição que muitas vezes estão por detrás do abuso financeiro e da negligência intencional (NCEA, 22), existe alguma evidência empírica que permite estabelecer uma associação entre o peso dos factores de stresse a que os cuidadores estão expostos e a violência e abuso sobre o idoso. Coyne, Reichman e Berbig (1993), por exemplo, constataram que o risco de abuso é elevado quando os cuidadores providenciam níveis elevados de cuidados (definidos em termos de horas de prestação de cuidados por dia e o número de anos de duração) e quando as vítimas têm maiores níveis de incapacidade funcional. Todavia, estes resultados têm sido mitigados por outros que revelam que os idosos vítimas de maus-tratos e abuso por parte dos cuidadores não são mais incapazes nem requerem mais cuidados dos que os idosos que não sofrem de violência por parte dos prestadores de cuidados (Pillemer & Suitor, 1992). Actualmente, verifica-se que a qualidade da relação prévia entre o cuidador e o idoso, as percepções do cuidador relativamente às dificuldades e as estratégias de coping por ele accionadas são factores que explicam porque o stresse leva alguns 84

104 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos cuidadores a cometer actos de violência e de abuso e outros não (NCEA, 22). A este propósito, apesar do reconhecimento geral de que a prestação de cuidados a um familiar idoso pode ser empreendida desprovida de qualquer afeição, Nolan, Grant e Keady (1996) salientam que ausência de satisfações pode e deve ser encarada como um indicador de uma hipotética frágil e abusiva relação. Por outro lado, em muitas circunstâncias, o idoso dependente passa a viver em casa do cuidador principal. Esta circunstância poderá ser uma fonte de conflitos, já que os restantes elementos da família também se sentem afectados por uma situação nem sempre desejada. Por exemplo, nos conflitos conjugais, derivados da assunção da prestação de cuidados, existe a tendência para seja o homem isto é, o cônjuge da pessoa que presta cuidados, tradicionalmente, a mulher quem desempenha o papel de mau da fita (Jani-Le Bris, 1994). Todavia, a autora alerta para que se encare esta ideia com alguma reserva, já que toda a história de vida do casal tem irrefutáveis implicações nesta situação; além disso, a investigação tem privilegiado os cuidadores principais como fonte de informação, em detrimento dos restantes familiares. A situação de dependência do idoso juntamente com as complexas responsabilidades inerentes à prestação informal de cuidados, altera não só a relação entre o paciente e o cuidador, como as relações entre estes e os restantes elementos da família. Neste sentido, a investigação tem identificado algumas das dimensões dos conflitos familiares. Para Semple (1992) os conflitos devem-se à ausência de acordo relativamente a: definição da doença e/ou incapacidade e de como prestar os cuidados, ao número de elementos da família que devem cuidar da pessoa dependente e ao modo de apoiar o cuidador principal. Aneshensel et al. (1995) identificaram os seguintes motivos geradores de conflitos: desacordo entre o cuidador e os restantes familiares acerca do grau de incapacidade do idoso e das estratégias apropriadas para lhe fazer face, divergência entre o cuidador e os restantes familiares relativamente ao grau de atenção que estes devem prestar ao dependente idoso, e, finalmente, desacordo relativamente à atenção e apreciação/valorização que deverá ser dada ao cuidador principal pelo facto dele assumir esse papel. Como já se referiu a doença não atinge apenas o doente, mas tudo o que o rodeia, começando pela família. Martins (22) salienta que, no início da doença, há uma desestruturação da família sendo esta obrigada a redistribuir as suas tarefas. Tais tarefas não se limitam ao agregado familiar a que pertence a pessoa doente, mas reflecte-se também na família alargada. Efectivamente, sendo a família uma rede complexa de relações e emoções, o impacto da tarefa de cuidar recai sobre todos os membros e não apenas sobre o cuidador principal. Brody et al. (1989, 529) enfatizam esta 85

105 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência ideia: a homeostase da família como um todo é afectada pelo distúrbio em qualquer uma das suas partes. Um familiar idoso incapacitado e a necessitar de apoio constitui esse distúrbio; cada elemento da família experiencia as repercussões e mudanças que ocorrem no reequilibro dos papéis e responsabilidades individuais. Contudo, a investigação tem privilegiado as consequências da tarefa de cuidar de um familiar incapacitado sobre o cuidador principal, negligenciado aqueles que não estão directamente envolvidos, ou seja, os cuidadores secundários (Amirkhanyan & Wolf, 23). De qualquer modo, há já alguma evidencia empírica que revela que os outros membros da família, também, sofrem de algum stresse (Zarit, Reever & Bach-Peterson, 198; Brody et al., 1989). Por um lado, os familiares mais próximos do cuidador principal podem sentir a falta do tempo, atenção e cuidados de outrora (agora desviados para o idoso dependente); por outro, os restantes familiares podem sentir-se afectados simplesmente pela própria incapacidade do idoso, experienciando algumas consequências negativas, nomeadamente, uma tristeza crónica (Bass, 199, citado por Amirkhanyan & Wolf, 23) ou culpa (Brody et al., 1989) Actividade profissional e situação financeira Apesar da prestação de cuidados ser uma tarefa a tempo integral para alguns cuidadores, não o é certamente para outros em particular, filhos adultos que acumulam uma profissão fora do contexto da prestação de cuidados. O tempo despendido no trabalho tanto pode ser benéfico como nefasto para o cuidador. Pode ser benéfico porque o emprego constitui um escape às tarefas de prestação de cuidados, que muitas vezes se tornam rotineiras e pouco apreciadas. O trabalho remunerado difere da prestação informal de cuidados precisamente porque é remunerado. Além disso, os rendimentos que dele derivam podem atenuar algumas das dificuldades financeiras associadas à assunção da tarefa de cuidar. O emprego permite igualmente a oportunidade de conviver e interagir com colegas e amigos (Aneshensel et al., 1995). Todavia, a conciliação das responsabilidades de prestação de cuidados ao idoso e a manutenção de uma profissão raramente é fácil. O emprego implica: mais tarefas a desempenhar, mais horas para estar activo e mais exigências acumuladas num prato já cheio. Assim, trabalhar e prestar cuidados são tarefas que podem entrar em conflito directo: enquanto estão no emprego, os cuidadores preocupam-se com o bem-estar dos 86

106 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos seus familiares; por outro lado, as pressões relacionadas com o trabalho, interferem na prestação de cuidados (Aneshensel et al., 1995). Obviamente, que o impacto a nível profissional depende das condições encontradas no trabalho e do modo como estas intersectam na tarefa de cuidar. As dificuldades também variam de acordo com a extensão dos cuidados a prestar, que, por sua vez, divergem em função das necessidades do idoso e do apoio exterior que as possam minorar. José, Wall e Correia (22) num estudo acerca da conciliação entre o trabalho profissional e os cuidados ao idoso dependente, concluíram que os impactos da tarefa de cuidar se traduzem na necessidade de alteração dos horários de trabalho (tais como, redução do tempo destinado ao almoço e modificação da hora de entrada) e na diminuição da concentração para o desempenho das actividades, devido à constante preocupação com o bem-estar do idoso dependente. Chappell e Litkenhaus (1995) constataram que aqueles cuidadores que trabalham a tempo integral reportam uma variedade de impactos a nível profissional, nomeadamente, ter de sair do trabalho para acompanhar o idoso a consultas médicas, sensação de desempenho afectado pela prestação de cuidados, necessidade de abandonar o trabalho repentinamente, necessidade de faltar e de mudar de turno, diminuir o número de horas de trabalho, interromper e atrasar o trabalho, recusar promoções e, até, considerar a possibilidade de desistir de trabalhar. Efectivamente, a inexistência de estruturas de apoio formais ou de ajudas informais constitui um factor suficiente para cessar a actividade profissional, caso as necessidades do idoso se tornem extremamente exigentes (Jani-Le Bris, 1994). Apesar do aumento do tempo disponível para dedicar à prestação de cuidados ao idoso, a cessação de um trabalho pode revelar-se profundamente negativa pois, em sociedades muito orientadas pelo e para o produtivismo, implica a perda do estatuto social, reconhecimento e prestígio, pela perda das relações profissionais e pela diminuição dos rendimentos. Resta salientar que a situação de prestação informal de cuidados poderá gerar problemas financeiros pelas despesas que os cuidados acarretam, o que será mais grave se for acompanhada pela cessação de um trabalho remunerado Tempo livre e lazer Cuidar de um idoso em situação de dependência exige muito tempo e dedicação. Uma grande parte do tempo que antes se dedicava ao lazer é, agora, encaminhado 87

107 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência para as exigências inerentes à prestação de cuidados. Frequentemente, o cuidador não dispõe de tempo para si. Aliás, quando o faz, surgem muitas vezes sentimentos de culpa associados à ideia de deixar o idoso ao abandono. A redução das actividades, sobretudo, das sociais, é frequente. As restrições do tempo livre são reais e resultam da combinação de uma série de factores, nomeadamente: ausência ou insuficiência de apoio externo, intensas necessidades de cuidado, existência e exigência de actividades profissionais. Normalmente, os cuidadores, ao perceberem a sua situação como muito exigente, podem limitar as suas actividades sociais e, assim, perder oportunidades de encontrar apoio social (Lezaun, Arrazola & Arrazola, 21) Impacto dos cuidados no idoso dependente Até ao momento, a investigação acerca da prestação informal de cuidados tem-se debruçado quase exclusivamente sobre os cuidadores, negligenciando a percepção do idoso acerca da qualidade dos cuidados recebidos. Na verdade, os benefícios psicológicos e de saúde, bem como os potenciais malefícios da prestação/recepção informal de cuidados tem merecido pouca atenção por parte dos investigadores. Newsom (1999), numa pesquisa exaustiva na base de dados Psychinfo constatou que a palavra caregiver (cuidador) apareceu no título ou resumo de artigos, enquanto que a expressão care recipient (receptor de cuidados) foi mencionada em apenas 66 artigos, sendo que a maioria destes colocavam os cuidadores como o principal foco de análise. Daí a dificuldade em perceber o impacto da tarefa de cuidar no idoso com dependência. Todavia, investigações recentes revelam que muitos idosos (entre 4% a 6%) fisicamente dependentes reagem negativamente a alguns cuidados que lhe são prestados, podendo gerar consequências psicológicas significativas (depressão, baixa auto-estima) (Newsom, 1999). Devido à escassez de pesquisas centradas nas respostas positivas à prestação informal de cuidados e à potencial gravidade das consequências das reacções negativas, a análise que se segue incidirá sobre as respostas negativas à prestação informal de cuidados, tendo em conta os poucos estudos efectuados sobre a temática. O primeiro estudo que mediu especificamente as reacções do idoso dependente aos cuidados prestados por um familiar foi conduzido por Parmelee (1983, citado por Newsom, 1999). Centrou-se na comparação das reacções de idosos assistidos por 88

108 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos cônjuges e por filhos adultos e avaliou sentimentos de dependência e inutilidade, sentimentos negativos em relação ao cuidador (irritação, rancor ou depressão na sequência da interacção com o cuidador), percepção de atitudes negativas tomadas pelo cuidador (nomeadamente, indicadores de rejeição, má vontade em ajudar) e relatos de comportamentos negativos empreendidos pelo cuidador (por exemplo, críticas ou gritos). Apesar de não haver diferenças no que respeita aos sentimentos de dependência, a presença de sentimentos negativos em relação ao cuidador, de percepção de atitudes e comportamentos negativas tomados pelo cuidador era mais verosímil para os cuidados conjugais do que para os filiais. Numa pesquisa de Thomas (1993), os sujeitos inquiridos indicavam se alguma vez tinham experienciado algum dos catorze problemas elencados numa lista, relacionados com os cuidados providenciados pelos seus filhos adultos. Cerca de dois terços referiram um ou mais dos catorze problemas, sendo os mais comuns: ajuda prestada de modo insatisfatório (35%), conselhos insensatos (33%), e preocupação com a possibilidade de serem uma carga para os seus filhos (32%). Newsom et al. (1998, citado por Newsom, 1999) analisaram algumas reacções cognitivas e emocionais específicas à prestação informal de cuidados numa amostra de 7 idosos com variados problemas de saúde (artrite, problemas de mobilidade, incapacidade visual). Observaram que 55% dos sujeitos indicaram algum desagrado relativamente à ajuda que recebiam, para uma ou mais actividades de vida diária. Quando questionados acerca de reacções cognitivas e emocionais, os participantes tendiam a relatar sentimentos de dívida para com o cuidador, atribuições internas negativas e preocupações com a saúde do cuidador. Apesar da investigação acerca das reacções à prestação de cuidados estar apenas no seu início e de o seu incremento ser fundamental, existe já alguma evidência que permite concluir que as reacções negativas ao cuidado não são nem raras nem inócuas nos seus efeitos. Porém, estes resultados não indicam que os cuidadores não são bons no seu desempenho ou que o seu trabalho deva ser desvalorizado. Pelo contrário, a maioria dos participantes nos estudos expressam um profundo sentimento de gratidão para com os seus familiares e cerca de metade não reporta qualquer reacção negativa (Newsom, 1999). Além disso, torna-se também importante o desenvolvimento de investigações que focalizem a perspectiva do idoso acerca dos aspectos positivos que derivam da prestação de cuidados por um familiar. 89

109 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência 2.2. Impactos positivos: satisfações A maior parte da investigação acerca da prestação informal de cuidados tem privilegiado a análise dos impactos negativos. Todavia, o predomínio da sobrecarga do cuidador como o centro de atenção da investigação e intervenção tem sido criticado, pois proporciona uma imagem que fica aquém da realidade (Warnes, 1993; Nolan, Grant & Keady, 1996). A prestação informal de cuidados (caregiving) é uma tarefa complexa e uma focalização apenas na sobrecarga, excluindo os aspectos positivos é incapaz de proporcionar uma explicação compreensiva acerca das consequências da prestação informal de cuidados aos idosos (Nolan, Grant & Keady, 1996; McKee et al., 23). Aliás, a capacidade e vontade do cuidador para prestar cuidados parece ser mediada pelo seu poder em encontrar significado e gratificação no seu papel como cuidador (Mafullul & Morriss, 2). Estudos recentes sugerem que as satisfações derivadas do cuidar predominam, podendo ter várias origens e co-existindo a par com as dificuldades (Nolan, Grant & Keady, 1996, 1998; Riedel, Fredman & Langenberg, 1998). As razões de tais recompensas e satisfações variam (Nolan, Grant & Keady, 1996, 1998): a manutenção da dignidade da pessoa idosa; ver a pessoa de quem se cuida bem tratada e feliz; ter a consciência de que se dá o melhor; encarar a prestação de cuidados como uma oportunidade de expressão de amor e afecto; manter a pessoa de quem se cuida fora de uma instituição; perceber que as necessidades da pessoa dependente são atendidas; encarar a prestação de cuidados como uma possibilidade de crescimento e enriquecimento pessoal; sentido de realização; desenvolvimento de novos conhecimentos e competências. Note-se que estas gratificações se revestem de um cariz não material, no entanto, as vantagens financeiras desempenham um papel incontestável. Jani-Le Bris (1994) divide as satisfações materiais em vantagens futuras e imediatas. As primeiras referem-se à herança: nalguns casos, chegam a existir contratos morais ou notariais que subordinam o legado à cláusula da execução da prestação de cuidados, privilegiando expressamente, entre os herdeiros, a pessoa que presta cuidados. As vantagens imediatas resultam geralmente de uma troca consciente, que se verifica quando as necessidades do idoso vão ao encontro das necessidades do cuidador (dependência financeira da pensão do idoso, o cuidador é alojado e alimentado gratuitamente). Relativamente à parca atenção que as consequências positivas da tarefa de cuidar têm merecido por parte da investigação, Nolan, Grant e Keady (1996) apontam três possíveis explicações. Em primeiro lugar, apesar da crescente sofisticação dos 9

110 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos modelos de prestação informal de cuidados acerca do stresse e coping, há a tendência para encarar esta tarefa sob uma perspectiva patológica. Assim, os cuidadores tendem a ser vistos como vítimas, apanhados sem querer neste papel ou obrigados a suportar familiares dependentes, muitas vezes em condições materiais, psicológicas e financeiras mínimas. Consequentemente, as acções primárias dos serviços visam reduzir o stresse do cuidador. Em segundo lugar, os cuidadores podem ser perspectivados como indivíduos bem intencionados, cujos interesses e motivações podem levá-los a proteger familiares que necessitam de apoio ou cuidados. Aqui, os serviços encontram-se mais direccionados a ajudar a pessoa doente a viver uma vida mais normal e independente dos seus cuidadores. Finalmente, uma terceira possível explicação prende-se com a tendência histórica de se perspectivar os cuidadores, tal como outro tipo de clientes, como receptores passivos dos serviços de assistência social/previdência social. Desta forma, não se espera que expressem as suas opiniões e sentimentos acerca do que fazem, o que contribui para a perpetuação de assunções erróneas acerca da prestação informal de cuidados, pois não se tem em conta as experiências que os cuidadores vivem efectivamente no seu quotidiano Satisfações uma conceptualização A literatura acerca das recompensas e gratificações que derivam da prestação de cuidados encontra-se num estado embrionário. Todavia, Nolan, Grant e Keady (1996) propõem uma conceptualização que facilita o entendimento do papel das gratificações, constituindo uma mais valia numa área onde muito há por descobrir. Em primeiro lugar, os autores salientam a noção de reciprocidade como a melhor chave para compreender a dádiva e a aceitação de ajuda e apoio. Neste contexto, a reciprocidade não se refere necessariamente a uma troca equitativa de ajuda e suporte, mas sim ao resultado de uma configuração complexa de várias negociações implícitas, fortemente marcadas pela história e biografia das relações. Deste modo, a reciprocidade permite explorar as satisfações associadas à prestação informal de cuidados, consistindo em percepcionar o principal beneficiário da relação. Nalgumas situações, o principal beneficiário é claramente o receptor de cuidados; noutras serão ambos, isto é, o cuidador e o receptor de cuidados; e, na posição oposta, o beneficiário será o cuidador. 91

111 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Paralelamente, há que considerar, de acordo com Nolan, Grant e Keady (1996), as fontes ou proveniências das satisfações, que poderão ser de três tipos: satisfações derivadas principalmente da dinâmica interpessoal entre o cuidador e o receptor de cuidados; satisfações que procedem essencialmente da orientação intrapessoal ou intrapsíquica do cuidador; e, por último, satisfações que resultam primeiramente do desejo e vontade de promover consequências positivas e evitar consequências negativas para o receptor de cuidados. Figura 2.1 Matriz conceptual das satisfações da prestação informal de cuidados ORIGEM DA SATISFAÇÃO Dinâmica interpessoal Dinâmica intrarpessoal/ intrapsíquica Dinâmica das consequências Manter/proporcionar pequenos agrados Cuidar e tratar Proporcionar os melhores cuidados existentes Receptor de cuidados Ver a pessoa de quem se cuida feliz Manter a dignidade/autoestima de quem se cuida Evitar a institucionalização Ajudar a pessoa de quem se cuida a alcançar o total potencial, desenvolvimento e crescimento PERCEPÇÃO DO PRINCIPAL BENEFICIÁRIO Ambos Cuidador Relação de cuidados próxima Melhorar as relações familiares Expressões de apreço da pessoa de quem se cuida, família/amigos, profissionais Amor e afecto da pessoa de quem se cuida Desenvolver significados e valores familiares Retribuição da amabilidade passada Troca hipotética Comportamento altruísta Satisfações existenciais Expressão da religiosidade/outras crenças Desenvolver sentido de competência Ajudar na recuperação Desenvolver novos interesses partilhados Desenvolver capacidades competências novas e Sentido de realização Qualidades pessoais (p.ex., tolerância ou paciência) Preenchimento do sentido de dever Reduzir a culpa Senti-se querido e necessário Crescimento pessoal Adaptado de Nolan, Grant e Keady (1996) 92

112 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos Tendo em conta estes dois esquemas de análise os autores conceberam uma matriz conceptual de dupla entrada, onde procuram situar os principais resultados da literatura existente acerca das satisfações na prestação informal de cuidados, criando assim diferentes categorias que não se pretendem estanques (figura 2.1). O objectivo primordial é permitir uma melhor identificação e compreensão dos diferentes tipos de satisfações. Satisfações que derivam da dinâmica interpessoal Pode analisar-se a matriz apresentada começando pelas satisfações originadas pela dinâmica interpessoal, onde o receptor de cuidados é o principal beneficiário percepcionado. Ou seja, a célula que se situa no topo e do lado esquerdo na matriz (figura 2.1). Algumas pesquisas têm constatado que uma das fontes largamente identificada pelos cuidadores como estando na origem das satisfações consiste no simples acto de dar pequenos agrados à pessoa de quem se cuida (Nolan & Grant, 1992; Grant & Nolan, 1993). Por outro lado, o facto de simplesmente se ver a pessoa de quem se cuida feliz constitui uma outra fonte de satisfações (Kane & Penrod, 1995; Nolan, Grant & Keady, 1996; Nolan, Grant & Keady, 1998). A um nível mais abstracto, a investigação tem sugerido que a manutenção da dignidade e da auto-estima da pessoa de quem se cuida representa um motivo de gratificação (Nolan & Grant, 1992; Grant & Nolan, 1993). A dinâmica interpessoal que se instala entre o cuidador e a pessoa de quem se cuida implica benefícios para ambos. Por exemplo, há estudos em que os cuidadores revelam que a sua proximidade com a pessoa de quem cuidam aumentou ao longo da prestação de cuidados e que isso se traduz numa gratificação (cf. Nolan, Grant & Keady, 1996; Noonan, Tennstedt & Rebelsky, 1996). Esta melhoria nas relações, como resultado da prestação informal de cuidados, não se limita apenas à díade, mas estende-se a outros membros da família (Nolan & Grant, 1992; Grant & Nolan, 1993; Kane & Penrod, 1995, Nolan, Grant & Keady, 1996). No caso em que a fonte primária de satisfação se refere aos aspectos interpessoais, mas em que o beneficiário percepcionado é o cuidador, as expressões de apreço, por parte da pessoa de quem se cuida e de familiares, amigos ou cuidadores formais, têm sido identificadas como uma das maiores fontes de gratificação (cf. Nolan, Grant & Keady, 1996). O amor e o afecto da pessoa de quem se cuida estão também na origem das gratificações que os cuidadores retiram da prestação informal de cuidados (Nolan, Grant & Keady, 1996; Kane & Penrod, 1995). 93

113 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Satisfações que derivam da dinâmica intrapessoal A maioria das satisfações e recompensas que derivam da dinâmica intrapessoal ou intrapsíquica do cuidador situam-se a meio da matriz descrita na figura 2.1. No que toca ao cuidador como o principal beneficiário, algumas investigações têm revelado o potencial da prestação informal de cuidados em satisfazer necessidades existenciais, nomeadamente a de viver uma vida com um propósito e um sentido (Pearlin et al., 199; Nolan & Grant, 1992; Grant & Nolan, 1993). Paralelamente, a prestação informal de cuidados representa para muitos cuidadores um veículo de expressão de fortes crenças religiosas e pessoais (cf. Nolan, Grant & Keady, 1996; Grant & Nolan, 1993). Esta situação é, ainda, frequentemente descrita como uma oportunidade para satisfazer algumas necessidades dos cuidadores como, por exemplo, de crescimento pessoal (Noonan, Tennstedt & Rebelsky, 1996), sentido de competência e realização, desenvolvimento de qualidades pessoais como a paciência ou a tolerância (cf. Nolan, Grant & Keady, 1996). Alguns cuidadores encaram a prestação informal de cuidados como algo recompensador, pois confere-lhes uma oportunidade para cumprir aquilo que consideram o seu dever e para reduzir o potencial ou actual sentimento de culpa (Kane & Penrod, 1995; Nolan, Grant & Keady, 1996; Noonan, Tennstedt & Rebelsky, 1996; Cohen, Colantonio & Vernich, 22). A célula a meio da matriz conceptual refere-se às satisfações que derivam das orientações intrapsíquicas do cuidador e que têm como beneficiários este e a pessoa de quem cuida. Aqui situam-se as satisfações que derivam da retribuição da amabilidade passada (Nolan & Grant, 1992; Grant & Nolan, 1993) e aquilo a que Nolan e Grant (1993) designaram por troca hipotética ( hypothetical exchange ). Esta consiste na convicção de que se a situação se revertesse, a pessoa de quem se cuida faria o mesmo pelo seu cuidador. Os autores consideram este tipo de satisfações como recíprocas porque: produzem fortes motivações para assumir a prestação de cuidados e assegurar a sua continuidade, garantindo que a pessoa de quem se cuida tem a ajuda que necessita; e fazem com que o cuidador não se sinta em dívida para com a pessoa de quem cuida. O receptor de cuidados acaba por beneficiar da necessidade de cuidar e tratar sentida por alguns cuidadores, em particular, do género feminino (cf. Nolan, Grant & Keady, 1996). Neste sentido, a pessoa de quem se cuida será a principal favorecida, mas o cuidador também beneficia ao poder satisfazer uma necessidade psíquica. 94

114 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos Satisfações que derivam das consequências A última grande categoria de satisfações na conceptualização de Nolan, Grant e Keady (1996) respeita às que derivam do desejo de promover consequências positivas e de evitar ou reduzir as negativas, normalmente para a pessoa de quem se cuida. No que toca às consequências positivas, muitos cuidadores acreditam que têm capacidade para prestar os melhores cuidados possíveis à pessoa dependente, devido ao conhecimento íntimo e pessoal que possuem das circunstâncias e necessidades do receptor de cuidados (Pearlin et al., 199; Nolan & Grant, 1992; Grant & Nolan, 1993). O reverso desta medalha é a convicção de que como mais ninguém é capaz de prestar um nível aceitável de cuidados, então o cuidador entende que deve ser ele a continuar a prestá-los a todo o custo. Deste modo, ao mesmo tempo que promove uma fonte de satisfação, esta convicção serve para obrigar o cuidador a cumprir esse papel, tornando muito difícil o seu abandono, mesmo quando os cuidados institucionais estão a ser ponderados (Nolan & Grant, 1992; Grant & Nolan; 1993; Nolan, Grant & Keady, 1996). Este tipo de papéis ligados à prestação informal de cuidados foram apelidados por Twigg e Atkin (1994, citados por Nolan, Grant & Keady, 1996) de simbióticos ( symbiotic ). Estes cuidadores demonstram muita relutância em desistir do seu papel e apenas aceitam ajuda se esta for consistente com as suas referências. Consequentemente, os argumentos postulados por Twigg e Atkin (1994, citados por Nolan, Grant & Keady, 1996) sugerem que os cuidadores não desejam que a sua prestação de cuidados acabe porque, desse modo, as suas necessidades não mais poderiam ser satisfeitas. Todavia, Nolan, Grant e Keady (1996) contestam de alguma forma esta ideia, argumentando que, apesar disso poder ocorrer em circunstâncias excepcionais, os cuidadores sentem-se relutantes em desistir de cuidar dos seus familiares dependentes não devido a motivos egoísticos, mas simplesmente porque as alternativas são perspectivadas como inaceitáveis. A dinâmica das consequências poderá beneficiar simultaneamente o cuidador e a pessoa de quem se cuida, através do desenvolvimento de um novo conjunto de actividades ou interesses em comum (Cartwright et al., 1994, citados por Nolan, Grant & Keady, 1996). Finalmente, o desenvolvimento de novas competências e conhecimentos nos próprios cuidadores (Pearlin et al., 199; Nolan & Grant, 1992; Grant & Nolan, 1993; Nolan, Grant & Keady, 1996) situam-se na última célula, em baixo e à direita na matriz, onde o principal benefício é para o cuidador. 95

115 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Satisfações: a importância da sua consideração Para além da crescente evidência empírica de que os aspectos positivos da tarefa de cuidar se relacionam com o bem-estar do cuidador (Lawton et al., 1991; Stephens, Franks & Townsend, 1994; Cohen, Colantonio & Vernich, 22), a sua consideração e conhecimento tem implicações na concepção e implementação de serviços. Nolan, Grant e Keady (1996) nomeiam três implicações principais. Assim, as satisfações podem ser encaradas como recursos de coping ou intervenção terapêutica para ajudar os cuidadores a centrarem-se nos aspectos positivos do que fazem. Em segundo lugar, as satisfações podem ser usadas como um indicador ou medida de controlo de qualidade para determinar se os serviços estão efectivamente a atender às necessidades dos cuidadores informais. Por exemplo, quando os cuidadores sentem que só eles conseguem prestar os cuidados apropriados, de forma a manter a dignidade do familiar, o que lhes dá satisfação, podem não permitir que outros colaborem/assumam os cuidados. Assim, questioná-los acerca das satisfações que derivam da prestação de cuidados pode ajudar a identificar os cuidadores com mais dificuldades em aceitar a ajuda dos serviços e a clarificar quais os serviços mais convenientes para esses cuidadores. As satisfações podem, ainda, funcionar como indicadores de risco. Ou seja, os cuidadores que não conseguem encontrar qualquer tipo de agrado no desempenho desse papel encontramse em maior risco de depressão e de experienciar consequências adversas, institucionalizar o idoso mais cedo do que outros cuidadores ou, no limite, maltratar o idoso. McKee et al. (23) nomeiam duas razões que justificam a pertinência de se analisarem os aspectos positivos (satisfações) que derivam da tarefa de cuidar. Em primeiro lugar, referem que quando a intervenção visa unicamente a redução da sobrecarga do cuidador pode agravar mais a relação de cuidados entre o cuidador e o idoso, pois ignora as oportunidades de incrementar as satisfações que derivam dessa relação. Por outro lado, os cuidadores que se sentem sobrecarregados (burned) mas que retiram satisfações desse papel podem exigir intervenções diferentes daqueles que não encontram qualquer satisfação (ou encontram pouca). Krammer (1997) apontou quatro razões que justificam a análise e exploração dos aspectos positivos da prestação informal de cuidados: os cuidadores querem falar sobre eles; os profissionais obterão mais informação sobre o que funciona com mais eficácia; trata-se de um importante indicador da qualidade dos cuidados prestados ao idoso; e, finalmente, a necessidade de incrementar os conhecimentos na área. 96

116 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos Sumariando, a promoção no cuidador de um sentido de gratificação deverá ser também um objectivo específico e legítimo da intervenção (Nolan, Grant & Keady, 1996; Nolan, Ingram & Watson, 22). Como sublinham Nolan, Grant e Keady (1998), ajudar os cuidadores a identificar fontes de satisfação na prestação de cuidados, pode enriquecer a relação de cuidados. Apesar das satisfações terem sido perspectivadas, em investigações anteriores, como possíveis consequências que derivam da prestação informal de cuidados (cf. Noonan, Tennstedt & Rebelsky, 1996), o seu potencial papel moderador no processo de stresse (apesar de se saber ainda pouco acerca dele) tem sido objecto de alguns estudos que sublinham a influência das recompensas no bem-estar do cuidador. Apesar do conhecimento limitado acerca do papel moderador das satisfações no processo de stresse, existe crescente evidência que a existência de recompensas e satisfações afectam a sobrecarga (Riedel, Fredman & Langenberg, 1998) e se associam com (Stephens, Franks & Townsend, 1994; Hinrichsen, Hernandez & Pollack, 1992; Roff et al., 24; Nolan, Grant & Keady, 1996): incremento do bem-estar, ajuste emocional e menor ansiedade do cuidador; compromisso crescente com a relação de cuidados; reduzida probabilidade de institucionalização da pessoa idosa; estima e apreciação pela pessoa de quem se cuida; evidência de uma boa relação prévia com a pessoa dependente; atitude mais positiva acerca do futuro; e, estratégias de coping bem sucedidas. 3. Necessidades do cuidador familiar Antes de se proceder à identificação das principais necessidades dos cuidadores familiares, convém destacar as conclusões centrais que a literatura tem revelado a este propósito (Borgermans, Nolan & Philp, 21): a) As necessidades dos cuidadores familiares são muito importantes no contexto da avaliação, porém têm sido pouco estudadas e conceptualizadas. b) Existem poucos instrumentos disponíveis para avaliar as necessidades dos cuidadores familiares. Neste contexto, os investigadores tendem a criar medidas de avaliação para os seus estudos específicos, com informação frequentemente limitada acerca das suas propriedades psicométricas. c) Em geral, os cuidadores familiares apresentam uma série de necessidades: materiais (recursos financeiros, ajudas técnicas, utilização de serviços...); emocionais (suporte emocional, grupos de apoio...); informativas (como realizar 97

117 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência os cuidados, adaptações ambientais e arquitectónicas ao doente, direitos, deveres). As necessidades dependem de uma série de factores, tais como, o tipo e grau de dependência da pessoa que necessita de cuidados, o estado de saúde do cuidador, a (in)existência de outras pessoas que prestem ajuda complementar, a utilização/acesso ou não de serviços de apoio, coabitação, poder económico, isolamento social, participação ou não no mercado de trabalho (Jani-Le Bris, 1994). d) Somente mediante a identificação e clarificação das necessidades dos cuidadores familiares, é que os profissionais de saúde e da acção social estarão aptos a focar a atenção e a conceber medidas que contribuam para o sucesso a longo prazo dos cuidados domiciliários Identificação das necessidades Identificar as necessidades dos cuidadores informais é um processo complexo, dada a variabilidade individual, a fase da prestação de cuidados e o contexto em que ocorre. Além disso, os próprios cuidadores familiares sentem algumas dificuldades em formular e imaginar as suas necessidades, principalmente quando desconhecem as respostas formais existentes (Jani-Le Bris, 1994; Borgermans, Nolan & Philp, 21). De qualquer modo, a literatura tem evidenciado alguns tipos de necessidades mais frequentes, que poderão ser agrupadas em: ajudas práticas e técnicas; apoio financeiro; apoio psicossocial; tempo livre; informação e de formação. Necessidades de ajudas práticas e de ajudas técnicas Os cuidados ao domicílio (de enfermagem ou de higiene), bem como o apoio nas tarefas domésticas e na preparação das refeições são primordiais, quer se trate ou não de uma situação de coabitação com pessoa de quem se cuida (Jani-Le Bris, 1994; Quaresma, 1996; NAC/AARP, 1997). Também, o material técnico adequado, como por exemplo, cadeira de rodas, andarilho, cama de hospital e/ou arrastadeira, facilita consideravelmente as tarefas do cuidador (Jani-Le Bris, 1994; Borgermans, Nolan & Philp, 21). Por vezes, a possibilidade de aluguer deste material é importante devido ao elevado preço e à incerteza relativamente à duração do período da sua utilização. 98

118 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos Necessidade de apoio financeiro A prestação de cuidados constitui mais um encargo financeiro para as pessoas que a assumem, que se torna mais pesado para os cuidadores que pertencem às camadas sociais economicamente mais frágeis (Jani-Le Bris, 1994; NAC/AARP, 1997) e para os que cuidam de idosos com demência (NAC/AARP, 1997). Neste âmbito, as necessidades situam-se a vários níveis, nomeadamente, apoio para despesas médicas e medicamentosas, internamento e equipamento (Jani-Le Bris, 1994; Borgermans, Nolan & Philp, 21). As necessidades de ajuda financeira resultam da escassez de rendimentos, fruto dos baixos valores das pensões e/ou reformas, a par das elevadas despesas com a assistência médica, medicamentos e ajudas técnicas (Jani-Le Bris, 1994; Quaresma, 1996). Frequentemente, resultam da justaposição de necessidades dos idosos e dos cuidadores, grande parte das quais não existiriam se os primeiros dispusessem de um maior apoio financeiro na doença e na dependência. Necessidades de apoio psicossocial Uma das necessidades mais sentidas pelos cuidadores é a de ter alguém com quem falar acerca das experiências, dificuldades, preocupações e satisfações inerentes à prestação de cuidados. Alguém que os escute, compreenda e com quem possam desabafar (George & Gwyther, 1986; Jani-Le Bris, 1994; Nolan, Keady & Grant, 1995; NAC/AARP, 1997; Borgermans, Nolan & Philp, 21). Em simultâneo, observa-se a necessidade de reconhecimento, isto é, a pessoa que dá e se sacrifica, para o seu equilíbrio, precisa de se sentir valorizada e apreciada (Jani-Le Bris, 1994). A participação em grupos de apoio raramente é mencionada como uma necessidade entre os cuidadores familiares, à excepção dos que pertencem a esses grupos. Contudo, os grupos de apoio podem assumir um papel preponderante, já que os resultados positivos obtidos comprovam as necessidades a este nível (Fortinsky & Hathaway, 199; Jani-Le Bris, 1994; Borgermans, Nolan & Philp, 21). Aliás, os grupos de apoio podem ser uma fonte de informação e aconselhamento acerca da doença e das suas consequências, técnicas e ajudas disponíveis. Desempenham igualmente um papel na quebra do isolamento e solidão que tendem a acompanhar o cuidador, já que favorecem a interacção social. 99

119 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Necessidade de tempo livre Um outro tipo de necessidade consiste em o cuidador poder ser temporariamente dispensado das tarefas e responsabilidades, ficando com tempo para si (Jani-Le Bris, 1994; NAC/AARP, 1997). Estas necessidades traduzem-se em: substituições durante algumas horas, durante um dia ou dois (por exemplo, fins-de-semana) ou ao longo de várias semanas consecutivas (no caso das férias, por exemplo). Necessidade de informação e de formação Principalmente quando a dependência se instala de forma repentina, os cuidadores sentem necessidade de informação acerca dos serviços disponíveis, subsídios e direitos (Jani-Le Bris, 1994; Borgermans, Nolan & Philp, 21). Tal informação encontra-se muitas vezes dispersa, exigindo muito tempo por parte do cuidador para lhe ter acesso. As necessidades de formação visam a aquisição de conhecimentos práticos (como levantar uma pessoa, cuidar da sua higiene pessoal, vesti-la, ) e conhecimentos acerca da própria doença e dependência (causas, evolução, tratamentos...) (Jani-Le Bris, 1994; Borgermans, Nolan & Philp, 21) A importância da avaliação das necessidades Apesar do crescente reconhecimento da importância dos cuidadores informais na coordenação e prestação de cuidados a longo prazo a idosos dependentes e incapacitados, a avaliação sistemática das suas necessidades tem merecido pouca atenção por parte de políticos, investigadores e profissionais. Como sublinha Feinberg (22), a realização de uma avaliação do cuidador tem, em geral, como finalidade a sua integração num plano de cuidados ao idoso dependente e não a compreensão global das suas necessidades específicas. Dificilmente se pode apoiar adequadamente as pessoas sem a compreensão holística das suas necessidades (Chappell, 1996, citado por Nolan, Ingram & Watson, 22). Aliás, como sublinham Knight, Lutzky e Macofsky-Urban (1993, citados por Olshevski, 1

120 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos Katz e Knight (1999)), após uma revisão da literatura acerca de intervenções psicossociais e serviços de alívio para cuidadores, as intervenções são mais eficazes quando são dirigidas a cuidadores com necessidades específicas, mas a identificação deste grupoalvo deve ser baseada numa avaliação das necessidades. No entanto, a maior parte da literatura gerontológica sobre avaliação tem-se focalizado no idoso enquanto receptor, e não no familiar enquanto prestador de cuidados (Feinberg, 22). Além disso, existe a tendência para a avaliação se centrar em aspectos objectivos da prestação de cuidados, negligenciando os subjectivos. Mesmo quando os critérios subjectivos são incluídos, tendem a reflectir o ponto de vista dos investigadores ou dos profissionais em vez da perspectiva do cuidador (Nolan, Ingram & Watson, 22). Trata-se de uma importante limitação, já que muitas vezes se verifica que cuidadores familiares e profissionais possuem perspectivas divergentes: os cuidadores familiares tentam normalizar a sua situação e os profissionais tendem a defini-la em termos patológicos (Clarke, 1999, citado por Nolan et al., 23). Desta forma, a eficácia da intervenção exige a consideração e valorização dos pontos de vista dos cuidadores no processo de avaliação das suas necessidades. Mas como a literatura acerca da prestação informal de cuidados tem sido dominada pela perspectiva da sobrecarga, também a intervenção tem sido o reflexo desse mesmo domínio. Borgermans, Nolan e Philp (21) salientem três aspectos fulcrais: em primeiro lugar, a maior parte das intervenções têm como principal objectivo a redução do stresse do cuidador familiar; consequentemente, são poucas as intervenções que se focalizam nos aspectos positivos do cuidar; finalmente, as intervenções raramente são organizadas num contexto multidisciplinar. As avaliações acerca da eficácia dos serviços formais na atenuação das sensações de sobrecarga no cuidador revelaram resultados desanimadores. Os serviços formais destinados a apoiar cuidadores informais são essencialmente de dois tipos (Stephens, 1993): intervenção psico-educativa e alívio (respite). Os programas psico-educativos visam o incremento das competências dos cuidadores informais para lidar com as exigências e responsabilidades da prestação de cuidados (por exemplo, aconselhamento, psicoterapia, grupos de suporte), acabando por promover apoio de tipo emocional. Os programas de alívio (respite) procuram criar recursos que libertem os cuidadores informais de algumas das actividades inerentes à prestação de cuidados (por exemplo, serviços de apoio domiciliário, centros de dia), acabando por prestar apoio de carácter instrumental. O resultado mais consistente no que concerne à utilização de serviços indica que poucos cuidadores informais a eles recorrem e, aqueles que o fazem, não os utilizam em 11

121 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência grande escala (Stephens, 1993). Várias razões têm sido apontadas para este subaproveitamento dos serviços, nomeadamente: desconhecimento dos serviços, custo dos serviços, preocupação com as críticas de terceiros pelo facto de aceitarem ajuda formal, desconforto ou embaraço pelo comportamento do familiar de quem cuidam, receio de perturbar ou contrariar o familiar com a presença de uma pessoa desconhecida a colaborar na prestação de cuidados, sentimentos de desconforto por tomar decisões pelo familiar (cf. Mullan, 1993; Stephens, 1993). As razões mais consistentes (principalmente no que toca aos serviços de alívio) são: os cuidadores informais não perspectivam os serviços como relevantes para as suas necessidades; e, não consideram que os serviços promovam cuidados de suficiente qualidade (cf. Nolan et al., 23). Este facto desperta a atenção para a consideração das perspectivas e opiniões dos cuidadores informais no delineamento de medidas de intervenção com vista à satisfação das suas necessidades. Emerge, assim, a necessidade de realizar avaliações multidimensionais. A complexidade da prestação de cuidados familiares, empreendida em diversas circunstâncias e contextos sociais, dificulta o desenvolvimento de sistemas de avaliação multidimensionais (Nolan, Grant & Keady, 1998; Feinberg, 22). Aneshensel et al. (1995) salientam a multiplicidade de dimensões envolvidas na prestação informal de cuidados, que interagem de maneira diversa e complexa. Também Nolan et al. (1996, 1998, 23) reiteram a importância deste tipo de avaliação, argumentando que, apesar da importância da avaliação das dificuldades e exigências da prestação de cuidados, só se alcançará uma compreensão mais abrangente ao considerar, entre outros aspectos, a percepção do cuidador em relação a: potenciais fontes de stresse; recompensas e satisfações da prestação de cuidados; eficácia das estratégias de coping; suporte social recebido; motivação para prestar cuidados; e, relação com a pessoa de quem se cuida. Neste processo, é essencial considerar a vontade e capacidade do cuidador para prestar cuidados. Alguns cuidadores podem não ter vontade, mas são obrigados a isso; outros podem ter vontade, mas carecer das competências e capacidades necessárias (Nolan et al., 23). O quadro 2.1 sintetiza os potenciais domínios que constituem importantes componentes de uma avaliação multidimensional dos cuidadores familiares. 12

122 Capítulo 2 Prestar cuidados: os cuidadores familiares de idosos Quadro 2.1 Domínios para uma avaliação multidimensional do cuidador POTENCIAIS DOMÍNIOS Contexto da prestação de cuidados Nível funcional do receptor de cuidados Cuidados prestados e competências Saúde EXEMPLOS DO QUE PODE SER AVALIADO Características socio-demográficas do cuidador e do receptor de cuidados (por exemplo, idade, género, grau de parentesco, estado civil, situação profissional do cuidador, etc.) Capacidade da pessoa de quem se cuida para levar a cabo AVD ou AIVD; problemas cognitivos e comportamentais do receptor de cuidados, etc. Tipo de tarefas empreendidas pelo cuidador (supervisão, cuidados pessoais, administrar medicação, apoio emocional, etc.); quantidade de tempo despendido na prestação de cuidados; capacidades específicas da situação de prestação de cuidados (estratégias comunicativas, capacidade para tomar decisões, capacidade para coordenar a prestação de cuidados e a supervisão de cuidadores formais, etc.) Saúde física: medidas genéricas como o estado de saúde para comparar com a população geral; identificação de problemas específicos do cuidador (ex: artrite, hipertensão); questões acerca do abuso de álcool e drogas; Saúde mental: medidas genéricas de depressão para comparar com a população geral; medidas de ansiedade, bem-estar psicológico, etc. Suporte social Informações acerca dos rendimentos e profissão Estratégias de coping Confiança e competência no papel de cuidador Aspectos positivos da tarefa de cuidar Forças/poderes/meios /recursos Suporte formal e informal disponível; apoio prestado e recebido pelo cuidador; satisfação com a utilização de serviços Nível de rendimentos, problemas no emprego causados pela prestação de cuidados, etc. Estratégias centradas nos problemas e estratégias centradas nas emoções; religião/espiritualidade; passatempos Percepção de competência na prestação de cuidados; grau de autoconfiança na capacidade de fazer o que necessita de ser feito; sentido de domínio do cuidador em tarefas específicas Até que ponto a situação de prestação de cuidados trouxe benefícios para a vida do cuidador e é recompensadora (ex: sentir-se mais útil, sentir-se querido e necessário, encontrar mais sentido para a vida, etc.) Potenciais ou existentes forças, recursos e capacidades (p. ex.: o que é que o cuidador quer e necessita, como é que o cuidador lidou com desafios em situações passadas, o que é que actualmente corre bem para o cuidador) Adaptado de Feinberg (22) 13

123 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Ao longo dos últimos vinte anos, a investigação em torno do stresse e do coping tem procurado perceber quais as exigências que os cuidadores informais enfrentam e como lidam com elas. Apesar da variedade de teorias existentes acerca do processo de desenvolvimento de stresse, existe uma certa unanimidade entre investigadores e profissionais de que os modelos transaccionais de stresse proporcionam uma compreensão mais adequada e completa acerca da complexidade das reacções do cuidador aos diferentes estímulos presentes numa situação de prestação de cuidados. O capítulo que se segue incide na análise dos modelos transaccionais de stresse aplicados ao contexto da prestação informal de cuidados. 14

124 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados

125 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência 16

126 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados Introdução A vasta investigação em torno da prestação informal de cuidados tem destacado a complexidade, especificidade e diversidade desta experiência. Não se pode estabelecer um único padrão de adaptação e enfrentamento perante as diversas situações da prestação de cuidados. Os cuidadores familiares diferem no tipo de motivação ou situação que os levou a assumir tais responsabilidades, nas capacidades e competências para o cuidado, nos recursos de que dispõem, no modo como isso afecta as suas vidas. Por outro lado, também se verifica a variabilidade entre os dependentes, em função do grau e tipo de dependência de que padecem, da personalidade, da história da relação com o cuidador, do modo como aceitam os cuidados que lhes estão a ser prestados. A investigação tem demonstrado que sentimentos de stresse ou sobrecarga no cuidador familiar são influenciados, mas não unicamente determinados, pelo tipo de doença ou grau de incapacidade da pessoa idosa. Enquanto algumas pessoas, ao cuidar de um familiar idoso com elevado grau de dependência, apresentam níveis de sobrecarga pouco significativos, outras, ao prestar cuidados a um idoso com um estado moderado ou baixo de incapacidade, exibem elevados níveis de sobrecarga. Estes padrões individuais tendem a diferenciar-se mais à medida que transcorre o tempo da prestação de cuidados, sendo que alguns cuidadores se vão adaptando com sucesso às sucessivas exigências desta tarefa, ao passo que outros se sentem progressivamente mais sobrecarregados. Os modelos transaccionais de stresse permitem explorar a complexidade e dinâmica da prestação informal de cuidados, pois ajudam a identificar e descrever a diversidade de condições e experiências que geralmente afectam a saúde e bem-estar dos cuidadores familiares, assim como a explicar as variações nos impactos destas condições e experiências em diferentes grupos de cuidadores. De entre os modelos transaccionais, o modelo proposto por R. Lazarus e S. Folkman (1984) e o desenvolvido por Pearlin e colaboradores (199) têm sido frequentemente considerados como aqueles que proporcionam uma visão mais completa e compreensiva acerca dos processos de stresse na prestação informal de cuidados. 17

127 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência 1. O que é o stresse? 1.1. Em torno do conceito de stresse A palavra stresse é continuamente empregue nos diálogos do quotidiano, frequentemente se ouve dizer estou stressado. No campo científico, o stresse tem dado origem a inúmeras investigações, assumindo um papel central na pesquisa acerca da prestação informal de cuidados. Stress é uma expressão que existe na língua inglesa desde o século XIV que significa pressão ou tensão. Etimologicamente, é proveniente dos termos latinos stringo, stringere, strinxi, strictum, que significam apertar, comprimir, restringir. No século XIX, este conceito viu o seu significado alargado às pressões exercidas sobre um órgão corporal ou sobre a mente humana (Serra, 1999). Na Física, o stresse expressa a elasticidade, isto é, propriedade que os corpos têm de retomar a forma e dimensão originais, depois de terem sido submetidos a forças deformadoras. O stresse é um conceito utilizado na Física desde 1658, postulado na Lei de Hooke, com os seguintes pressupostos: a carga, que diz respeito a forças externas como o peso; o stress (pressão), que se refere à magnitude de uma força externa; e o strain (tensão), que consiste na deformação produzida pela acção conjunta da carga e do stresse. Assim, cada corpo físico detém um módulo de elasticidade específico, ou seja, uma relação stress-strain particular, que é alta para corpos rígidos (como o aço) e baixa para corpos flexíveis (como o estanho). A quantidade máxima de stresse que um corpo pode suportar antes de ficar permanentemente deformado é o seu limite elástico, que difere com o corpo físico em questão (Serra, 1999; Ramos, 21). Este modelo permite uma analogia com o ser humano: o stresse representa a relação que se estabelece entre a carga vivenciada pelo sujeito e a resposta fisiológica e psicológica que o mesmo desencadeia perante aquela (Lazarus, 1993 e 1999, citado por Serra, 1999), tendo em conta que algumas pessoas possuem um limite elástico emocional muito superior às outras (Ramos, 21). Uma dificuldade que tem sido apontada no âmbito da investigação acerca do stresse reside no facto do termo assumir diferentes significados. Não existe uma definição universalmente aceite pela comunidade científica. Por exemplo, Lazarus e Launier (1978) chamam a atenção para o facto do termo stresse ser muito geral, designando diferentes aspectos relacionados com diferentes níveis de análise, e tendo em conta que cada um destes níveis é parcialmente independente no que se refere a diferentes condições, conceitos e processos. Breznitz e Goldberger (1982) advogam que a 18

128 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados experiência subjectiva de stresse reside algures entre o stressor e os seus efeitos, considerando que tal experiência não é passível de avaliação objectiva. E acrescentam que os comportamentos considerados como efeitos do stresse também podem ser categorizados como efeitos, por exemplo, da ansiedade e do conflito. Steinberg e Ritzmann (199) estipulam que o stresse tem sido por vezes descrito como um aumento nos níveis de catecolamina, uma mudança no peso ad-renal, ou como uma pontuação numa escala de acontecimentos de vida. Rosch (1996) refere que o conceito de stresse assume representações diferentes consoante as pessoas, uma vez que a realidade é distinta para cada um e, mais importante, frequentemente não é passível de uma avaliação precisa e fidedigna. Na tentativa de conceptualizar o stresse, destacam-se várias definições. Holroyd e Lazarus (1982) postulam que o sujeito entra numa situação se stresse quando as exigências externas e/ou internas excedem os recursos individuais para as manter. Pearlin (1982) considera que o stresse se refere à resposta do organismo a uma condição nociva ou ameaçadora. Para Cox (1985), o stresse constitui parte de um complexo e dinâmico sistema de transacções entre o indivíduo e o seu meio envolvente. Eliot (1988) indica que o stresse pode ser perspectivado como a resposta do organismo a qualquer evento, real ou imaginado, percepcionando-se a necessidade de uma resposta adaptativa e/ou a produção de tensão. Levine e Ursin (1991) consideram-no como parte de um sistema biológico adaptativo, onde um estado é gerado quando um processador regista uma discrepância de informação. Humphrey (1992) define o stresse como um qualquer factor, que age interna ou externamente, dificultando a adaptação e induzindo a um esforço acrescido por parte do sujeito para manter um estado de equilíbrio interno e externo. Glue, Nut e Coupland (1993) consideram que, em psiquiatria, o termo stresse pode empregar-se de duas maneiras: por um lado, para identificar acontecimentos ou circunstâncias que são percebidas como adversas ( stressores ), por outro, para descrever o estado induzido por tais eventos ou circunstâncias ( reacção ao stresse ). Levi (1996) refere que o stresse é causado por uma variedade de exigências (stressores), como um ajuste inadequado entre o que o indivíduo necessita e o que consegue fazer, e entre o que o meio lhe oferece e aquilo que lhe exige. Em suma, esta diversidade de definições é, no fundo, o reflexo das três grandes linhas de investigação que têm orientado a pesquisa em torno do stresse: a tradição do stresse fisiológico ou médico, que procura analisar as reacções biológicas do organismo perante estímulos adversos, na qual se enquadra o modelo estímulo resposta de Seyle; a tradição sociológica, que procura estudar as causas sociais de stresse e de patologia, isto é, os acontecimentos de vida que o precipitam; e, a corrente psicológica, 19

129 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência que procura analisar os processos de transacções contínuas entre o indivíduo e o meio ambiente. Assim, o stresse tem sido definido de acordo com três significações diferentes (Ramos, 25): como um estado interno do organismo que surge em resposta a acontecimentos perturbadores; como um condição ambiental externa que perturba o normal funcionamento da pessoa; e como uma interacção de desequilíbrio entre a pessoa e o ambiente, no contexto da qual a primeira procura adaptar-se às condições perturbadoras do segundo Modelos conceptuais de stresse Actualmente, considera-se que uma conceptualização demasiado determinista e unicamente centrada em modelos causais não capta adequadamente a natureza dinâmica e diversa da prestação informal de cuidados. Todavia, as abordagens transaccionais do stresse não têm de ser aplicadas de uma forma determinista, nem devem ser encaradas como representações literais da realidade (Pearlin et al., 199). Aquilo que estas abordagens proporcionam é um plano heurístico útil para explorar várias dimensões dos cuidados familiares. A fim de se obter uma melhor compreensão acerca da abordagem transaccional do stresse, será útil perceber, de forma breve, os principais modelos teóricos explicativos subjacentes O modelo estímulo-resposta de Selye A conceptualização teórica do stresse deve-se originalmente ao trabalho de Seyle (1956) que sugeria que um estímulo externo gera respostas psicológicas internas. Nesta abordagem o stresse emerge como uma resposta global e automática do organismo a qualquer agente externo perturbador (Mota-Cardoso et al., 22). Como resultado da sua investigação, Seyle (1978, 64) conceptualizava o stresse como o denominador comum de todas as reacções adaptativas no organismo. É nesta perspectiva que se enquadra o síndroma geral de adaptação (stresse) de Seyle, definido como expressão do conjunto de sinais de um organismo que se esforça 11

130 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados totalmente para se adaptar. Assim, o síndroma geral de adaptação é uma reacção de defesa do organismo contra agentes externos variados (Ramos, 21). Seyle considerou que o stresse não tem necessariamente uma conotação negativa e, nesse sentido, distinguiu duas dimensões (1978): o distress, enquanto má adaptação do organismo a um estímulo externo perturbador e, como tal, prejudicial e responsável pelo despoletar de determinadas doenças; e o eustress, como optimização do funcionamento adaptativo perante situações problemáticas que constituem um desafio para o sujeito. Neste sentido, pode ser benéfica a existência de algum stresse, pois dinamiza o sujeito para a acção (Jesus, 1995). Trata-se de um stresse agradável e curativo (Ramos, 21, 25). Porém, o modelo de Seyle não consegue explicar a razão pela qual os indivíduos reagem de forma diferente a estímulos semelhantes, denunciando desse modo a sua principal limitação. Ou seja, tal abordagem ignora o papel do indivíduo na determinação da sua própria resposta de stresse. Como relata Ramos (21: 51) o edifício conceptual de Seyle ignora não só o impacto psicológico do stresse no indivíduo, como as aptidões deste último para alterar a situação indutora de stresse. Além disso, o modelo admite apenas fontes de stresse extrínsecas ao indivíduo, negligenciando aquelas que poderão ter origem no mesmo. A fragilidade deste modelo reside principalmente no facto Seyle ter defendido a linearidade estímulo-resposta ou causaefeito, que não é própria do ser humano, como um stresse apenas fisiológico que não contempla as dimensões social e psicológica (Ramos, 21) Stresse e acontecimentos de vida A abordagem sociológica do stresse procura estudar a influência da vida social das pessoas sobre o seu bem-estar individual. Teve o seu início com o estudo dos acontecimentos sociais que poderiam causar doenças nas pessoas, tendo sido designados por acontecimentos de vida (life events) Os acontecimentos de vida representam mudanças que atingem o equilíbrio global do indivíduo, exigindo-lhe, em simultâneo, um esforço contínuo de readaptação e, no limite, a transformação e recriação da sua individualidade (Ramos, 21). Os teóricos desta área perspectivam o stresse como o resultado de efeitos cumulativos de importantes marcos de vida, tais como um divórcio, uma mudança de residência, uma doença grave ou a morte de um ente querido. Se a ocorrência deste tipo de 111

131 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência acontecimentos for temporalmente próxima, haverá mais probabilidade de, consequentemente, se sofrer de stresse físico e psicológico, do que se estes acontecimentos tiverem lugar isoladamente no tempo (Nolan, Grant & Keady, 1996). As variáveis tempo e avaliação cognitiva constituem factores mediadores neste modelo. O factor tempo está largamente implicado neste processo já que pode ser considerado como o melhor remédio (Nolan, Grant & Keady, 1996). Quando um indivíduo enfrenta em simultâneo vários acontecimentos importantes de vida, os seus recursos pessoais podem ser excedidos e, consequentemente, será necessário tempo para se restabelecer. Como já se referiu, o conceito de acontecimentos de vida radica na origem da tradição sociológica do estudo do stresse, encontrando-se largamente associados ao desenvolvimento de uma escala psicométrica para medir os acontecimentos de vida, publicada nos anos 196 Social Readjustment Rating Scale (Escala de Classificação de Reajustamento Social) 1. Trata-se de uma escala que reuniu um grande entusiasmo no seio da comunidade científica e que foi amplamente empregue em inúmeras investigações acerca do stresse. Nessa escala, todos os acontecimentos de vida tinham um peso e o modo de compreender a sua repercussão na saúde das pessoas consistia em somar os diferentes pesos das diferentes situações que tivessem afectado o indivíduo num determinado período de tempo: quanto maior a soma desses pesos, maior amplitude de mudança e, logo, maior necessidade de adaptação à mesma. Simultaneamente, maior grau de stresse (Ramos, 25). Uma abordagem centrada nos acontecimentos importantes de vida pode ser relevante quando se trata de momentos de transição significativa (por exemplo, uma mudança de residência pode modificar a rede social pessoal do indivíduo). Todavia, será, provavelmente, menos eficaz na promoção da compreensão acerca de como os cuidadores familiares gerem o seu dia-a-dia, apesar de existirem ocasiões em que os acontecimentos significativos e a rotina diária constituem, em simultâneo, importantes desafios à capacidade de adaptação (Nolan, Grant & Keady, 1996). Assim, a perspectiva dos acontecimentos de vida, e o principal instrumento para os avaliar, apresentam algumas limitações: a valorização quantitativa e a incapacidade para abarcar a enorme complexidade e variedade de stressores (Ramos, 25). 1 Trata-se de uma escala constituída por 43 situações de mudanças recentes de vida, contemplando a saúde, o trabalho, a família, a vida pessoal e social e as questões financeiras. Cada situação assume um valor em termos de potencial indutor de stresse, expresso em unidades de mudança de vida (LCU life change units) (Ramos, 25). 112

132 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados Os modelos transaccionais de stress Os modelos transaccionais de stresse parecem ser mais apropriados para compreender a complexidade das reacções do cuidador aos diferentes estímulos (Edwards & Cooper, 1988; Quine & Pahl, 1991). Estes definem o stresse como o resultado de uma interacção entre o indivíduo e o seu ambiente, onde uma potencial fonte de stresse (stressor) é interpretada em termos da sua capacidade para causar dano (Kinney, 1996). À luz da abordagem transaccional, o stresse define uma relação de desajustamento entre o mundo e a pessoa, mais concretamente entre as imposições do meio ambiente e as capacidades de resposta do sujeito. Tal desajustamento provoca no organismo uma resposta global, fisiológica e psicológica, a qual é mediada cognitivamente, isto é, depende do modo como o indivíduo, mentalmente, confronta as exigências do mundo com as suas capacidades, competências e recursos para lidar com elas (Ramos, 25). Os modelos transaccionais têm sido empregues na conceptualização e interpretação da pesquisa acerca do stresse inerente à prestação informal de cuidados a um familiar idoso dependente (Kinney, 1996). De entre os modelos transaccionais, o modelo proposto por R. Lazarus e S. Folkman (1984) e o desenvolvido por L. Pearlin e colaboradores (199) têm sido frequentemente considerados como aqueles que proporcionam uma visão mais completa e compreensiva acerca dos processos de stresse na prestação informal de cuidados (Kinney, 1996; Whitlatch & Noelker, 1996; Nolan, Grant & Keady, 1996; Montorio, Yangues & Veiga, 1999; Devi & Almazán, 22). Embora ambos os modelos conceptualizem o stresse em termos de transacções específicas indivíduo-ambiente e reconheçam a importância da avaliação cognitiva dessas transacções, diferem em alguns pontos. Por exemplo, enquanto que o modelo de Lazarus e Folkman enfatiza o processo de avaliação cognitiva e os aspectos do processo de stresse que se situam a um nível micro, já o modelo de Pearlin e colaboradores se centra mais nos aspectos contextuais (macro) do processo de stresse, nomeadamente nos stressores associados aos papéis sociais. 113

133 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência 2. Os modelos transaccionais de stresse e a prestação informal de cuidados 2.1. O modelo transaccional de stresse de Lazarus e Folkman Apesar de haver algumas teorias acerca do processo de desenvolvimento do stresse, o modelo transaccional de Lazarus (1966) parece ser aquele que reúne um maior consenso e que proporciona a melhor explicação acerca deste fenómeno. Folkman e Lazarus (1985, 152) definem o stresse como uma relação entre a pessoa e o ambiente, relação essa que é avaliada pelo indivíduo como relevante para o seu bem-estar e na qual os recursos pessoais são esgotados ou excedidos. Deste modo, o stresse pode ser perspectivado como uma interacção desajustada entre as exigências do meio e os recursos e as capacidades de resposta do indivíduo (Mota-Cardoso et al., 22). Ou seja, no modelo transaccional de Lazarus o stresse é entendido no contexto da relação entre a pessoa e o ambiente, duas entidades distintas que trocam valências entre si e que devem ser analisadas reciprocamente (Ramos, 21, 53). É nesta interacção que se consolida o stresse, na confrontação entre as exigências impostas pelo meio e a capacidade do indivíduo para lidar com elas de modo satisfatório. Lazarus cria um modelo de stresse que enfatiza as transacções entre a pessoa e o ambiente, cujo principal objecto de estudo se centra na forma como as pessoas avaliam (appraisal) e lidam (coping) com as condições indutoras de stresse. Neste modelo, a ocorrência de determinados acontecimentos na vida da pessoa não constitui necessariamente fonte de stresse. Em vez disso, é o próprio indivíduo quem, face aos recursos pessoais, determina se um evento é susceptível de ameaçar ou não o seu bemestar. O stresse ocorre quando a pessoa percebe incompatibilidade eminente entre a natureza da exigência e a sua capacidade para lhe responder. Neste modelo, Lazarus preconiza o indivíduo com um papel activo e interveniente, que age e não reage simplesmente às suas trocas com o ambiente, que reciprocamente o afecta e é por ele afectado (Ramos, 21). O modelo transaccional de stresse é um modelo orientado para os seguintes processos: a avaliação cognitiva, que designa a interpretação do significado que o indivíduo faz de uma determinada interacção com o ambiente; e o coping, enquanto estratégias das quais o indivíduo se socorre para lidar com as exigências contidas nessa mesma interacção. 114

134 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados A avaliação cognitiva A existência de uma interacção significativa com o meio é constantemente avaliada pela pessoa, que procura, desse modo, conhecer as exigências e constrangimentos dessa transacção e os recursos e estratégias de que dispõe para lidar com eles. Tais análises contínuas e automáticas definem a avaliação cognitiva, conceito central no modelo transaccional de stresse. A avaliação cognitiva designa o processo mental pelo qual os indivíduos avaliam o significado de determinada circunstância indutora de stresse para o seu bem-estar (Serra, 1999; Ramos, 21, 25). É a forma como se percepciona o stresse que determina as respostas, as emoções experienciadas e os resultados dos esforços para o vencer (Coyne & Lazarus, 198; Lazarus & Folkman, 1984). Lazarus e Folkman (1984) descrevem três etapas fundamentais na percepção do stresse (figura 3.1): a avaliação primária, a avaliação secundária e a reavaliação. Figura 3.1 O processo de avaliação cognitiva no modelo transaccional Não! Dano, ameaça ou desafio continuam. Consequências negativas Avaliação primária Sim Avaliação secundária Reavaliação Exigência Será que esta situação implica dano?...ameaça?...ou desafio? De que recursos disponho? Resultou? Não Sim! Dano, ameaça ou desafio reduzidas. Consequências positivas Fonte: Adaptado de Nolan, Grant e Keady (1998) 115

135 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Numa primeira fase, um acontecimento ou exigência ocorre e a pessoa avalia o significado para o seu bem-estar da interacção que estabelece com o ambiente avaliação primária (primary appraisal) reconhecendo as exigências implicadas. Neste processo, a pessoa identifica as exigências que lhe são impostas procurando responder às questões: será que isto é algo a que devo reagir?, estou bem ou estou em apuros?, será que esta situação implica dano, ameaça ou desafio?. Estar em apuros corresponde a uma avaliação negativa do seu bem-estar, presente ou futuro, e que pode ser expressa pela percepção de dano, ameaça ou desafio, ou seja, significa estar em stresse (Ramos, 21). Se a resposta for negativa, não será necessária a activação de qualquer estratégia ou recurso. Caso a resposta seja positiva, ocorrerá uma segunda avaliação. Neste caso a pessoa avalia também os recursos de que dispõe para enfrentar as exigências contidas na sua relação com o ambiente avaliação secundária (secundary appraisal). Pode acontecer que determinada condição seja percepcionada como nociva (uma situação de dano), mas se o indivíduo considera possuir recursos suficientes para a enfrentar, o seu grau de nocividade diminui (Ramos, 21, 25). A avaliação primária e a avaliação secundária, apesar de conceptualmente se revestirem de um carácter sequencial, ocorrem praticamente em simultâneo e estão praticamente interrelacionadas e até fundidas (Coyne & Lazarus, 198, 153): a pessoa percebe quase no mesmo instante tanto as exigências com que tem que lidar, como os recursos de que dispõe para as enfrentar. Em função de cada um destes tipos de avaliação, o indivíduo atribui um valor à sua transacção de stresse: dano, ameaça ou desafio. O dano significa que as exigências do meio ultrapassam a capacidade da pessoa para lidar com elas: numa situação de dano, é como se já tivéssemos perdido (Ramos, 25, 53). O que distingue dano de ameaça e desafio é o seu cariz temporal: o dano refere-se ao presente, a ameaça e o desafio desenham-se no futuro. A diferença entre ameaça e desafio é de natureza emocional: a ameaça refere-se à antecipação de um fracasso ou de uma perda, o desafio reporta-se à antecipação de um sucesso ou de um ganho (Ramos, 25). Finalmente, a pessoa faz uma reavaliação das situações anteriores, consoante o decurso das interacções com o ambiente e o resultado das suas acções para alterar o mesmo, em favor do seu bem-estar reavaliação (reappraisal) (Ramos, 21, 25). A reavaliação não é mais do que o balanço que no interior do indivíduo se estabelece entre as exigências criadas pela situação (avaliação primária) e os seus recursos e capacidade de resposta (avaliação secundária) (Serra, 1999, 94). 116

136 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados O processo de reavaliação é fundamental, pois dele depende o indivíduo vir ou não a sentir-se em stresse, bem como as estratégias que vai empregar para lidar com as exigências. Trata-se de um processo dinâmico, já que vai sendo alterado pelo feedback informativo que a pessoa vai obtendo em função do sucesso ou do fracasso das estratégias que foram seleccionadas para lidar com o problema. Se estas tiverem sucesso, atenuam a avaliação primária, na medida em que modificam favoravelmente o significado do acontecimento. Observa-se o contrário, caso as estratégias resultem num fracasso (Serra, 1999). Saliente-se que os processos de avaliação são contínuos e instáveis, pois traduzem as variações naturais de um diálogo com o ambiente significativo para a pessoa (Ramos, 21). A tarefa de cuidar de um idoso severamente dependente, por exemplo, pode ser interpretada como um dano, se a pessoa se sentir incapaz, mas também como um desafio, caso se sinta confiante nas suas capacidades para levar a cabo uma tarefa como esta. A avaliação cognitiva de uma situação como potenciadora ou não de stresse é um passo fundamental no modelo transaccional. Alguns cuidadores informais percepcionam (ou avaliam) a prestação de cuidados como sendo altamente stressante ao passo que outros a consideram como um desafio positivo ou até aprazível (Olshevski, Katz & Knight, 1999). Existe uma complexidade de factores (tais como, personalidade, locus de controlo, expectativas de auto-eficácia, afectividade, auto-estima, estilos de coping, suporte social, crenças, valores) que justificam as divergências no modo como os cuidadores avaliam a situação de prestação informal de cuidados. Enumerá-los seria não só uma pretensão como também impossível até porque nenhum por si só explica tal diferença. Por exemplo, as crenças e os valores culturais parecem desempenhar um papel importante (Roff et al., 24). Aranda e Knight (1997) argumentam que a constatação de que os afro-americanos reportam frequentemente níveis mais baixos de sobrecarga (burden) pode ser devido a diferenças culturais, tais como uma maior ênfase na família por contraponto ao individualismo. Hooker et al. (1998), por exemplo, demonstraram que o neuroticismo desempenha um importante papel na percepção da situação de prestação de cuidados como stressante. Os indivíduos com elevados níveis de neuroticismo tendem a experimentar emoções negativas como resposta às situações de stresse (Carrasco & Artaso, 1998), a focalizarem-se mais nas reacções internas e a empregar estratégias de coping menos eficazes, como por exemplo o evitamento (Olshevski, Katz & Knight, 1999). 117

137 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência A percepção do stresse é subjectiva, instável, variável, emocional, podendo ser até enviesada (Ramos, 25), como tal, a reacção do organismo aos stressores também é variável, não em função dos stressores, mas do modo como são percepcionados O coping Originalmente, Lazarus (1966, citado por Boss, 22) definiu o coping como uma actividade cognitiva que inclui uma avaliação do perigo eminente (avaliação primária) e uma avaliação das consequências de qualquer acto de coping (avaliação secundária). O processo de coping, segundo Lazarus, é a avaliação cognitiva (primária e secundária) do que está a acontecer, enquanto as estratégias de coping constituem as actuais respostas a esta avaliação. O coping, elemento central no modelo transaccional de Lazarus e Folkman (1984, 141), é definido como os esforços, tanto cognitivos como comportamentais, para lidar com exigências internas e/ou externas específicas, que forçam ou transcedem os recursos pessoais. Traduz as medidas usadas para resolver, suportar, reduzir ou minimizar as exigências internas e/ou externas com que o indivíduo se depara. Afecta as experiências de stresse de dois modos, cada um definindo um alvo diferente: modifica as relações com o ambiente e altera a maneira como as mesmas são interpretadas (Ramos, 21). O coping define o conjunto de sentimentos, pensamentos e comportamentos que permitem ao indivíduo manter um estado psicológico satisfatório quando ele é ameaçado (Snyder & Pulvers, 21, citado por Ramos, 25). Nolan, Grant e Keady (1996, 1998) chamam a atenção para a importância da distinção entre estratégias de coping e recursos de coping. As estratégias de coping, por vezes confundidas com estilos de coping, dizem respeito à forma como as pessoas lidam com os problemas. Os recursos de coping referem-se, normalmente, ao tipo de recursos que as pessoas podem invocar em situações que têm de gerir. Estratégias de coping A classificação das estratégias de coping é uma tarefa complexa, já que compreendem uma larga variedade de actividades. Existe tendência para se falar em 118

138 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados estratégias comportamentais e cognitvas de coping ao mesmo tempo, mas ambas envolvem tácticas muito diferentes e que devem ser consideradas consoante os diferentes objectivos do coping (Nolan, Grant & Keady, 1996). Quadro 3.1 Quadro conceptual acerca das estratégias de coping TIPO DE RESPOSTA DE COPING Comportamental Cognitiva OBJECTIVO DO COPING Acção preventiva Acção directa Reformulação Lidar com as consequências Por ex.: reunir Por ex.: procurar Por ex.: tomar informação realizar um plano acerca do de intervenção problema Por ex.: planear Por ex.: reflectir procurar ajuda acerca do que fazer comprimidos para dormir Por ex.: ver os Por ex.: ter outros em esperança que a situações piores situação melhore (perceber que há quem esteja pior) Adaptado de Nolan, Grant e Keady (1996) Pense-se no exemplo de uma senhora idosa que tem a cargo o marido com a doença de Alzheimer. A acção preventiva pode ser a procura do máximo de informação acerca da doença ou planear como obter toda a ajuda possível. Estes exemplos reflectem, respectivamente, esforços comportamentais e cognitivos para agarrar com eficácia a origem do problema com o objectivo de prevenir ou atenuar as suas consequências no futuro. Contudo, a função preventiva do coping tem sido subestimada porque a investigação é normalmente desenhada para observar as estratégias de coping após o surgimento dos problemas e não antes (Nolan, Grant & Keady, 1996, 1998). Quando as pessoas agem sobre as exigências que percepcionam, procurando alterá-las, envolvem-se num coping orientado para o problema ou instrumental (alteração da transacção pessoa-ambiente) (Lazarus & Folkman, 1984). Em termos comportamentais, a acção directa (ou coping instrumental) pode ser empreendida pela senhora idosa ao procurar delinear junto de profissionais um plano de intervenção para reduzir alguns dos sintomas da doença, nomeadamente, as alterações do sono. A nível 119

139 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência cognitivo, a senhora poderá ponderar sobre os próximos passos para melhorar ou minimizar as consequências da situação. Quando as pessoas alteram a forma como interpretam um determinado acontecimento, procurando reduzir o mal-estar que lhes possa provocar, envolvem-se num coping orientado para as emoções ou paliativo (regulação da resposta emocional do indivíduo às exigências) (Lazarus & Folkman, 1984). Assim, reformular exprime simplesmente procurar criar significados alternativos para os acontecimentos ou alterar a nossa percepção (coping paliativo). Por exemplo, algumas das estratégias orientadas para as emoções mais commumente utilizadas por cuidadores informais consistem em perceber que a pessoa de quem se cuida não tem culpa da situação, bem como compreender que há quem esteja pior (Nolan, Grant & Keady, 1998). Finalmente, quando as estratégias anteriores falham, não se encontram disponíveis ou não são passíveis de ser empreendidas, nada mais resta a não ser lidar com as consequências. Assim, a nível comportamental, o cuidador pode considerar a possibilidade de, por exemplo, tomar comprimidos para dormir ou fazer exercícios de relaxamento. Em termos cognitivos, pode não haver mais nada a fazer a não ser manter a esperança de que a situação melhore (Nolan, Grant & Keady, 1996). As quatro funções do coping anteriormente descritas são também postuladas por Pearlin et al. (199, 22) do seguinte modo: alterar ou gerir a situação responsável pelo stresse (coping instrumental); gerir o significado das fontes de stresse de modo a reduzir a sua ameaça (coping paliativo); gerir as consequências dos stressores, como a ansiedade ou a depressão; impedir ou prevenir o surgimento de fontes de stresse. Pearlin (1994) e Nolan, Grant e Keady (1996) chamam a atenção para a fragilidade dos resultados de algumas investigações que visam analisar as estratégias de coping empreendidas por cuidadores de familiares idosos, já que os métodos de recolha de dados empregues são análogos aos utilizados em diferentes contextos, como por exemplo, no contexto do stresse ocupacional. Deste modo, a informação que se pretende obter acerca do modo como os cuidadores lidam com os seus problemas carece da especificidade que deveria ter em relação às fontes de stresse que enfrentam numa situação particular. Assim, será difícil de compreender como é que os cuidadores lidam com a tarefa de prestação informal de cuidados, quando lhe são colocandas questões acerca do stresse no trabalho. Pearlin (1994) sublinha que as questões acerca das estratégias de coping dos cuidadores informais devem ser orientadas por um conhecimento preciso acerca dos indutores de stresse específicos que operam nessa situação. 12

140 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados Estilos de coping As estratégias de coping são seleccionadas em função das características disposicionais das pessoas e das circunstâncias contextuais das situações (Wearing & Hart, 1998, citado por Ramos, 21). Os indivíduos decidem que tipo de estratégias de coping utilizar em função da forma como percepcionam as exigências e, principalmente, do grau de controlo que pensam deter sobre elas e dos recursos de que pensam dispor. No entanto, todas as pessoas têm preferências por determinadas estratégias e, sempre que possível, a elas recorrem. São estas disposições de coping, que resultam das preferências individuais e que contribuem para a manifestação das estratégias de coping, que remetem para o conceito de estilos de coping (Ramos, 21). Consoante a actividade cognitiva e emocional se aproxima ou afasta da situação de stresse, podem distinguir-se dois estilos de coping (Ramos, 21): a confrontação e o evitamento. A confrontação designa os mecanismos que se centram na causa de stresse, que lidam directamente com ela e que procuram a sua resolução. O evitamento define as estratégias de negação e de fuga das situações de stresse, e tem como finalidade evitar lidar directamente com o problema. Estes dois estilos permitem compreender melhor a função moderadora do coping. O evitamento, a longo prazo, reforça a adversidade das transacções de stresse, enquanto que a confrontação promove um funcionamento saudável e previne as consequências negativas do stresse (Ramos, 21, 25). Contudo, isto não significa que o evitamento seja um mau estilo de coping, pois revela-se útil em determinadas circunstâncias, por exemplo, após acontecimentos traumáticos (porque os recursos emocionais são escassos) e nas situações impossíveis de controlar. No fundo, pode concluir-se que são as estratégias de coping que permitem às pessoas intervir de forma determinante nas suas vivências de stresse, dependendo a eficácia dessa intervenção dos estilos de coping preferencialmente utilizados e do modo como são empregues. Recursos de coping As estratégias de coping são influenciadas pelos recursos de que as pessoas dispõem. Lazarus e Folkman (1984) fazem a distinção entre recursos de coping internos e externos. Os internos são as competências pessoais, experiências de vida significativas, crenças e valores e capacidade de análise. Os recursos externos incluem elementos 121

141 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência utilitários (rendimento, habitação, estatuto socio-económico, serviços formais...) e recursos sociais (redes sociais, apoio disponível nessas redes,...). Pearlin e Schooler (1978) e Quine e Pahl (1991) sugerem que o facto das famílias disporem de vantajosos recursos económicos, irá propiciar-lhes um largo repertório de potenciais estratégias de coping. Eficácia do coping Existe uma forte tendência para se considerar que as estratégias de coping centradas nos problemas (coping instrumental) são as mais eficazes (cf. Nolan, Grant & Keady, 1996). Mas, como adverte Belsky (1999), tais estratégias são apenas possíveis em determinadas circunstâncias. Por exemplo, quando, aos 85 anos de idade, se enfrenta uma viuvez ou uma doença crónica incapacitante, tem pouco sentido fazer esforços para tentar modificar a situação. Talvez seja melhor enfrentá-la com uma nova atitude emocional, aceitando o que não se pode mudar e aprendendo a aceitá-lo tal como é. Lazarus (1993, citado por Nolan, Grant & Keady, 1996) considera que a diversidade do coping necessita de ser mais explorada e a primazia dada às estratégias centradas nos problemas questionada. Este tipo de estratégias pode revelar-se inútil, ou mesmo prejudicial, em situações onde os acontecimentos não são passíveis de mudança (Belsky, 1999). Nessas circunstâncias os mecanismos que visam construir um significado diferente ou lidar com as consequências do stresse acabam por ser mais eficazes (Nolan, Grant & Keady, 1996). Lazarus (1993) sugere que todas as estratégias são potencialmente eficazes, mas necessitam de se harmonizar com a natureza do stressor. Isto é, tanto as estratégias centradas nos problemas, como as centradas na emoção podem ser adequadas, desde que correspondam ao tipo de stressor que se enfrenta. Assim, ao considerar a eficácia deve ter-se em conta o resultado desejado e a adequação entre o stressor e as estratégias de coping (Nolan, Grant & Keady, 1996). Nolan, Grant e Keady (1996) chamam a atenção para a importância que as percepções e os significados assumem no coping. Referindo Lazarus (1993), os autores argumentam que é a capacidade de gerar significados positivos que constitui a chave para compreender como é que as pessoas lidam com as dificuldades que vivenciam. Por exemplo, parece que se os indivíduos tiverem a capacidade de perspectivar os acontecimentos como um desafio, em vez de ameaça ou dano, experienciarão menos stresse (cf. Nolan, Grant & Keady, 1996). 122

142 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados As percepções e os significados assumem igualmente importância na distinção entre a capacidade de um indivíduo em dominar uma determinada estratégia de coping (auto-eficácia) e a eficácia percebida dessa estratégia (confiança nos resultados). No fundo, é como se o cuidador se perguntasse: consigo fazê-lo? e irá resultar?. Com base nesta ideia, Nolan, Grant e Keady (1996) construíram uma matriz que permite delinear quatro tipificações do coping. Trata-se de uma matriz de pertinente utilidade prática, pois permite pensar sobre as situações em que a confiança nos resultados poderá necessitar de ser redireccionada ou onde a ajuda com as competências de coping poderá ser requerida. Figura 3.2 Auto-eficácia e confiança nos resultados CONFIANÇA NOS RESULTADOS Vai resultar AUTO-EFICÁCIA Acção garantida Autodepreciação Consigo fazê-lo Não consigo fazê-lo Protesto Resignação/ apatia Não vai resultar Adaptado de Nolan, Grant e Keady (1996) 123

143 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Assim, nas situações em que o cuidador sente confiança numa estratégia e percebe que irá resultar, a acção garantida será o resultado provável. Em circunstâncias onde sente pouca confiança na sua capacidade para empreender uma estratégia, embora admitindo a sua eficácia, então o resultado esperado será a auto-depreciação. Quando o cuidador acredita na sua capacidade para empreender uma estratégia, mas duvida da sua eficácia, poderá emergir uma situação de protesto. Finalmente, quando as capacidades pessoais e a eficácia dos resultados são postos em causa, a resignação ou apatia constituirão os resultados mais plausíveis. Note-se que, apesar da sua utilidade, esta matriz não permite tirar qualquer conclusão sobre o facto de uma determinada estratégia ser ou não satisfatória para o cuidador (ou para o receptor de cuidados) ou se implica custos pessoais para ambos. Em síntese, pode considerar-se que os recursos e as estratégias de coping constituem parte integral de toda a estrutura de coping de um indivíduo. No entanto, são constantemente revistas à luz de um processo de avaliação cognitiva que tem em conta como os indivíduos sentem que estão a conseguir desempenhar o seu papel. Resta acrescentar que as estratégias de coping são moldadas por aquilo que é desejado tanto para o cuidador, como para a pessoa de quem se cuida A importância do suporte social A juntar a todos estes aspectos do stresse, existe um outro que não pode deixar de ser referido: a importância do apoio social. Segundo Serra (1999), estudos neste âmbito têm demostrado que as pessoas que pertencem ou percepcionam pertencer a uma rede social forte, que lhes presta apoio quando experienciam acontecimentos penosos, sentem de forma menos intensa as situações de stresse. O interesse pelo suporte social como factor atenuante dos efeitos do stresse teve origem na constatação de que indivíduos socialmente isolados tinham uma maior propensão para cometer suicídio, taxas mais elevadas de mortalidade para todas as causas de morte em comparação com indivíduos da mesma idade e também taxas superiores de tuberculose, acidentes e perturbações psiquiátricas, do que aqueles que estavam casados e possuíam contactos sociais de melhor qualidade (Rodriguez & Cohen, 1998). Deste modo, o apoio social tem sido considerado como uma das principais variáveis amortecedoras dos efeitos negativos do stresse: quanto mais elevados os 124

144 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados níveis de suporte social, maior a atenuação das consequências negativas do stresse. Ramo (21) faz uma síntese das explicações que têm sido atribuídas ao efeito amortecedor do suporte social. Uma das razões poderá radicar nos benefícios do suporte social relacionados com o stresse: o sentir-se amado, querido e cuidado incrementa as expectativas positivas de auto-eficácia, as avaliações cognitivas mais realistas das potenciais ameaças e os repertórios de coping das pessoas. Outra explicação considerada pela investigação como a mais consistente (cf. Ramos, 21) advoga que na presença de uma fonte de stresse, ocorre uma mobilização de determinados recursos pessoais (por exemplo, ajuda) e esse factor conduz à redução dos sintomas. Por exemplo, quando se tem de ficar a olhar em casa por um familiar com doença de Alzheimer, um amigo disponibiliza-se para fazer as compras. A influência do suporte social sobre os efeitos de stresse pode ser, ainda, encarada segundo uma perspectiva preventiva, ou seja, precedendo e contribuindo para evitar e reduzir a exposição a situações de stresse. Finalmente, a acção do suporte social pode residir na natural promoção da saúde geral que proporciona, independentemente da sua possível função de variável nos processos de stresse (Gore, 1987, citado por Ramos, 21). Apesar de existir um certo consenso em torno do suporte social como variável amortecedora de stresse, a pesquisa tem revelado resultados contraditórios, demonstrando que os efeitos do apoio social no distress do cuidador estão longe de ser claros. Por exemplo, encontraram-se cuidadores com elevados níveis de apoio social com menores (Zarit, Reever & Bach-Peterson, 198) e maiores (Scott, Roberto & Hutton, 1986) índices de sobrecarga que outros cuidadores. Até muito recentemente a literatura acerca do suporte social enfatizou os seus efeitos benéficos sobre o bem-estar do indivíduo. Aliás, existe neste domínio uma plataforma quase intocável que se traduz num amplo consenso relativamente aos efeitos benéficos do apoio social sobre a saúde e o bem-estar (Abreu, 2, 57). Todavia, esta perspectiva é agora encarada como demasiado simplista. Implícita na investigação acerca do suporte social está a assunção de que a recuperação e adaptação do paciente será negativamente afectada quando o suporte social proporcionado, por exemplo pela família, é inexistente ou percebido como inadequado, mal informado, mal orientado, excessivo ou indesejado (Ell, 1996). Este facto leva à suposição que, nestas circunstâncias, o apoio social pode efectivamente constituir uma potencial fonte de stresse. 125

145 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência A rede social pessoal e o suporte social A disponibilidade, forma e funções do suporte social encontram-se dependentes do contexto envolvente de vínculos e afiliações. Este contexto consiste na rede social de relações em que a pessoa se integra. Apesar da rede social e do suporte social constituírem constructos diferentes, a verdade é que se encontram intrinsecamente ligados já que todo o suporte de um indivíduo está intrincado na rede das relações envolventes (Wellman & Wortley, 199, citado por Pearlin et al., 1995). O conceito de apoio social, apesar de se relacionar intimamente com o de redes sociais, é muitas vezes confundido com este último. Na verdade, os termos rede social e suporte social têm sido frequentemente utilizados reciprocamente. Eis algumas definições propostas por alguns autores que se esforçaram por tornar compreensíveis e acessíveis as características que distinguem os dois constructos Antonucci (21) define rede social tendo em conta as características objectivas que descrevem as pessoas com quem um indivíduo mantém relações interpessoais. Desse modo, a rede social pode ser descrita em termos da idade, género, tempo de conhecimento, proximidade e frequência de contactos dos seus membros. Porém, apesar desta descrição informar acerca dos membros com os quais um indivíduo mantém uma relação interpessoal, nada elucida acerca da natureza, conteúdo ou qualidade dessas relações. Para isso, Antonucci (21) propõe o termo suporte social, descrevendo-o como uma troca interpessoal que envolve um dos três elementos-chave: ajuda, afecto ou afirmação. Para Barrón (1996, citado por Abreu, 2) o apoio ou suporte social é considerado como uma das funções primordiais das redes sociais já que envolve transacções interpessoais e engloba um ou diversos tipos de apoio específicos prestados por indivíduos, grupos ou instituições. Pearlin et al. (1995) definem rede social em termos estruturais, ou seja, como uma rede de relações que pode ser descrita em termos de dimensões como a densidade e extensão, frequência de interacções entre os membros, e a reciprocidade, durabilidade e intensidade das suas relações interpessoais. Neste sentido, a rede social representa a totalidade de vínculos de um indivíduo, sendo alguns deles fortes e outros fracos, alguns íntimos e contínuos, outros especializados e intermitentes, alguns contratuais e outros não. Assim, enquanto a noção de rede desvia a atenção para os contextos envolventes e sistemas sociais, a noção de suporte focaliza-se nas trocas interactivas e interpessoais entre determinados membros de uma rede (Pearlin et al., 1995). A noção de rede informa acerca do total complexo de vínculos e os seus contextos social e institucional, o suporte 126

146 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados social refere-se a tipos específicos de relações que derivam da rede social (Antonucci, 1985, citado por Pearlin et al., 1995). Deste modo, é compreensível que as redes sociais não se caracterizem apenas por proporcionar apoio, podendo assumir-se como redes de apoio, destrutivas ou inócuas, dependendo da sua natureza e composição (Coimbra, 199). O conflito com elementos da rede social encontra-se muitas vezes associado a elevados níveis de depressão (Pagel, Erdly & Becker, 1987), demostrando como uma rede pode ter efeitos destrutivos e indesejáveis. Por exemplo, a existência de interacções sociais negativas ou conflitos com membros íntimos da rede social pessoal de um indivíduo, particularmente entre cônjuges, pode levar a levados níveis de distress (Rook, 199, citado por Ell, 1996). No contexto da prestação informal de cuidados, muitas pessoas que poderiam constituir fonte de suporte são percebidas como inúteis e críticas para o cuidador (Olshevski, Katz & Knight, 1999). O conhecimento da rede social de um indivíduo e da sua composição é importante porque informa acerca dos membros potencialmente disponíveis para prestar apoio (Antonucci, 21). No que toca à prestação informal de cuidados, tem-se verificado um crescente reconhecimento acerca da importância da rede social e respectivo sistema de apoio do cuidador. Esta consciencialização reconhece implicitamente que a relação entre cuidador e receptor de cuidados não poderá ser explicada somente pela motivação e determinação do cuidador, nem somente pelos significados que o cuidador atribui a uma relação manifestamente assimétrica no que toca à reciprocidade do apoio (Pearlin et al., 1995). O suporte e a assistência que o cuidador presta ao familiar com incapacidade torna-se, também, possível devido à ajuda e suporte que o cuidador recebe da sua rede social. Esta ajuda e apoio irão, provavelmente, proteger o cuidador de algumas fontes de stresse e aliviá-lo do distress emocional (Pearlin et al., 1996). Pearlin (22) alerta, então, para a importância do estudo das redes sociais pessoais, pois ao se considerar apenas o suporte social corre-se o risco de perder a compreensão das largas estruturas, das quais diferentes formas de apoio podem emergir. Litwin (23, 197), que concebe a rede social como o meio interpessoal primário no qual as pessoas se integram e a fonte da qual retiram vários e diversificados apoios, enumera uma série de razões que justificam a importância das redes sociais, particularmente para as pessoas idosas (muitas das quais também cuidadoras informais, nomeadamente do seu cônjuge). Em primeiro lugar, as redes são importantes pelo apoio que poderão proporcionar e pelo papel que desempenham relativamente à procura de ajuda formal. Por outro lado, podem (des)encorajar a procura de ajuda formal através das atitudes e valores que transmitem aos seus membros. Além disso, podem encorajar 127

147 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência activamente a utilização de assistência formal ao desempenhar um papel de advocacy e funções de referência em prol dos seus membros. As redes sociais podem também escusar os seus membros da utilização do apoio formal ao proporcionar os suportes necessários. Finalmente, podem obviar a necessidade de recorrer a serviços, protegendo os seus membros das fontes de stresse que poderiam criar essa necessidade. Sluzki (1996, 42) define rede social pessoal como a soma de todas as relações que um indivíduo percebe como significativas ou define como diferenciadas da massa anónima da sociedade. Assim, as fronteiras do sistema significativo do indivíduo não se cingem à família (nuclear ou extensa), mas abrangem todo o conjunto de vínculos interpessoais do sujeito: família, amigos, relações de trabalho, de estudo, de inserção comunitária e de práticas sociais. A compreensão deste nível intermédio da estrutura social é importante para a compreensão dos processos de integração psicossocial, promoção do bem-estar e desenvolvimento da identidade. O autor apresenta uma composição da rede baseada em quatro quadrantes principais: família, amizades, relações laborais ou escolares (colegas de trabalho ou de escola) e relações comunitárias, de serviços ou religiosas. Sobre estes quadrantes inscrevem-se três círculos: um círculo interior de relações íntimas (tais como familiares directos com contacto quotidiano e amigos mais chegados); um círculo intermédio de relações pessoais com menor grau de compromisso (tais como relações sociais ou profissionais com contacto pessoal mas sem intimidade); e, por fim, um círculo externo de conhecidos e relações ocasionais. A distribuição segundo os quatro quadrantes indica a proporção ocupada pelos membros que compõem a rede localizada em cada um deles e em cada círculo do mapa de rede. A rede pode ser avaliada em temos das características estruturais (propriedades morfológicas), das funções dos vínculos (tipo prevalecente de intercâmbio interpessoal característico de vínculos específicos e da soma ou combinação do conjunto de vínculos) e dos atributos de cada vínculo (propriedades específicas de cada relação) (Sluzki, 1996, 45). Características estruturais da rede Sluzki (1996) destaca como características estruturais da rede o tamanho, a densidade, a distribuição, a dispersão, e a homogeneidade e heterogeneidade. 128

148 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados O tamanho refere-se ao número de pessoas na rede, ou seja, os que mantêm contacto pessoal com o sujeito focal (Barrón, 1996, citado por Abreu, 2). Este pode considerar-se como mínimo, médio ou muito numeroso. De acordo com Sluzki (1996), as redes de tamanho médio são mais eficazes. As redes mínimas tendem a ser menos eficazes em situações de sobrecarga ou tensão de longa duração, uma vez que os membros tendem a evitar o contacto a fim de evitarem sobrecarregar-se. As muito numerosas podem não actuar nestas situações, baseadas no pressuposto de que alguém já deve estar a ajudar a resolver o problema. Speck e Attneave (199, citado por Abreu, 2) consideram que o número médio de elementos para o tamanho das redes oscila entre 15 a 1 membros. No entanto, sublinham que a maioria das pessoas têm algum contacto com outras 4 ou 5, no mínimo, dispostas a reunir-se em momentos de crise. Embora se desconheça, até ao momento, qual o tamanho médio das redes sociais pessoais em Portugal, de acordo com Desmarais et al. (1995, citado por Abreu, 2), no contexto urbano, as redes primárias são compostas, em média, por 25 a 4 indivíduos e, destes, o sujeito estabelece contactos de maior intimidade com 6 a 1 desses elementos. A densidade é definida pela interconexão entre os membros da rede social, independentemente do sujeito focal (Barrón, 1996, citado por Abreu, 2; Sluzki, 1996). Sluzki considera um nível de densidade médio (fragmentação) como o mais desejável, já que favorece a máxima efectividade do grupo ao permitir a troca de impressões e opiniões. Já uma rede com um nível de densidade muito elevado (coesa) favorece a conformidade dos seus membros, devido à pressão exercida para a adaptação às regras do grupo, podendo mesmo levar a excluir o membro que se desvia destas normas. Pelo contrário, uma rede com um nível baixo de densidade (dispersa) tende a ser ineficaz pela falta de troca de informações. A distância geográfica entre os membros da rede define a dispersão. Esta afecta a facilidade de contactos entre os membros e, portanto, afecta a sensibilidade da rede às variações do indivíduo, assim como a eficácia e velocidade de resposta às situações de crise (Sluzki, 1996). Finalmente, a homogeneidade e heterogeneidade referem-se às semelhanças ou diferenças encontradas nos membros da rede em determinadas dimensões como atitudes, experiências e valores (Barrón, 1996, citado por Abreu, 2), características socio-demográficas e culturais (Sluzki, 1996). Esta característica estrutural da rede engloba vantagens e desvantagens, nomeadamente no que respeita à identidade do indivíduo, ao reconhecimento de sinais de stresse pelos membros, assim como à activação e utilização da rede (Sluzki, 1996). 129

149 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Características funcionais da rede Os membros da rede social cumprem, de forma conjunta ou individual, várias funções (Abreu, 2). Considera-se como função da rede o tipo de intercâmbio interpessoal dominante entre os seus membros. De acordo com Sluzki (1996), as funções da rede incluem a companhia social, o apoio emocional, o aconselhamento, a regulação e controlo social, o apoio material ou instrumental, o apoio técnico ou de serviços e o acesso a novos contactos. A realização de actividades conjuntas ou simplesmente o estar juntos define a companhia social, ditando uma relação de partilha que se pauta pela coexistência lado a lado. Como sublinha Abreu (2) embora, aparentemente, pareça uma relação superficial, assume uma importância fundamental quando se pensa, por exemplo, na população idosa. O apoio emocional define-se pelas trocas que assumem atitudes emocionais positivas, num clima de compreensão, simpatia, empatia, estímulo e apoio (Sluzki, 1996, 49). Este tipo de suporte pressupõe a existência de relações com uma certa intimidade e proximidade, que caracterizam geralmente as relações familiares e de amizade (Barrón, 1996, citado por Abreu, 2). O aconselhamento refere-se às interacções estabelecidas com o intuito de partilhar informação pessoal ou social, clarificar expectativas e mostrar novas formas de pensar e agir (Barrón, 1996, citado por Abreu, 2; Sluzki, 1996). Segundo Abreu (2, 49), o aconselhamento (formal ou informal) e a tomada de decisões em conjunto reforçam a partilha e os laços mantidos, pressupondo uma relação de confiança. Sluzki (1996, 5) define a regulação (ou controle) social como as interacções que recordam e reafirmam responsabilidades e papéis, neutralizam os desvios de comportamento que se afastam das expectativas colectivas, permitem uma dissipação da frustração e da violência, e favorecem a resolução de conflitos. Todavia, esta é uma função que pode assumir cargas positivas e negativas, já que favorece a socialização dos indivíduos, mas facilita a exclusão grupal aquando do desvio (Abreu, 2). O apoio material ou instrumental caracteriza-se pela ajuda prestada por outrém, por exemplo, nas actividades de vida diária, no cuidar dos filhos, na ajuda financeira, facilitando a execução das tarefas do quotidiano e aliviando o indivíduo (Barrón, 1996, citado por Abreu, 2). Para favorecer o bem-estar, o apoio tem de ser percebido pelo sujeito como apropriado, caso contrário, o apoio material ou instrumental pode contribuir para o incremento do mal-estar (Barrón, 1996, citado por Abreu, 2). 13

150 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados O apoio baseado no conhecimento técnico apoio técnico ou de serviços é uma função empreendida fundamentalmente por membros da rede que estão ligados a serviços estruturados e formais, por exemplo, médicos, assistentes sociais e psicólogos (Abreu, 2). O acesso a novos contactos é uma função da rede social que permite a abertura de portas à conexão com pessoas e redes que até então não faziam parte da rede do indivíduo (Sluzki, 1996, 53). Atributos do vínculo Tendo em conta as propriedades específicas de cada relação, Sluzki (1996) destaca diferentes atributos de cada vínculo: funções prevalecentes, multidimensionalidade ou versatilidade, reciprocidade, intensidade, frequência dos contactos e história da relação. As funções prevalecentes referem-se à função ou combinação de funções que caracterizam de maneira dominante um determinado vínculo. A variedade e quantidade de funções assumidas pelo vínculo definem a multidimensionalidade e versatilidade. Tomando como exemplo um familiar, este pode ser, em simultâneo, um excelente conselheiro e uma boa fonte de apoio emocional, mas não ser aceite nem solicitado como acompanhante nas actividades sociais. A reciprocidade diz respeito ao grau em que os recursos disponíveis numa rede social são trocados equitativamente (Barrón, 1996, citado por Abreu, 2). Trata-se de perceber se um indivíduo cumpre ou não, para uma pessoa da sua rede social, o mesmo tipo de funções (ou funções equivalentes) às que esta cumpre para si. Deste modo, as relações podem ser simétricas ou assimétricas quanto às funções assumidas pelos indivíduos envolvidos na interacção, podendo os vínculos considerar-se recíprocos quando coincidem (Abreu, 2). A intensidade designa o tropismo ou atracção entre os membros. Esta função dos vínculos permite definir o grau de intimidade existente na relação. A necessidade de manter os vínculos activos passa pela manutenção de contactos mais ou menos frequentes. A intensidade da relação depende da frequência destes contactos, pelo que um maior distanciamento requer uma permanente estimulação para que possa ser mantida a intensidade, embora os vínculos intensos se possam 131

151 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência reactivar rapidamente e apenas com um contacto, mesmo aquando da existência de um hiato temporal considerável (Abreu, 2). A história da relação compreende o tempo que os membros se conhecem e a experiência prévia de activação do vínculo. A investigação sugere que a existência de uma rede social activa, acessível, estável e integrada tem um efeito positivo na saúde do indivíduo. Inversamente, a presença de uma doença no indivíduo especialmente quando esta assume contornos de cronicidade e dependência deteriora a qualidade da sua interacção social e, no limite, reduz o tamanho e a acessibilidade da rede social. Sluzki (1996) descreve este processo como uma dupla acção que designa por ciclos virtuosos (isto é, a presença de uma rede social sólida protege a saúde do indivíduo e a saúde do indivíduo mantém a rede social) e círculos viciosos (ou seja, a presença de uma doença crónica no indivíduo afecta negativamente a sua rede social, tendo um impacto negativo sobre a sua saúde, o que, por sua vez, levará ao aumento da retracção da rede e assim sucessivamente no sentido da deterioração recíproca) O modelo de desenvolvimento de stresse (Stress Process Model) de Pearlin Apesar do modelo teórico de stresse e coping de Lazarus ter sido aplicado em vários estudos acerca da prestação informal de cuidados, não foi especificamente delineado para a análise desta temática. Neste sentido, o trabalho de Pearlin et al. constitui um contributo relevante, pois os autores argumentam que o stresse na prestação informal de cuidados não pode ser bem avaliado com instrumentos gerais ou criados para perceber como é que as pessoas lidam como outros problemas da vida (199, 59). Pearlin e os seus colaboradores (Pearlin et al., 199; Zarit & Whitlatch, 1992; Pearlin, 1994; Aneshensel et al., 1995; Zarit, 1998) desenvolveram o Stress Process Model (Modelo de Desenvolvimento de Stresse), permitindo a conceptualização do stresse no contexto dos cuidados familiares. Trata-se de uma abordagem de natureza ampla e dinâmica, o que facilita a sua adaptação e aplicação na análise do stresse vivido por pessoas que prestam cuidados em diferentes contextos. Na apresentação original Pearlin et al. (199) 132

152 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados enfatizaram o stresse associado à prestação informal de cuidados a familiares com a doença de Alzheimer. Desde então, trabalhos mais recentes e alguns de natureza longitudinal têm expandido o modelo para explicar o desenvolvimento (ou o processo) de stresse em cuidadores que institucionalizaram os seus familiares, que enfrentam a morte de um familiar idoso demente ou que cuidam de uma pessoa com SIDA (Zarit & Whitlatch, 1992; Mullan, 1992, 1998; Aneshensel et al., 1995; Pearlin, Aneshensel & LeBlanc, 1997). A construção do Stress Process Model baseou-se num estudo longitudinal, onde foram entrevistadas 555 pessoas que prestavam cuidados aos cônjuges ou pais com a doença de Alzheimer ou outra demência semelhante. Foram conduzidas entrevistas com questões de resposta aberta e fechada, onde se procurou recolher informação acerca dos problemas que as pessoas enfrentavam, acções, emoções e sentimentos gerados pelas dificuldades e os esforços dos cuidadores para lidar ou gerir os problemas. A partir destas respostas foram criadas baterias de questionários destinados a medir os principais constructos identificados. Da análise dos resultados resultariam duas perspectivas conceptuais (Aneshensel et al., 1995): a carreira de cuidador (caregiving career) e o modelo de desenvolvimento de stresse. Como foi referido no capítulo 2, a noção de carreira de cuidador resulta da sequência de experiências que caracterizam a vida do cuidador. O modelo de desenvolvimento de stresse refere-se às mudanças que ocorrem nas esferas interrelacionadas da vida do indivíduo e que afectam o seu bem-estar. É inegável o contributo que a primeira perspectiva confere à compreensão da problemática dos cuidados familiares. Todavia, ela não será alvo de análise e privilegiarse-á, neste trabalho, a compreensão aprofundada do modelo de desenvolvimento de stresse. O termo process (processo/desenvolvimento) é utilizado pelos autores porque sublinha as diversas condições e interligações que levam a situações de stresse e o modo como estas relações se transformam e evoluem ao longo do tempo. Este modelo foi originalmente desenvolvido a partir de investigações em amostras representativas na comunidade (Pearlin et al., 1981) e tem sido aperfeiçoado com cuidadores informais de idosos com demência (Pearlin, 1989; Pearlin et al., 199). Trata-se de um modelo que enfatiza o stresse não como tendo a sua origem em acontecimentos singulares/isolados, mas antes como o resultado da forma como a vida das pessoas se encontra organizada e os efeitos desta organização na sua percepção/compreensão do evento stressante. Os autores (Pearlin et al., 199; Pearlin, 1994; Pearlin, 22; e Aneshensel et al., 1995) destacam quatro domínios neste modelo, representados na figura 3.3: os antecedentes 133

153 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência da situação de stresse ou factores contextuais (background and contextual factores), os factores/fontes de stresse (stressores), os moderadores (moderatores) e, por fim, as consequências/efeitos (outcomes). Figura 3.3 Modelo de Desenvolvimento de Stresse Antecedentes e factores contextuais Factores de stress Consequências Moderadores Efeito causal Efeito amortecedor/moderador Adaptado de Anesnhensel et al. (1995). Assim, os stressores, ou fontes de stresse/factores indutores de stresse, designam as condições e experiências problemáticas que têm a capacidade de colocar o indivíduo numa situação de stresse (isto é, as exigências e obstáculos que excedem ou levam ao limite a capacidade de uma pessoa para se adaptar) (Pearlin et al., 199; Pearlin, 1994; Aneshensel et al., 1995). A identificação e avaliação das fontes de stresse são essenciais à compreensão daquilo que, na situação de prestação informal de cuidados, é prejudicial ao bem-estar do cuidador. Contudo, Pearlin (1994) salienta a dificuldade que uma tarefa como esta levanta, já que a identificação de stressores significativos implica perspectivar vários aspectos da vida do cuidador. Cuidar de alguém não é como um acontecimento transitório; nem é a sua característica principal o mero trabalho árduo que tipicamente 134

154 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados envolve. Mais importante, representa uma situação que exerce pressão para a reorganização da totalidade da vida e do ser de uma pessoa (Pearlin, 1994, 7). Consequentemente, ao se perspectivar apenas alguns stressores, corre-se o risco de se ficar com uma visão muito aquém da realidade vivida pelo cuidador. Esta advertência levou os autores à formulação de um conceito fundamental à compreensão da situação de prestação de cuidados proliferação de stresse (stress proliferation) do qual este capítulo se irá ocupar mais adiante. As consequências (outcomes) referem-se aos efeitos resultantes das fontes de stresse a nível, por exemplo, da saúde física e mental (ansiedade, depressão, sistema imunitário afectado, etc.). Ainda que o organismo esteja, em termos biológicos, preparado para aguentar e tolerar a acção dos stressores, a sua capacidade de resistência tem um limite. Para resistir aos stressores, o organismo é capaz de despender todas as energias, nada poupando neste esforço para restabelecer o equilíbrio e o bemestar. Contudo, este excessivo dispêndio de energias coloca em risco a própria sobrevivência ao dissipar as reservas energéticas e esgotar a capacidade de resistência. Se a reposta de stresse for excessivamente intensa ou se for prolongada no tempo, os sintomas de stresse mantêm-se e intensificam-se, desencadeando problemas de saúde e doenças (Ramos, 25). Pearlin (1994) chama a atenção para fragilidade da avaliação destes efeitos ou consequências, dada a multiplicidade do seu carácter e de se situarem a diferentes níveis do funcionamento orgânico, níveis esses que, na área do conhecimento, implicam diferentes domínios de especialização para serem compreendidos. O elevado grau de especialização profissional entre aqueles que analisam os efeitos do stresse é um entrave ao conhecimento e compreensão do trabalho científico empreendido em diferentes níveis de funcionamento. Além disso, os profissionais preocupados com as causas do stresse e a sua mediação ou moderação podem situar-se entre os menos informados acerca dos efeitos, ao passo que os que se encontram absorvidos pelo estudo das consequências podem não possuir uma visão holística e rigorosa das causas. Obviamente, existem discrepâncias no estudo dos diferentes efeitos e na análise dos mesmos em relação aos domínios antecedentes do processo de stresse. De certo modo, Pearlin (1994) procura atenuar estas discrepâncias ao criar um modelo de consequências, através da formação de um processo dentro de outro processo. Apesar de admitir que qualquer descrição deste mini-processo possa ser especulativa, o autor crê que este começa com elementos de distress psicológico. Ou seja, os estados afectivos (sintomatologia depressiva, ansiedade, raiva ou irascibilidade) são, possivelmente, os primeiros e mais imediatos efeitos provocados pelo processo de 135

155 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência stresse antecedente. Consequentemente, estes estados afectivos irão conduzir a alterações ao nível do sistema imunológico que, por sua vez, tendem a aumentar a susceptibilidade do indivíduo à doença física. A evidência para esta suposição é ainda mais escassa do que para os efeitos do distress no sistema imunitário (Kiecolt-Glaser & Glaser, 1994). Finalmente, a última etapa deste processo diz respeito à capacidade e vontade do cuidador para continuar a prestar cuidados. A (des)continuidade da prestação de cuidados depende de vários factores, entre os quais, o estado de saúde física e mental do cuidador. Testar de forma simples e directa esta hipotética interligação sequencial entre os diferentes efeitos do processo de stresse é uma tarefa de grande complexidade. À semelhança dos outros componentes deste processo, estas ligações envolvem uma amplitude temporal cuja dimensão será muito variável. Além disso, é altamente improvável que a emergência destes efeitos seja dotada de uma simples e directa linearidade. Por exemplo, pode esperar-se da sintomatologia depressiva diferentes padrões de estabilidade e mudança. Muitos cuidadores irão mudar ao longo do tempo: por exemplo, um cuidador pode revelar uma elevada sintomatologia num primeiro momento e uma baixa noutro, e voltar a elevar num terceiro momento, enquanto um segundo cuidador pode apresentar um padrão sintomatológico inverso. Estes padrões de mudança, por seu turno, podem reflectir padrões de mudança correspondentes em condições anteriores. O que importa sublinhar é que os efeitos não devem ser perspectivados como estados acabados, mas como padrões de continuidade e mudança paralelos às continuidades e mudanças nas condições da prestação informal de cuidados (Pearlin, 22). Estes paralelismos só poderão ser explorados sob a configuração de estudos longitudinais, através de múltiplos momentos de observação ao longo do tempo. Outra ideia veiculada por Pearlin (22) é que a multiplicidade de efeitos indica que as consequências dos stressores são gerais e não específicas. Ou seja, não parece verosímil que um determinado tipo de stressor conduza a um determinado tipo de efeito ou consequência. Em vez disso, uma mesma fonte de stresse pode gerar um variedade de efeitos e um mesmo efeito pode ter sido causado por uma série de diferentes stressores. A terceira componente deste modelo refere-se àquilo a que os autores designam por moderadores (moderators). Trata-se dos recursos pessoais, sociais e materiais que ajudam a modificar ou a regular a relação causal entre as fontes de stresse e os seus efeitos (outcomes) (Aneshensel et al., 1995). Dito de outro modo, os moderadores definem as acções e recursos que têm a capacidade de influenciar a direcção do 136

156 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados processo de stresse e de mitigar o seu impacto nos indivíduos. O coping e o suporte social são os constructos mais comummente perspectivados como moderadores na investigação acerca do stresse. Os autores consideram os moderadores como factores essenciais na explicação da variabilidade existente entre os indivíduos ou subgrupos, no que se refere à relação entre os stressores e as consequências. Nos seus estudos, privilegiaram a análise dos efeitos do coping, do suporte social e do sentido de competência/domínio (mastery). Na figura 3.4, os moderadores são perspectivados como alterando a magnitude de associações entre stressores e consequências. Na literatura acerca do stresse social, esta relação condicional, normalmente, é designada por stress buffering (amortizador de stresse). A ideia-chave é que o moderador transforma a relação básica entre stressor e consequências, intensificando o impacto do stresse quando os recursos são escassos ou inapropriados e atenuando-o quando são suficientes e oportunos. É importante fazer a distinção entre dois tipos de variáveis que, com frequência, os investigadores aplicam indiferenciadamente: os moderadores e os mediadores (Baron & Kenny, 1986; Holmbeck, 1997). Um moderador representa uma variável qualitativa (...) ou quantitativa (...) que afecta a direcção e/ou a intensidade entre uma variável independente ou preditora e uma variável dependente ou de critério (Baron & Kenny, 1986: 1174). Um mediador pode ser definido como um mecanismo generativo através do qual a variável independente consegue influenciar a variável dependente (Baron & Kenny, 1986: 1173). Dito por outras palavras, a natureza de uma relação de mediação é tal que a variável independente influencia o mediador que, por sua vez, influencia a variável dependente (Holmbeck, 1997). A figura 3.4 ilustra a distinção entre mediadores e moderadores. Figura 3.4 Modelos de efeitos mediadores e moderadores B A C A C B Adaptado de Holmbeck (1997) 137

157 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Um mediador (B no modelo superior) encontra-se no caminho causal entre duas varáveis (A e C no modelo superior). Se A se associa significativamente com C e se A influencia B e B influencia C, então B é uma variável mediadora entre A e C. Quando se espera que A se relacione com C, mas apenas sob determinadas condições de B, então B é uma variável moderadora (ver modelo inferior). O moderador (B), assim desenhado, indica que exerce um impacto na relação entre A e C. Apesar de algumas variáveis serem mais susceptíveis de se constituírem como moderadoras do que como mediadoras, outras revestem-se das duas funções, dependendo do modelo conceptual subjacente à investigação (Holmbeck, 1997). Voltando ao modelo de desenvolvimento de stresse, convém realçar que cada um dos moderadores anteriormente mencionados (coping, suporte social e sentido de domínio) varia com as características pessoais, sociais e económicas de cada indivíduo. Sabe-se que cada um deles se relaciona com os outros de uma forma mutuamente reforçada (Pearlin, 22). Por exemplo, o cuidador que lida com a doença do seu familiar procurando informação (estratégia de coping), recorre ao suporte social de uma forma selectiva e apropriada. Por sua vez, o apoio recebido dos outros pode incluir alguma orientação na escolha de estratégias para lidar com fontes de stresse específicas. Além disso, o sentido de competência pode incrementar a extensão e eficácia das estratégias de coping e do suporte social que, por sua vez, sustentam o sentido de domínio. Por exemplo, Aneshensel et al. (1995) constataram que os cuidadores de idosos com demência que se sentem capazes no seu papel, tendem a sentir-se apoiados pelos outros. Como sublinha Pearlin (22) este tipo de ligações reforçadas entre os recursos moderadores indica que se a pessoa é dotada de um ou outro recurso, tem mais possibilidades de aceder a outros; mas se está confinada a um, existem grandes probabilidades do seu acesso a outros se encontrar também restrito. Como se percebe pela figura 3.3, o processo de stresse não ocorre à parte, mas num contexto de factores sociais, económicos, culturais e políticos. As pessoas enfrentam as fontes de stresse não de uma forma isolada de outras dimensões das suas vidas, mas como portadoras de determinadas características, detentoras de diferentes estatutos e ocupantes de diferentes posições em sistemas sociais estratificados. Todos estes factores antecedentes e contextuais influenciam a amplitude segundo a qual os vários grupos da população estão expostos aos factores de stresse, o tipo e nível de recursos que se encontram à sua disposição e as consequências que daí advêm (Aneshensel et al., 1995). Por exemplo, tem-se constatado que um estatuto socio-económico baixo coincide com um menor número de recursos disponíveis, mais sentimentos de sobrecarga, e mais 138

158 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados dificuldades de acesso a informação e a recursos públicos (Lezaun, Arrazola & Arrazola, 21). Neste sentido, vários autores salientam a importância de, na análise do processo de stresse, se considerarem as seguintes variáveis contextuais (Pearlin, 22; Aneshensel et al., 1995; Lezaun, Arrazola & Arrazola, 21): características socio-demográficas do cuidador e do receptor de cuidados (género, idade, estado civil, situação profissional, habilitações literárias, grau de parentesco, etc.), história da relação prévia entre o cuidador e o receptor de cuidados, situação ou não de coabitação A proliferação de stresse Um elemento central do modelo de desenvolvimento de stresse é aquilo a que os autores designam por proliferação de stresse (stress proliferation), baseado na noção de que o surgimento de um problema sério normalmente não existe à parte de outros problemas na vida (Aneshensel et al., 1995). As pessoas raramente se encontram expostas uma única fonte de stresse; pelo contrário, tendem a ficar envoltas em constelações de múltiplos stressores (Pearlin, 22). A premissa subjacente a este modelo é a que fontes de stresse tendem a gerar outras fontes de stresse. Como resultado, os indivíduos podem ser cercados por constelações de stressores, alguns deles em esferas da vida que não aquelas em que os stressores primariamente surgiram. No caso dos cuidadores informais, as fontes de stresse directamente relacionadas com a tarefa de prestação de cuidados podem dar origem a outras fontes de stresse que se situam para além dos limites da prestação de cuidados. É para esta reprodução de stressores noutras esferas da vida do indivíduo que o conceito de proliferação de stresse chama a atenção. Segundo Aneshensel et al. (1995) o principal mecanismo na sua base reside no facto dos cuidadores não serem somente cuidadores, mas também detentores de outros papéis sociais. Cada um dos papéis sociais por si desempenhados comporta interacções com diferentes grupos de pessoas, envolve diferentes actividades, compromissos e obrigações e acarreta recompensas e desafios. Se, frequentemente, as pessoas têm dificuldades em conciliar os diferentes papéis sociais sob circunstâncias normais, sob condições extraordinárias de prestação de cuidados a um familiar, poderá ainda ser mais complexo. 139

159 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Assim, deve reconhecer-se, em primeiro lugar, que o papel de cuidador de um familiar idoso dependente surge após a consolidação de outros papéis previamente estabelecidos: caregiving is the new kid on the block (Aneshensel et al., 1995, 37). Além disso, uma vez consolidado, o papel de cuidador implica exigências cada vez maiores (no caso de familiares com demência, por exemplo), de tal forma que até fazendo ajustamentos noutras áreas, se mantém uma pressão constante nas fronteiras de outros papéis. Tendo em conta o contexto dos múltiplos papéis que cada um de nós desempenha, o recente e crescente papel de cuidador tem a capacidade de criar tensões, fricções, caos e sentimentos de mal-estar noutras áreas da vida. Neste contexto, os autores estabelecem uma primeira distinção entre stressores primários (primary stressors) e os que deles derivam, os stressores secundários (secondary stressors). A figura 3.5 representa uma descrição detalhada acerca do desenvolvimento destes factores de stresse. O termo primário significa que estes stressores derivam directamente da tarefa de prestação de cuidados. Estas fontes de stresse são primárias no sentido em que são inseparáveis da raiz do problema: a condição incapacitante do receptor de cuidados. Ou seja, são primários porque constituem componentes integrais da incapacidade/dependência que gerou a necessidade da prestação de cuidados. Dentro dos stressores primários os autores distinguem uma dimensão objectiva (objective primary stressors) e outra subjectiva (subjective primary stressors). A dimensão objectiva representa-se pelas actividades que o cuidador realiza durante o processo de prestação de cuidados e que derivam das manifestações de incapacidade da pessoa de quem se cuida. Nas pesquisas, os autores têm privilegiado a análise de três possíveis stressores primários objectivos (Pearlin, 1994; Aneshensel et al., 1995; Whitlatch & Noelker, 1996): as actividades de vida diária das quais o receptor de cuidados é dependente; o grau de deterioração do funcionamento cognitivo; e os comportamentos problemáticos do doente que constituem uma ameaça à segurança ou são socialmente inapropriados e que requerem vigilância e controlo permanentes. Mas estas condições objectivas repercutem-se sobre as experiências e estados subjectivos dos cuidadores. Na verdade, as exigências impostas pela incapacidade física e/ou mental requerem não só respostas comportamentais, mas também respostas cognitivas e emocionais. Os autores classificam estas respostas como stressores primários porque são inerentes e inseparáveis do domínio da prestação de cuidados. São ainda denominados por stressores primários subjectivos porque se referem às respostas internas do cuidador e aos significados pessoais atribuídos aos estímulos externos. A figura 3.5 demonstra como estes stressores subjectivos são influenciados pelas condições objectivas 14

160 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados da prestação informal de cuidados. Os stressores primários subjectivos incluem aquilo a que os autores designam por role overloded (sobrecarga do papel), role captivity (clausura do papel) e loss of intimate exchange (perda de reciprocidade) (Pearlin, 1994; Pearlin, 22; Aneshensel et al., 1995; Whitlatch & Noelker, 1996). Figura 3.5 Proliferação de stresse Factores antecedentes e contextuais Stressores Pirmários Stressores Secundários Características Socio-económicas; História do cuidado Etc. Stressores objectivos: Estado cognitivo, comportamento problemático e dependências nas ADL e IADL Tensões de papel: Conflito familiar Conflito cuidadosprofissão Problemas financeiros Stressores subjectivos: Sobrecarga, clausura e perda de reciprocidade Tensões Intrapsíquicas: Perda de identidade Competência Ganhos Fonte: Adaptado de Pearlin (1994). A sobrecarga do papel refere-se à experiência interna de sentir sobrecarga pelas tarefas e responsabilidades inerentes à prestação informal de cuidados (Aneshensel et al., 1995). Difere das fontes de stresse objectivas por se referir, não à quantidade de actividades desempenhadas pelo cuidador, mas à sensação de sobrecarga que as actividades implicam. Porém, nem todas as pessoas que estão expostas aos mesmos stressores primários objectivos sentem subjectivamente os mesmos níveis de sobrecarga. 141

161 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Por exemplo, perante as mesmas exigências objectivas, os cuidadores idosos são mais susceptíveis de experienciarem subjectivamente esta sobrecarga que os cuidadores mais jovens e fortes (Pearlin, 1994). Ou seja, a forma como os cuidadores subjectivamente experienciam os stressores não é inteiramente determinada pelas condições objectivas da tarefa de prestação de cuidados. A clausura do papel (role captivity) designa o desempenho indesejado de determinado papel, trata-se da sensação de se tornar involuntariamente responsável pela prestação de cuidados (Aneshensel et al., 1995). Este sentimento de se sentir apanhado surge quando a pessoa se sente compelida a ser e a fazer algo, quando prefere outra coisa. Este constructo refere-se menos às exigências e responsabilidades da prestação de cuidados e mais ao facto destas serem sentidas como obrigatórias. Assim, o que distingue este constructo é o carácter indesejado que o papel de cuidador assume (Aneshensel et al., 1993). Trata-se, então, da tensão existente entre aquilo que se quer ser ou fazer e aquilo que se deve ser ou fazer. Por último, a perda de reciprocidade (loss of intimate exchange) refere-se às perdas, a nível afectivo e instrumental, que os cuidadores sentem no seu relacionamento com o seu familiar incapacitado (Pearlin, 1994; Whitlatch & Noelker, 1996). Estas perdas encontram-se associadas ao estado cognitivo e aos problemas de comportamento da pessoa com demência (Pearlin, 1994). Todavia, são mais do que meros reflexos destes stressores objectivos, já que também são influenciadas por outros factores (Pearlin, 1994). Convém salientar que para cada um destes constructos, os autores desenvolveram medidas de avaliação, das quais este trabalho se irá ocupar na segunda parte, no ponto dedicado à metodologia. Como já se referiu, a necessidade de prestar cuidados a um familiar incapacitado e as reacções subjectivas a ela associadas são susceptíveis de gerar dificuldades que se irão repercutir noutras dimensões da vida do cuidador. A participação em actividades fora do contexto da prestação informal de cuidados representa aspectos das esferas social, pessoal e económica que os cuidadores partilham com outros indivíduos que não têm esse papel. Nem todos os cuidadores se envolvem da mesma forma em actividades extra-prestação informal de cuidados. Este envolvimento depende, em parte, da exigência das responsabilidades relativas à tarefa de cuidar (Aneshensel et al., 1995). Por exemplo, alguns cuidadores estão tão sobrecarregados que as suas vidas giram quase exclusivamente em torno da provisão de cuidados. Por outro lado, a participação dos indivíduos nestas esferas, difere de acordo com as suas circunstâncias sociais e económicas. Por exemplo, no caso dos cuidadores familiares, o acesso a vários recursos atenua alguma sobrecarga e facilita o seu envolvimento noutras actividades para além 142

162 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados da prestação de cuidados. Além disso, a participação noutras esferas difere também de acordo com a geração e o género (Aneshensel et al. 1995): por exemplo, os filhos que cuidam dos seus pais dependentes têm mais probabilidades de se encontrarem empregados do que os cônjuges que cuidam dos seus pares. O envolvimento nas várias dimensões da participação social é fortemente marcado pelo papel de cuidador. Os cuidadores que mantêm uma actividade profissional, por exemplo, são interrompidos durante o seu trabalho devido a problemas com o seu familiar dependente, o que faz com que experienciem um tipo de stresse no trabalho que não é vivido pelos seus colegas que não têm um familiar idoso dependente a cargo. Aos stressores que emergem noutras dimensões da vida do cuidador para além da prestação de cuidados, são designados pelos autores como stressores secundários. Estes são vistos como secundários, não porque sejam menos importantes ou poderosos que os primários, mas porque constituem uma consequência do processo de prestação de cuidados (Pearlin, 1994; Pearlin, 22; Aneshensel et al., 1995; Whitlatch & Noelker, 1996). A distinção entre stressores primários e secundários não existe para reflectir o seu poder relativo na produção de consequências negativas, mas para denotar a ordem cronológica na qual se observa o seu aparecimento. Uma vez instaladas, as fontes de stresse secundárias podem ter um efeito tão ou mais poderoso sobre o bem-estar do indivíduo, do que as primárias (Pearlin, 1994; Pearlin, 22; Aneshensel et al., 1995; Zarit, 1998). Tal como para os stressores primários, os investigadores desenvolveram um conjunto de medidas válidas para avaliar cada um dos stressores secundários a seguir mencionados. Os stressores secundários pressupõem, pelo menos, dois subgrupos de stressores conceptualmente distintos: as tensões de papel (role strains) e as tensões intrapsiquicas (intrapsychic strains). As tensões de papel referem-se aos problemas constantes que um sujeito experiencia enquanto detentor de um determinado papel ou estatuto (Pearlin, 1994). Neste caso, as tensões de papel ocorrem naqueles papéis e actividades que têm lugar fora do contexto da prestação de cuidados mas que, ainda assim, são por ele influenciados (Whitlatch & Noelker, 1996). De facto, existe evidência empírica de que as tensões que derivam de papéis importantes constituem poderosos indutores de stresse (Pearlin, 1983). Os autores consideram que o conflito familiar, o conflito a nível profissional e os constrangimentos financeiros constituem tensões de papel centrais na experiência de prestação informal de cuidados. 143

163 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Assim, a família constitui um cenário com potencial para a manifestação de tensões de papel, principalmente sob a forma de conflito entre os vários elementos (Pearlin, 1994; Aneshensel et al., 1995; Whitlatch & Noelker, 1996). Destacam-se três dimensões do conflito familiar (Pearlin, 1994; Aneshensel et al., 1995): desaprovação do cuidador principal relativamente às atitudes e comportamentos dos restantes membros da família em relação ao idoso dependente, em particular aqueles que indiciam desrespeito e desinteresse/distanciamento; desacordos entre o cuidador principal e os restantes elementos da família relativamente à gravidade da doença e incapacidade do idoso e à adequabilidade da assistência e cuidados prestados; por último, uma terceira dimensão deriva da percepção do cuidador de que os restantes membros da família não apreciam o grau das exigências que recaem sobre si, ou desaprovam a qualidade do cuidado que está a ser prestado. Cada um destes domínios do conflito familiar pode ter diferentes antecedentes, envolver diferentes membros da família e implicar diferentes consequências. Entre os cuidadores que têm uma actividade profissional, podem surgir tensões que derivam da intercepção do trabalho e da prestação de cuidados. As exigências da prestação de cuidados podem interferir nas exigências do trabalho, o que, por vez, gera no cuidador uma sensação de fracasso em ambas as situações (Pearlin et al. 199; Pearlin, 1994; Aneshensel et al., 1995). No entanto, como já se expôs no capítulo anterior, a manutenção de uma actividade profissional pode também funcionar como uma válvula de escape : por um lado, permite ao cuidador libertar-se momentaneamente da prestação de cuidados e interagir socialmente com amigos e colegas; por outro, os rendimentos que aufere podem atenuar algumas das dificuldades financeiras associadas à doença e tarefa de cuidar. Como sublinha Pearlin (1994, 11), ter em simultâneo múltiplas exigências pode ser difícil para uns, mas para outros pode constituir uma válvula segura que é bem-vinda e necessária. A situação de prestação informal de cuidados poderá causar ainda problemas financeiros, devidos quer à diminuição dos rendimentos quer ao aumento das despesas. Apesar de tudo, a prestação informal de cuidados pode constituir para alguns cuidadores uma estratégia para evitar a maior despesa financeira que seria institucionalizar o idoso (Pearlin, 1994). Enquanto que as tensões descritas anteriormente se situam no seio de vários papéis e estatutos, outras localizam-se principalmente nas percepções e sentimentos que o cuidador tem acerca de si. Os investigadores referem-se a estas tensões como tensões intrapsíquicas e a maior parte delas envolvem dimensões do auto-conceito. 144

164 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados Pearlin (1994) considera que certas dimensões do auto-conceito, como a autoestima e o sentido de domínio (mastery), são estados que os indivíduos transportam consigo entre papéis e entre situações (por outras palavras, não são tão vulneráveis à influência de contextos específicos). Deste modo, quer se esteja em casa ou no trabalho, pode gozar-se de uma auto-estima relativamente elevada ou possuir um certo sentido de domínio sobre importantes forças e contingências. Contrariamente a estas dimensões do auto-conceito, outras existem que se prendem mais directamente com a tarefa de prestação informal de cuidados. Estas dimensões são apelidadas de tensões situacionais (situational strains) e encontram-se ancoradas na prestação informal de cuidados, incluindo: perda da identidade (loss of self), sentido de competência como cuidador (caregiver competence) e a sensação de enriquecimento pessoal (caregiving gains) (Pearlin, 1994; Aneshensel et al., 1995; Whitlatch & Noelker, 1996). Algumas destas dimensões, particularmente a perda de identidade, encontra-se directamente relacionada com uma situação de prestação de cuidados específica: cuidar de um familiar com demência (Aneshensel et al., 1995). O decurso degenerativo da demência altera a personalidade de um dos dois indivíduos envolvidos numa relação conjugal ou filial. Pelo facto de que a identidade e vida do cuidador se encontram directamente relacionadas com a do familiar demente, o cuidador pode experienciar uma perda da sua identidade à medida que a personalidade do seu familiar se torna fragmentada e confusa. A competência é outra dimensão do auto-conceito de natureza situacional. Refere-se aos juízos que um indivíduo faz acerca das suas qualidades e competências como cuidador. Para a maioria das pessoas a prestação informal de cuidados a um familiar idoso dependente constitui um novo papel social e a identificação com esse papel coincide frequentemente com uma auto-avaliação de quão bem o desempenham (Aneshesnel et al., 1995). Existe, ainda, uma última componente do auto-conceito, os ganhos (caregiving gains), relacionada com a prestação informal de cuidados e que se prende com a percepção de que esta situação constitui (ou não) uma oportunidade de crescimento e enriquecimento pessoal (Pearlin, 1994; Aneshensel et al., 1995). Pearlin (1994) sublinha que estes ganhos pessoais não actuam como contrapeso aos efeitos negativos das outras tensões. 145

165 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Recapitulando, importa salientar que o stresse, muitas vezes confundido com fontes de stresse ou com consequências negativas do stresse, é, por definição, neutro já que designa apenas uma relação desarmoniosa. Aliás, a existência destas fontes não implica necessariamente a ocorrência de stresse no indivíduo. Neste sentido, considera-se que a definição de stresse de Ramos (21, 57) é aquela que melhor reflecte a natureza deste conceito: um tipo particular de relação entre a pessoa e o(s) seu(s) meio(s), marcada pela percepção de exigências que cobrem ou excedem os seus recursos de coping e que pode perigar o seu bem-estar; esta discrepância entre o que a pessoa sente que lhe é pedido e o que julga poder dar é sinalizada pelo organismo, em toda a sua globalidade e totalidade, isto é, aos níveis fisiológico (imunológico, neuronal, hormonal), psicológico (emocional, cognitivo, comportamental) e social (família, trabalho, comunidade). Uma experiência de stresse ocorre quando a pessoa avalia que determinada situação ou condição acarreta exigências significativas para o seu bem-estar, face às quais julga não dispor de recursos que as satisfaçam. Este processo avaliativo não é reflexivo, racional ou lógico, mas sim automático, involuntário e profundamente emocional (Ramos, 21: 57). É este processo avaliativo e não a situação ou a fonte de stresse per se que determina o que é stresse, as reacções de stresse do indivíduo e os resultados dos seus esforços adaptativos. De acordo com esta concepção, baseada nos modelos transaccionais de stresse, as exigências associadas à prestação informal de cuidados (sobrecarga objectiva) não podem ser definidas como stressantes por si; devem ser perspectivadas tendo em conta um contexto de variáveis moderadoras como a avaliação cognitiva (appraisal) e as estratégias de coping, por exemplo. A avaliação cognitiva das potenciais fontes de stresse tanto pode ser negativa, como neutral ou positiva, e é análoga à sobrecarga subjectiva já que correspondem à interpretação subjectiva dos eventos potencialmente perigosos ou ameaçadores e respectivas implicações para o Eu (Kinsella et al., 1998). Como consequência imediata da avaliação cognitiva, ocorre a resposta de stresse que Ramos (21) define como a reacção total do organismo que traduz o desequilíbrio próprio da situação de stresse em que se encontra e que pode incluir todo um conjunto de sinais e sintomas (strains) a nível fisiológico (por exemplo, aumento da pressão arterial e tensão muscular, taquicardia e aumento da frequência cardíaca, alterações do sono, subida dos níveis de adrenalina), psicológico (nomeadamente, dificuldades de concentração, angústia, ansiedade difusa e disfuncional, aumento do consumo de drogas legais e ilegais, falta ou excesso de apetite, irritabilidade, excitação, isolamento) e 146

166 Capítulo 3 O stresse e a prestação familiar de cuidados social (por exemplo, deterioração da comunicação familiar, demissão de papéis familiares, diminuição de interesse, eficiência e rendimento profissionais, absentismo). Na maioria das vezes, são estes sinais que avisam a pessoa de que algo não corre bem, levando-a a accionar determinadas estratégias de coping no sentido de modificar a situação, ou o modo como a mesma a afecta. Se as suas estratégias forem adequadas e eficazes, então a pessoa resolve a situação de stresse e este assume uma conotação positiva, já que permite a reconstrução e desenvolvimento pessoais; se as suas estratégias forem inadequadas ou ineficazes, a pessoa entra num ciclo vicioso situação stressora coping ineficaz e a sua resposta de stresse agrava-se, cristalizando-se na forma de consequências do stresse (outcomes), podendo levar à doença (Ramos, 21). Resta ainda salientar que os modelos transaccionais deixam espaço às avaliações cognitivas positivas da prestação informal de cuidados. Apesar do fenómeno ser frequentemente conceptualizado como sobrecarga (talvez reflectindo os efeitos negativos mais proeminentes), deve haver espaço para o reconhecimento dos efeitos positivos de se ter um familiar idoso dependente a cargo. Perspectivando especificamente o modelo de desenvolvimento de stresse, importa enfatizar algumas ideias. Em primeiro lugar, deve ter-se em conta que os stressores não são estáticos, ou seja, eles evoluem e modificam-se a par com a evolução da prestação informal de cuidados (Pearlin, 1994; Anesehnsel et al., 1995). Assim, os stressores devem ser entendidos como componentes do processo de stresse cujas características podem assumir diferentes contornos em diferentes momentos. Em segundo lugar considera-se de extrema importância avaliar a proliferação de stresse e distinguir os factores de stresse primários dos secundários. A investigação sobre o stresse tem revelado que, quando expostos a fontes de stresse semelhantes, os indivíduos podem divergir a nível do impacto que estas têm sobre a sua saúde e bem-estar. Quando esta divergência é significativa, evocam-se frequentemente razões que se prendem com a variabilidade existente a nível dos recursos moderadores, em particular, a nível do coping. É inegável o contributo que a acção das variáveis moderadoras poderá exercer na explicação da variabilidade de resultados. Contudo, tais recursos não explicam a totalidade das diferenças encontradas. Em vez disso, parte da explicação poderá residir nas diferenças relativas à presença de factores de stresse secundários. Ou seja, as pessoas podem estar expostas a stressores primários semelhantes, mas podem experienciar stressores secundários diferentes. As variações na configuração e severidade das fontes de stresse secundárias podem igualmente contribuir para a explicação das diferenças ao nível das consequências (outcomes). 147

167 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência A utilidade da distinção entre stressores primários e secundários reside, em parte, na chamada de atenção para a noção de processo. Mas esta distinção permite, igualmente, uma percepção mais completa e exacta da vida do cuidador o que faculta melhor compreensão acerca da variabilidade existente ao nível das consequências que os cuidadores experienciam. A identificação de múltiplas fontes de stresse permite, então, ponderar o relativo contributo de cada um na explicação das consequências (outcomes). Outra razão que justifica a avaliação dos factores de stress secundários prende-se com os programas de intervenção. Frequentemente, as respostas ou programas de intervenção por exemplo, centros de dia ou serviço de apoio domiciliário actuam prioritariamente sobre as fontes de stresse primárias, no sentido de as aliviar. O desenvolvimento de programas com o objectivo de actuar sobre as fontes de stresse secundárias pode também ser eficaz no sentido de poupar o cuidador familiar de algumas das consequências negativas associadas à tarefa de cuidar. Por último, importa ressalvar que os modelos transaccionais de stresse e, em particular, o modelo de desenvolvimento de stresse, explicam a razão pela qual as pessoas reagem de forma diferente ao mesmo acontecimento. Algumas resolvem-nos com êxito, ao passo que outras não. Esta abordagem também reconhece que: as exigências ou acontecimentos não são equitativamente indutores de stresse; uma mesma exigência pode resultar em diferentes tipos de resposta em diferentes momentos; o stresse baseia-se mais nas percepções subjectivas dos acontecimentos do que nas suas características objectivas. 148

168 Capítulo 4 Objectivos e metodologia da investigação

169 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência 152

170 Capítulo 4 Objectivos e metodologia da investigação Introdução Neste capítulo faz-se a apresentação do estudo empírico, bem como do seu enquadramento e objectivos da investigação. É igualmente descrita a metodologia empregue na selecção da amostra e na recolha dos dados, com especial destaque para a descrição dos instrumentos utilizados. É feita ainda referência ao estudo das qualidades psicométricas dos instrumentos administrados. Por último, é apresentada a caracterização da amostra. 1. Enquadramento e objectivos de pesquisa 1.1. Delimitação do problema No limiar do século XXI, o rápido envelhecimento demográfico, as modificações da estrutura etária da população e as mudanças na organização da sociedade constituem importantes desafios para os indivíduos, famílias, comunidades e nações do mundo inteiro. Nas últimas décadas a esperança de vida, principalmente nos países industrializados, conheceu um aumento extraordinário devido, essencialmente, aos progressos da medicina, melhoria dos cuidados de saúde, mais higiene e melhor nutrição. O aumento da proporção de idosos na sociedade é um fenómeno relativamente recente ao qual ainda se estão a tentar adaptar mesmo os países mais desenvolvidos. Um fenómeno, ainda, mais recente tem sido o aumento da esperança de vida dos mais idosos (75 anos ou mais). Vários estudos demonstram que é precisamente a partir dessa faixa etária que o declínio físico e mental e o surgimento de incapacidades são progressivamente mais rápidos (Schaie & Willis, 1991). Patologias como a doença de Alzheimer, acidentes vasculares cerebrais ou doença de Parkinson, por exemplo, são mais frequentes na velhice do que em outra etapa do ciclo de vida (Fratiglioni et al., 1999; MacDonald et al., 2; Thommessen et al., 22). Os progressos da ciência, e da medicina em particular, tornaram as pessoas idosas de hoje menos dependentes e mais aptas. Contudo, é fundamental ter em conta que o envelhecimento é um processo normal, universal e inevitável, que acompanha toda a 153

171 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência vida humana, de deterioração endógena e irreversível da estrutura e funcionamento de vários órgãos e tecidos (Sousa & Figueiredo, 23). Neste processo é igualmente reconhecida a influência de factores extrínsecos (condições de vida e agressões do meio envolvente). A consequência mais evidente do processo de envelhecimento é a diminuição da capacidade de adaptação do organismo a factores de stresse internos e externos, podendo levar a uma limitação progressiva das capacidades do indivíduo para satisfazer, de forma autónoma e independente, as suas necessidades. O idoso dependente necessita frequentemente de apoios e/ou cuidados de saúde e bem-estar que, tradicionalmente, lhes são prestados no seio familiar. A família tem sido considerada como o principal pilar de apoio ao idoso em situação de dependência em vários países da Europa e nos EUA. Estima-se que 8% da assistência que os idosos necessitam é prestada pela família (Walker, 1995). Tal circunstância deve-se ao facto de, culturalmente, a família ser considerada como "o centro da tradição da responsabilidade colectiva pela prestação de cuidados" (Anderson, 1992: 5). Para além da família, os amigos, os vizinhos e outros elementos da rede informal também colaboram na tarefa de cuidar de um idoso no seu meio. Todavia, o surgimento de certas incapacidades físicas e mentais em idades avançadas, tem vindo a criar inquietação, por representar um encargo pesado para quem tem que prestar cuidados ao idoso, quer seja o cônjuge, os filhos (na maioria das vezes, filhas ou noras), vizinhos, amigos ou outros, muitas vezes a par com outras exigências (filhos dependentes, carreira profissional, ). Como já vimos em capítulos anteriores, alguns estudos têm já demonstrado que a situação de prestação de cuidados ao idoso mais ou menos dependente gera, frequentemente, problemas de stresse, de saúde mental e física, sentimentos de frustração, ansiedade, inquietação e uma preocupação constante em quem cuida deles. O discurso que hoje predomina sobre as formas mais vantajosas de responder às necessidades dos idosos tem sido dominado pelo apelo à desinstitucionalização, não só porque a oportunidade de viver no seu meio constitui a forma mais humana de permitir que o doente idoso viva o resto da sua vida, como constitui a forma de apoio menos dispendiosa para a sociedade (Leinonen et al., 21). Mas nem sempre o papel desempenhado pelos prestadores informais de cuidados e as perturbações que esse mesmo papel acarreta tem sido reconhecido. Perante as transformações que têm vindo a ocorrer na organização e estrutura das famílias (por exemplo, o incremento do número de divórcios em países industrializados, a participação crescente das mulheres na vida pública, a diminuição das taxas de fecundidade pondo em causa a renovação das gerações e, consequentemente, o número de potenciais cuidadores) a ausência de 154

172 Capítulo 4 Objectivos e metodologia da investigação medidas específicas para este grupo poderá ser um obstáculo na manutenção do seu papel enquanto fonte principal de apoio ao idoso. De facto, a falta de uma coerente política de apoio aos cuidadores informais parece verificar-se tanto em países europeus (Jani-Le Bris, 1994) como nos EUA (Kane & Penrod, 1995). Em Portugal, por exemplo, constatam-se algumas medidas de apoio especificamente dirigidas ao idoso, mas uma quase total inexistência de serviços de apoio às famílias (Figueiredo & Sousa, 21; Sousa & Figueiredo, 24). Por outro lado, é importante perceber que os idosos apresentam diferentes tipos de dependência (física, mental ou ambas), daí que as respostas de apoio devam assentar em medidas diferenciadas. Acresce que a situação de cuidar de um idoso dependente exerce diferentes impactos sobre os cuidadores: apesar do bem-estar de alguns ser desfavoravelmente afectado, outros parecem conseguir minimizar ou mesmo evitar esses danos. A grande maioria dos estudos acerca da sobrecarga do cuidador tem-se debruçado sobre cuidadores de idosos com demência. Todavia, é fundamental que se diferencie os cuidadores de idosos com e sem demência. Tal como alerta Tennstedt (1999), não se pode generalizar a todos os cuidadores aquilo que a investigação tem demostrado acerca dos cuidadores de idosos com demência. Efectivamente, alguns estudos têm demonstrado que o cuidado a alguém com demência está associado a níveis mais elevados de stresse, do que a prestação de cuidados a alguém com incapacidade funcional resultante de qualquer outro tipo doença crónica (Clipp & George, 1993; Gonzales-Salvador et al., 1999; Leinonen et al., 21). Ora, se os níveis de stresse são diferentes, então as necessidades destes cuidadores poderão ser também de natureza distinta. No entanto, poucos estudos têm sido conduzidos com o intuito de analisar as dissemelhanças existentes entre cuidadores de idosos com demência e sem demência no tocante às fontes de stresse vivenciadas, à forma como são percebidas e as necessidades que daí decorrem. Por outro lado, a maioria da investigação acerca da prestação informal de cuidados tem-se focalizado sobretudo na sobrecarga, omitindo os aspectos positivos que daí possam advir e, consequentemente, proporcionando uma visão parcial da situação. Aliás, pesquisas recentes têm sugerido que as satisfações que resultam da tarefa de cuidar não só predominam, como podem ter várias origens e coexistir a par das dificuldades (Nolan, Grant & Keady, 1996, 1998; Riedel, Fredman & Langenberg, 1998). Assim, o conhecimento das necessidades dos cuidadores informais, considerando os aspectos positivos e negativos da situação, bem como do poder de alguns factores na explicação da variabilidade existente entre os cuidadores justifica a importância do desenvolvimento de estudos comparativos com vista ao planeamento, criação e 155

173 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência desenvolvimento de medidas inovadoras que visem a melhoria da qualidade de vida de quem cuida e de quem é cuidado. É um dado adquirido que não se pode apoiar adequadamente uma pessoa sem primeiro procurar obter uma compreensão holística das suas necessidades (Chappell, 1996, citado por Nolan, Ingram & Watson, 22). Segundo Pearlin e Zarit (1993), os estudos comparativos podem promover novas perspectivas na análise da prestação informal de cuidados. Na ausência de comparações, facilmente se cai na tentação de, erradamente, se assumir que os padrões de prestação de cuidados observados num grupo de cuidadores se generalizam. Além disso, as comparações permitem igualmente a identificação das condições que ajudam a explicar variações nos padrões dos cuidados familiares Objectivos do estudo Em termos globais, este trabalho tem essencialmente dois objectivos gerais, cada um deles com um conjunto de objectivos específicos: Objectivo geral 1 Considerando que a presença de demência no receptor de cuidados coloca os cuidadores numa situação de maior vulnerabilidade ao stresse, pretende-se conhecer e comparar dois grupos de cuidadores familiares a idosos dependentes com e sem demência relativamente às quatro dimensões do modelo de desenvolvimento de stresse de Pearlin (variáveis contextuais, stressores, moderadores e consequências). Este objectivo geral envolve os seguintes objectivos específicos: - Comparar os dois grupos de cuidadores familiares relativamente a variáveis contextuais, designadamente: características sócio-demográficas do cuidador familiar e do idoso receptor de cuidados, grau de parentesco, existência ou não de filhos a cargo, situação ou não de coabitação com o idoso dependente, duração da prestação de cuidados, tempo semanal dispendido na prestação de cuidados, existência de mais alguém a quem prestar cuidados, existência ou não de apoio na prestação de cuidados; - Comparar as dois grupos de cuidadores familiares no que respeita à presença de factores de stresse primários (objectivos e subjectivos) e secundários (tensões de papel 156

174 Capítulo 4 Objectivos e metodologia da investigação e tensões intrapsíquicas) estipuladas pelo modelo de desenvolvimento de stresse de Pearlin. - Verificar a existência de diferenças significativas entre os dois grupos de cuidadores familiares no que toca à percepção das dificuldades; - Perceber como é que cada grupo de cuidadores familiares enfrenta as dificuldades percebidas (coping) e se existem diferenças significativas entre eles. - Verificar e comparar a existência ou não de satisfações que derivam da prestação informal de cuidados em cada grupo de cuidadores. - Comparar o tamanho e composição da rede social pessoal, bem como o tipo de apoio prestado e reciprocidade nos dois grupos de cuidadores. - Comparar a satisfação com a vida e a percepção do estado de saúde nos dois grupos de cuidadores familiares. Tendo em conta estes objectivos, múltiplas questões irrompem: No que toca às consequências do stresse será que, a nível da percepção do estado de saúde e da satisfação com a vida, existem diferenças entre as pessoas que cuidam de um idoso dependente com demência e aquelas que cuidam de um idoso sem demência? Será que aqueles que têm a cargo um idoso com demência se encontram menos satisfeitos com a vida ou percepcionam o seu estado de saúde como sendo pior do que aqueles que cuidam de um familiar sem demência? Será que os efeitos potencialmente stressantes da prestação de cuidados variam com a presença da demência na pessoa de quem se cuida? Relativamente às dificuldades decorrentes da prestação informal de cuidados, será que estas diferem segundo o tipo de incapacidade? Quais são as principais fontes de stresse perspectivadas por cada grupo de cuidadores? Quanto ao coping, será que a presença (ou ausência) de demência no idoso gera nos dois grupos de cuidadores estratégias de coping diferentes? Poderá estabelecer-se um padrão característico de estratégias de coping para cada um dos grupos de cuidadores? Quais as estratégias que se revelam mais eficazes para cada grupo? Em relação às redes sociais pessoais, será que elas assumem características diferentes consoante se trate de cuidadores de idosos com e sem demência? 157

175 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Será que as suas funções variam de acordo com estes dois grupos de cuidadores? Existirão diferenças significativas entre os dois grupos de cuidadores no tocante à reciprocidade na rede? Ou seja, será que, de uma forma geral, os cuidadores de idosos com demência sentem que retribuem menos apoio aos membros da sua rede que os cuidadores de idosos sem demência? No que às gratificações diz respeito, será que se pode estabelecer fontes de satisfação distintas que caracterizam cada um dos grupos de cuidadores? Será que as percepções em relação ao principal beneficiário variam consoante se trate de cuidadores de idosos demenciados ou de cuidadores de idosos sem demência? Objectivo geral 2 O segundo objectivo geral consiste em compreender a relação existente entre as variáveis consideradas pelo modelo de desenvolvimento de stresse de Pearlin. Ou seja, procura-se estudar como determinadas variáveis (contextuais, stressores primários e secundários, percepção das dificuldades, estratégias de coping, satisfações resultantes da prestação de cuidados e tamanho, composição, funções e reciprocidade na redes social pessoal) se relacionam entre si e influenciam a satisfação com a vida e a percepção do estado de saúde dos cuidadores familiares com e sem demência. Este objectivo geral traduz-se nos seguintes objectivos específicos: - Analisar a relação entre as variáveis contextuais e os factores de stresse primários e secundários, as potenciais variáveis moderadores (percepção das dificuldades, satisfações, coping e rede social pessoal) e as consequências (satisfação com a vida e percepção do estado de saúde). - Compreender a relação entre os factores de stresse primários (objectivos e subjectivos) e os factores de stresse secundários (tensões de papel e tensões intrapsíquicas). - Observar a relação entre os factores de stresse primários e secundários e os hipotéticos factores moderadores (percepção das dificuldades, satisfações, coping e rede social pessoal). 158

176 Capítulo 4 Objectivos e metodologia da investigação - Estudar a relação entre os factores de stresse primários e secundários e a satisfação com a vida e percepção do estado de saúde (consequências). - Perceber a relação entre as potenciais variáveis moderadoras (percepção das dificuldades, satisfações, coping e rede social pessoal) e a satisfação com a vida e percepção do estado de saúde (consequências). - Analisar o impacto dos stressores primários e secundários na satisfação com a vida e percepção do estado de saúde. - Compreender o papel da percepção das dificuldades, estratégias de coping, satisfações e da rede social pessoal como moderadores entre os factores de stresse e as consequências (satisfação com a vida e percepção do estado de saúde). À semelhança do objectivo geral anterior, também este coloca uma multiplicidade de questões: Qual será a importância de cada uma destas variáveis na explicação para a possível variabilidade entre os cuidadores em termos da percepção do seu estado de saúde e grau de satisfação com a vida? Até que ponto as percepções subjectivas do cuidador em relação às exigências da tarefa de cuidar, as estratégias de coping, a rede social pessoal e as satisfações, isoladamente ou no seu conjunto, se relacionam e influenciam a sua satisfação com a vida e a percepção do seu estado de saúde? Até que ponto cada uma destas quatro variáveis altera a magnitude de associações entre os stressores considerados e as consequências? Será que a estrutura da rede social pessoal, as suas funções e a reciprocidade influenciam o bem-estar do cuidador (em termos de percepção do estado de saúde e satisfação com a vida)? Como? Qual a influência das variáveis contextuais na percepção do estado de saúde e satisfação com a vida? Será que os stressores primários implicam inevitavelmente a existência de stressores secundários? De acordo com o exposto, o presente estudo tem como propósito geral encontrar pautas de regularidade e diferenças significativas no tocante às necessidades destes dois grupos de cuidadores familiares de idosos e perceber quais são as variáveis que têm um maior poder explicativo no processo de stresse e na variabilidade entre cuidadores a nível do seu bem-estar. Trata-se, portanto, de uma investigação que tem como variáveis 159

177 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência centrais as relativas à prestação informal de cuidados (variáveis contextuais, fontes de stresse, percepção das dificuldades, coping, satisfações, rede social) e o bem-estar do cuidador (percepção do estado de saúde e satisfação com a vida). Podem apontar-se várias razões que justificam a pertinência e relevância deste estudo. Em primeiro lugar, a maioria da investigação acerca da prestação informal de cuidados tem-se debruçado sobre os cuidadores informais de idosos demenciados. Logo, como já se referiu, não se pode generalizar a todos os cuidadores aquilo que a investigação tem revelado acerca dos cuidadores de idosos cognitivamente incapacitados. Além disso, uma abordagem que se centra unicamente nos impactos negativos do cuidar impede uma visão compreensiva da complexidade da prestação informal de cuidados, daí a pertinência de se analisarem os aspectos positivos que decorrem da assunção de uma responsabilidade como esta. Por outro lado, ao compreender quais as principais diferenças nas dinâmicas do processo de cuidar entre estes dois grupos de cuidadores, está a contribuir-se para que a intervenção junto dos mesmos possa ser mais eficaz, porque diferenciada. Além disso, o conhecimento dos factores que mais influenciam as consequências do processo de stresse pode constituir um elemento-chave na criação e desenvolvimento de respostas de intervenção em cuidadores com vista à atenuação dos efeitos negativos e consequente incremento da qualidade de vida. Finalmente, considera-se que os resultados deste trabalho podem ser importantes para a formação, inicial ou contínua, quer de profissionais neste domínio quer dos próprios cuidadores Esquema da investigação Pode apresentar-se esta investigação através dos esquemas presentes no quadro 4.1 e na figura 4.1. O quadro 4.1 refere-se a uma dimensão mais descritiva deste estudo onde se pretende, como anteriormente se referiu, conhecer e comparar dois grupos de cuidadores familiares a idosos dependentes com e sem demência relativamente às suas características socio-demográficas e contextuais, factores de stresse primários e secundários, potenciais factores moderadores (percepção das dificuldade, estratégias de coping, satisfações e rede social pessoal) e percepção do seu estado de saúde e satisfação com a vida. 16

178 Capítulo 4 Objectivos e metodologia da investigação Quadro 4.1. Síntese das variáveis a analisar em cada sub-amostra de cuidadores familiares de idosos (com e sem demência), agrupadas de acordo com o modelo de desenvolvimento de stresse de Pearlin DIMENSÕES SEGUNDO O MODELO DE PEARLIN Factores antecedentes e contextuais Stressores Consequências Moderadores VARIÁVEIS A AVALIAR E COMPARAR Variáveis socio-demográficas e contextuais Stressores Primários (objectivos e subjectivos) Stressores Secundários (tensões de papel e intrapíquicas) Percepção do estado de saúde Satisfação com a vida Dificuldades percebidas Estratégias de coping utilizadas Satisfações da prestação informal de cuidados Rede social pessoal INSTRUMENTOS Questionário Geral Questionário Geral Questionário Geral SF-36 SWLS CADI CAMI CASI Questionário de análise da rede social pessoal Figura 4.1 Modelo de desenvolvimento de stresse em cuidadores familiares de idosos com e sem demência Variáveis Antedecentes e Contextuais (Questionário Geral) Moderadores Percepção das dificuldades (CADI), coping (CAMI), satisfações (CASI) e rede social (Questionário de análise da rede social) Consequências Stressores primários Objectivos e Subjectivos (Questionário Geral) Stressores secundários Tensões de papel e tensões intrapsíquicas (Questionário Geral) Percepção do estado de saúde (SF-36) Satisfação com a vida (SWLS) 161

179 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência A figura 4.1 consiste na concretização de uma dimensão mais explicativa deste estudo, onde se procura averiguar a interacção entre as diferentes variáveis e a sua influência no bem-estar do cuidador (percepção do estado de saúde e satisfação com a vida), tendo em conta o modelo de desenvolvimento de stresse preconizado por Pearlin. Este modelo tem a vantagem de explicar a razão pela qual as pessoas reagem de forma diferente ao mesmo acontecimento (neste caso, a situações semelhantes da prestação informal de cuidados). Algumas resolvem-nos com sucesso, ao passo que outras não. O modelo também reconhece que: as exigências ou acontecimentos não são equitativamente indutores de stresse; uma mesma exigência pode resultar em diferentes tipos de resposta em diferentes momentos; o stresse baseia-se mais nas percepções subjectivas dos acontecimentos do que nas suas características objectivas. Este modelo permite perceber que as circunstâncias objectivas da prestação informal de cuidados devem ser encaradas apenas enquanto factores de condicionamento. É a interpretação subjectiva dessas circunstâncias que é crucial para a compreensão das reacções ao stresse. Deste modo, a aplicação de indicadores objectivos tais como as escalas de actividades de vida diária, apenas proporcionam uma visão parcial acerca das necessidades dos cuidadores. Neste processo é então necessário ter em conta outros factores susceptíveis de afectar os resultados e explicar a variabilidade existente entre os cuidadores, designadamente, as estratégias de coping e a sua eficácia, as satisfações que derivam da tarefa de cuidar, o apoio social recebido, a existência de fontes secundárias de stresse, entre outros. 2. Metodologia 2.1. Selecção da amostra A opção pelo estudo da situação dos cuidadores familiares prende-se com o facto de constituírem a maioria daqueles que, informalmente, prestam cuidados a um idoso em situação de dependência. Tal opção não significa que se ignore a importância que amigos e vizinhos assumem na prestação de cuidados à pessoa idosa. A concretização dos objectivos desta pesquisa exige a constituição de uma amostra composta por dois subgrupos: a) prestadores de cuidados a um familiar idoso dependente com demência; b) prestadores de cuidados a um familiar idoso dependente sem demência. 162

180 Capítulo 4 Objectivos e metodologia da investigação Os critérios que estiveram subjacentes à constituição dos grupos de cuidadores familiares foram os seguintes: ser familiar do idoso dependente; ser cuidador principal, isto é, o familiar que assume a maior parte da responsabilidade da prestação de cuidados ao idoso; prestar cuidados há mais de seis meses; ser cuidador de um familiar idoso dependente com demência (diagnóstico clínico); ser cuidador de um idoso dependente sem demência (diagnóstico clínico); ser cuidador de um idoso com 65 anos de idade ou mais; a dependência do idoso deve ter surgido na velhice, isto é, todos aqueles que sejam dependentes já noutras etapas do ciclo vital, anteriores à velhice, serão excluídos Critérios de emparelhamento da amostra: os grupos de cuidadores familiares de idosos dependentes As variáveis que presidiram ao emparelhamento dos dois grupos de cuidadores familiares a um idoso dependente foram as seguintes: idade; sexo; grau de parentesco; situação na profissão (estar ou não em idade activa); ter ou não filhos a cargo; situação ou não de coabitação. De salientar que o emparelhamento da amostra foi desenvolvido a partir da constituição da sub-amostra de cuidadores que têm idosos com demência a cargo Procedimentos de recolha de dados A recolha de dados foi realizada entre Fevereiro e Outubro de 24. A identificação de sujeitos que preenchessem os critérios acima descritos para os dois grupos de cuidadores familiares foi possível com a colaboração de instituições que prestam serviços de apoio a idosos na comunidade. Assim, o procedimento efectuado consistiu em contactar algumas destas instituições e pedir-lhes a sua colaboração na identificação de casos relevantes para o estudo. Depois de identificados os casos, a instituição encarregava-se de mediar o contacto entre os investigadores e os sujeitos que constituíram a amostra. A recolha de dados fez-se de acordo com o seguinte procedimento: selecção dos indivíduos cuidadores consoante o diagnóstico clínico do familiar idoso dependente; pedido de colaboração voluntária na pesquisa; informação sobre os objectivos da investigação e sobre a confidencialidade e anonimato das respostas; administração dos instrumentos através de auto-preenchimento (16.2%) ou em contexto de entrevista 163

181 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência (83.8%) pela autora e por uma socióloga, com formação e experiência na administração dos instrumentos utilizados, que colaborou na recolha de dados Instrumentos utilizados Antes de se passar à descrição dos instrumentos seleccionados, apenas uma breve nota relativamente ao CADI (na versão original, Carers Assessment Difficulties Índex), CAMI (Carers Assessment Managment Índex, no original) e CASI (Carers Assessment Satisfactions Índex, na sua versão original). A criação do CAMI, CADI e CASI por Nolan, Grant e Keady (1996, 1998), teve como intuito contribuir para realização de uma avaliação das necessidades dos cuidadores informais que captasse a complexa natureza das principais dinâmicas inerentes à prestação informal de cuidados, podendo, desse modo, constituir a base para posteriores intervenções. A teoria que inspirou a criação destes instrumentos de avaliação foi o modelo transaccional de stresse (Nolan, Grant & Keady, 1995; Nolan, Grant & Keady, 1996; 1998) que enfatiza o papel desempenhado pelas avaliações subjectivas e pelo coping na determinação do stresse por oposição às circunstâncias objectivas. Com este pressuposto é inteiramente admissível que um mesmo evento produza diferentes reacções em diferentes indivíduos (neste caso, em diferentes cuidadores) ou até no mesmo sujeito (cuidador), mas em momentos diferentes. Assim, em termos de medição do stresse, é requerida uma abordagem que permita uma avaliação subjectiva dos acontecimentos. Apesar destes instrumentos terem sido primariamente concebidos para proporcionar um perfil individual das circunstâncias de cada cuidador, a verdade é que as análises estatísticas sugerem que eles poderão ser utilizados para fins de investigação (por exemplo, para perspectivar a prevalência de determinados tipos de dificuldades, satisfações ou padrões de coping em diferentes grupos de cuidadores, ou para determinar se existem variações dentro dos sub-grupos) (Nolan, Grant & Keady, 1998). As versões portuguesas do CASI, CADI e CAMI foram desenvolvidas por Brito (22). No que concerne à questão da equivalência semântica, o processo de tradução de CASI, CADI e CAMI do inglês (língua original) para o português, foi conduzido de modo a que a versão portuguesa fosse acessível ao nível cultural da maioria da população portuguesa. 164

182 Capítulo 4 Objectivos e metodologia da investigação O Índice para avaliação das dificuldades do prestador de cuidados (CADI) O CADI (Índice para Avaliação das Dificuldades do Prestador de Cuidados) foi desenvolvido com o intuito de enfatizar, por oposição às circunstâncias objectivas, a importância das percepções subjectivas na determinação do stresse (Anexo 1). Trata-se de um instrumento formado por 3 itens, que constituem potenciais problemas que os cuidadores podem enfrentar e que resultaram de uma revisão da literatura (Nolan & Grant, 1989). Quadro 4.2 Conteúdos das sub-escalas do CADI SUB-ESCALA ITEM CONTEÚDO Relação entre o cuidador e o idoso dependente Reacção à prestação de cuidados Exigências de ordem física na prestação de cuidados Restrições na vida social Deficiente apoio familiar Deficiente apoio profissional Problemas financeiros 22 A pessoa de quem eu cuido nem sempre dá valor ao que eu faço. 25 O comportamento da pessoa de quem cuido causa problemas. 14 A pessoa de quem cuido nem sempre ajuda tanto quanto poderia. 11 Por vezes a pessoa de quem estou a cuidar exige demasiado de mim. 5 A pessoa de quem cuido chega a pôr-me fora de mim. 12 Deixou de haver o sentimento que havia na minha relação com a pessoa de quem cuido. 26 Cuidar desta pessoa não me dá qualquer satisfação. 2 Por vezes sinto-me de mãos atadas /sem poder fazer nada para dominar a situação. 29 Não consigo sossegar por estar preocupado com os cuidados a prestar. 3 Esta situação faz-me sentir culpado. 19 Esta situação está a transtornar-me os nervos. 1 Não tenho tempo suficiente para mim próprio. 17 Esta situação faz-me sentir irritado(a). 9 Chega a transtornar as minhas relações familiares. 13 A pessoa de quem cuido necessita de muita ajuda nos seus cuidados pessoais. 1 Deixa-me muito cansado fisicamente. 6 A pessoa de quem eu cuido depende de mim para se levantar. 24 A pessoa de quem cuido sofre de incontinência (não controla as necessidades). 23 A minha saúde ficou abalada. 15 Ando a dormir pior por causa desta situação. 18 Não estou com os amigos tanto quanto gostaria. 8 Afasta-me do convívio com outras pessoas e de outras coisas de que gosto. 2 Não consigo ter um tempo de descanso, nem fazer uns dias de férias. 28 Alguns familiares não ajudam tanto quanto poderiam. 16 As pessoas da família não dão tanta atenção quanto eu gostaria. 7 Parece-me que os técnicos de saúde e acção social (médicos, enfermeiros, assistentes sociais, etc.) não fazem bem ideia dos problemas que os prestadores de cuidados enfrentam. 27 Não recebo apoio suficiente dos serviços de saúde e dos serviços sociais. 4 Traz-me problemas de dinheiro. 21 A qualidade da minha vida piorou. 165

183 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Tem por objectivo facilitar a identificação dos principais problemas que decorrem da prestação informal de cuidados e como os cuidadores avaliam e experienciam essas dificuldades. Abrange vários domínios da vida do cuidador, nomeadamente: a saúde física e emocional, vida social, repercussões financeiras, natureza da relação entre o cuidador e a pessoa dependente, o apoio que o receptor de cuidados requer e o modo como o apoio formal e familiar são encarados pelo cuidador. No final, há ainda espaço para o cuidador referir outras dificuldades que enfrenta mas que não foram contempladas pela lista de 3 itens. Para cada item, o cuidador é convidado a indicar, numa escala tipo Likert de 4 pontos, se a afirmação em causa acontece ou não no seu caso e, em caso afirmativo, se o perturba muito, lhe causa alguma perturbação ou não o perturba. Segundo Nolan, Grant e Keady (1998), o CADI agrupa as sub-escalas ilustradas pelo quadro 4.2. O item 3 (não consigo dedicar tempo suficiente às outras pessoas da família) não foi incluído por Nolan, Grant e Keady (1998) uma vez que, a partir da análise factorial com rotação varimax apresentava uma saturação inferior a.35. Relativamente às características psicométricas do CADI, Nolan, Grant e Keady (1998) constataram que se trata de um instrumento de consistência interna bastante satisfatória, já que o valor do coeficiente alfa de Cronbach foi de.92. Semelhante resultado foi encontrado por Brito (22) para a versão portuguesa do CADI (.92) O Índice para avaliação das maneiras como o prestador de cuidados enfrenta as dificuldades (CAMI) Todavia, uma avaliação das dificuldades ou fontes de stresse por si só é insuficiente, uma vez que, como já foi referido, as estratégias de coping que o indivíduo emprega se revelam cruciais no entendimento de todo o processo de stresse. Aliás, tem-se argumentado que ajudar os cuidadores a melhorar as suas várias competências de coping constitui um meio potencialmente poderoso de intervenção (Aneshensel et al., 1995; Nolan, Ingram & Watson, 23). Contudo, as intervenções requerem uma avaliação compreensiva das circunstâncias vividas pelo cuidador, onde se inclui não só o tipo de stressores que enfrentam, mas também as estratégias de coping que empregam e a sua eficácia (Nolan, Grant & Keady, 1996). 166

184 Capítulo 4 Objectivos e metodologia da investigação Quadro 4.3 Conteúdos das sub-escalas do CAMI SUB-ESCALA ITEM CONTEÚDO Lidar com os acontecimentos/resolução problemas de Lidar com os significados/percepções Lidar com o stress 1 Procurar obter toda a informação possível acerca do problema. 17 Obter toda a ajuda possível dos serviços de saúde e dos serviços sociais. 3 Falar dos meus problemas com alguém em quem confio 29 Confiar na minha própria experiência e na competência que tenho adquirido. 5 Planear com antecedência e assim estar preparado para as coisas que possam acontecer. 1 Estabelecer um programa regular de tarefas e procurar cumpri-lo. 31 Estabelecer uma ordem de prioridades e concentrar-me nas coisas mais importantes 18 Pensar no problema e encontrar uma forma de lhe dar solução. 15 Modificar as condições da casa de modo a facilitar as coisas o mais possível. 14 Manter a pessoa de quem cuido tão activa quanto possível. 3 Experimentar várias soluções até encontrar uma que resulte. 23 Tomar medidas para evitar que os problemas surjam. 13 Conseguir que a família me dê toda a ajuda prática que puder. 33 Ser firme com a pessoa de quem cuido e fazer-lhe ver o que espero dela. 11 Pensar que a pessoa de quem cuido não tem culpa da situação em que está. 12 Viver um dia de cada vez. 7 Pensar que há sempre quem esteja pior do que eu. 34 Pensar que ninguém tem culpa da situação. 6 Ver o lado cómico da situação. 8 Cerrar os dentes e continuar. 9 Recordar todos os bons momentos que passei com a pessoa de quem cuido. 32 Procurar ver o que há de positivo em cada situação. 2 Aceitar a situação tal como ela é. 25 Acreditar em mim próprio e na minha capacidade para lidar com a situação. 24 Agarrar-me a fortes crenças pessoais ou religiosas. 27 Manter dominados os meus sentimentos e emoções. 16 Pensar que a situação está agora melhor do que antes. 26 Esquecer os problemas por momentos, deixando divagar o pensamento. 22 Fazer como se o problema não existisse e esperar que ele passe. 4 Reservar algum tempo livre para mim próprio. 21 Arranjar maneira de não pensar nas coisas, lendo, vendo televisão ou algo semelhante. 38 Dedicar-me a coisas que me interessam, para além de cuidar da pessoa. 35 Descarregar o excesso de energia e sentimentos, andando, nadando ou fazendo outro exercício físico. 28 Tentar animar-me comendo, bebendo um copo, fumando ou outra coisa do género. 36 Reunir regularmente com um grupo de pessoas com problemas semelhantes. 19 Chorar um bocado. 2 Descarregar a tensão, falando alto, gritando, ou coisa semelhante. 37 Usar técnicas de relaxamento, meditação ou outras. 167

185 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Neste sentido, os autores desenvolveram o CAMI (Índice para avaliação das maneiras como o prestador de cuidados enfrenta as dificuldades) (Anexo 2), tendo por base a definição de coping proposta por Turnbull e Turnbull (1993, citado por Nolan, Grant & Keady, 1996, 59) que o descrevem como as coisas que as pessoas fazem (agindo ou pensando) para incrementar a sensação de bem-estar nas suas vidas e evitar serem prejudicadas por acontecimentos stressantes. Para Nolan, Grant e Keady (1996) esta é uma das definições que melhor reflecte a natureza diversificada do coping. De acordo com os autores, o CAMI é composto pelas sub-escalas presentes no quadro 4.3 (Nolan, Grant & Keady, 1996). O CAMI tem sido utilizado em vários estudos com o intuito de proporcionar alguns indicadores acerca das principais categorias de estratégias de coping que os cuidadores consideram como mais eficazes e para explorar variações em situações de prestação de cuidados (Nolan, Grant & Keady, 1996; Lundh, 1999; Nolan, Ingram & Watson, 22, 23). No tocante às suas qualidades psicométricas, Nolan, Grant e Keady (1998) verificaram que o CAMI possui uma consistência interna relativamente satisfatória, já que o valor do coeficiente alfa de Cronbach foi de.85. Para a versão portuguesa do CAMI, Brito (22) encontrou um valor ligeiramente mais baixo (.8) O Índice para avaliação das satisfações do prestador de cuidados (CASI) Grande parte da investigação nesta área centra-se nos impactos negativos (stresse, sobrecarga) que decorrem da prestação de cuidados. Todavia, existe um reconhecimento crescente da importância das satisfações e do papel que estas podem desempenhar no modo como o stresse é vivenciado. Efectivamente, estudos recentes sugerem que as satisfações existem, derivam de várias fontes e coexistem frequentemente com uma série de dificuldades (Grant & Nolan, 1993; Nolan, Grant & Keady, 1996, 1998). Os autores defendem a inclusão das satisfações na avaliação das circunstâncias do cuidador porque, desse modo, obtém-se uma compreensão mais completa e realista da situação. Mais especificamente, Nolan, Grant e Keady (1998) sugerem que: 168

186 Capítulo 4 Objectivos e metodologia da investigação A inexistência de qualquer satisfação ou recompensa é susceptível de se encontrar associada a uma relação de cuidados frágil e pobre, na qual o bemestar do cuidador pode ser reduzido. Também pode servir como indicador sugerindo a necessidade de se perspectivar mais atentamente a situação no sentido de detectar se alguma das partes se encontra em risco. Por outro lado, ajudar os cuidadores a identificar fontes de satisfação pode melhorar a relação de cuidados. Tem vindo a reconhecer-se que os cuidadores só se sentem satisfeitos com os serviços de apoio quando percebem que a qualidade do serviço prestado à pessoa que necessita de cuidados é aceitável. Usando o CASI, os autores constataram que os cuidadores necessitam de acreditar que os serviços de apoio mantêm a dignidade da pessoa de quem se cuida, satisfazem as suas necessidades, etc. Se estes critérios não forem satisfeitos, então os serviços são frequentemente rejeitados ou relutantemente aceites, incrementando a culpa que os cuidadores possam sentir. Assim, o CASI (Índice para Avaliação das Satisfações do Prestador de Cuidados) (Anexo 3) foi concebido para concretizar estes propósitos. Trata-se de um instrumento constituído por 3 itens que resultaram da conjugação entre um extenso inquérito via postal a cuidadores e de um conjunto de várias entrevistas semi-estrutradas. Deste modo, os itens resultam de fontes de satisfação identificadas pelos próprios cuidadores (Nolan, Grant & Keady, 1996). Ao completar a escala, os cuidadores são convidados a indicar, numa escala tipo Likert de 4 pontos, se: cada item se aplica ou não ao seu caso; aplicase, mas não constitui uma fonte de satisfação; aplica-se e é fonte de alguma satisfação; aplica-se e é causa de muita satisfação. À semelhança do que acontece para o CADI e CAMI, também aqui existe um espaço onde o cuidador é convidado a indicar mais alguma fonte de satisfação que não tenha sido mencionada pela lista anterior. Os quadros que se seguem referem-se às sub-escalas que compõem o CASI (Nolan, Grant e Keady, 1996). 169

187 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência Quadro 4.4 Conteúdos das sub-escalas do CASI: dinâmica interpessoal SUB-ESCALAS ITEM CONTEÚDO Satisfações relacionadas com a dinâmica interpessoal Prestador de 2 A pessoa de quem cuido aprecia o que eu faço. cuidados como 17 É bom sentir-me apreciado pelos familiares e amigos principal beneficiário 8 que mais considero. Apesar de todos os seus problemas, a pessoa de quem cuido não resmunga nem se queixa. Pessoa dependente 24 É importante para mim manter a dignidade da pessoa como principal de quem cuido. beneficiária. 12 Dá-me satisfação ver que a pessoa de quem cuido se sente bem. 14 É agradável sentir que as coisas que eu faço dão bemestar á pessoa de quem cuido. Benefício mútuo 29 Prestar cuidados é uma forma de mostrar o meu amor pela pessoa de quem trato. 3 O facto de prestar cuidados aproximou-me mais da pessoa de quem cuido. 18 Prestar cuidados estreitou laços de família e relações de amizade. Quadro 4.5 Conteúdos das sub-escalas do CASI: dinâmica intrapessoal SUB-ESCALAS ITEM CONTEÚDO Satisfações relacionadas com a dinâmica intrapessoal Prestador cuidados principal beneficiário de como 1 Prestar cuidados permite-me cumprir o que sinto que é o meu dever. 3 Prestar cuidados faz-me sentir que sou útil e estimado. 25 Permite pôr-me a mim mesmo à prova e vencer dificuldades. 7 Prestar cuidados dá-me ocasião de mostrar o que sou capaz. 16 Prestar cuidados tem-me ajudado a amadurecer e a crescer como pessoa. 19 Ajuda a evitar que me sinta culpado 27 Prestar cuidados deu à minha vida um sentido que não tinha antes. 9 É agradável ver a pessoa de quem cuido limpa, confortável e bem arranjada. Pessoa dependente como principal beneficiária. 22 Posso garantir que a pessoa de quem cuido tem as suas necessidades satisfeitas. Benefício mútuo 28 No final, eu sei que terei feito o melhor que me foi possível. 21 Creio que se a situação fosse ao contrário, a pessoa de quem cuido faria o mesmo por mim. 11 Sou do género de pessoas que gostam de ajudar os outros. 6 Tenho possibilidade de retribuir o que de bom fez por mim a pessoa de quem cuido. 26 Prestar cuidados é uma maneira de expressar a minha fé. 17

188 Capítulo 4 Objectivos e metodologia da investigação Quadro 4.6 Conteúdos das sub-escalas do CASI: dinâmica dos resultados SUB-ESCALAS ITEM CONTEÚDO Satisfações relacionadas com a dinâmica dos resultados Prestador cuidados principal beneficiário de como Pessoa dependente como principal beneficiária. 1 Prestar cuidados permitiu-me desenvolver novas capacidades e habilidades. 23 Prestar cuidados deu-me a oportunidade de alargar os meus interesses e contactos 2 Sou capaz de manter em casa a pessoa de quem cuido, sem ter de ser internada num lar. 15 Por conhecer bem a pessoa de quem cuido, posso tratar dela melhor do que ninguém. 13 É bom ajudar a pessoa de quem cuido a vencer dificuldades e problemas. 4 É bom observar pequenas melhoras no estado da pessoa de quem cuido. 5 Sou capaz de ajudar a pessoa de quem cuido a desenvolver ao máximo as suas capacidades. Quanto às suas características psicométricas, Nolan, Grant e Keady, encontraram, para a consistência interna, um valor do coeficiente alfa de Cronbach de.91, o que se revela bastante satisfatório. Brito (22), para a versão portuguesa do CASI, encontrou um valor mais baixo, de A Escala de Satisfação Com a Vida (SWLS) O bem-estar subjectivo perfila-se como um dos constructos que muito tem suscitado o interesse dos investigadores, dada a sua forte relação com dimensões tão importantes na vida do indivíduo como a felicidade, a qualidade de vida ou o envelhecimento bem-sucedido. Segundo Simões (1992), este constructo é operacionalizado por indicadores como a felicidade (razão entre a afectividade positiva e a afectividade negativa experimentadas no momento presente), o moral (grau de optimismo, relativo ao tipo de vida, que os indivíduos esperam no futuro) e a satisfação com a vida (grau de contentamento com a maneira como tem decorrido a própria vida). O autor define-o como a maneira positiva ou negativa como as pessoas experienciam a sua vida (1992, 53). As principais componentes do bem-estar subjectivo são a emocional ou afectiva e a avaliativa ou cognitiva. Esta última refere-se à satisfação com a vida que, de acordo com Simões (1992), consiste num juízo subjectivo acerca da qualidade da própria vida, baseado num padrão estabelecido pelo próprio sujeito. A satisfação com a vida refere- 171

189 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência se, igualmente, a aspectos positivos da vida e não apenas à ausência de factores negativos, como acontece com vários indicadores de saúde mental. Finalmente, requer uma avaliação geral das diferentes dimensões da vida do indivíduo, ou seja, pressupõese que o indivíduo atribua ponderações positivas e negativas a essas dimensões e formule um juízo de valor sobre a qualidade da sua própria existência (Diener, 1984; Diener et al., 1985; Pavot et al., 1991; Simões, 1992). A SWLS - Escala de Satisfação Com a Vida (no original, Satisfaction With Life Scale) - constitui um dos instrumentos potencialmente mais úteis e psicometricamente mais válidos. Foi originalmente elaborada por Diener et al. (1985), a partir de um conjunto de 48 itens, tendo sido posteriormente reduzida para 5 evidenciando, todavia, índices de fidelidade e de validade aceitáveis (Diener et al., 1985; Pavot et al., 1991; Simões, 1992). O instrumento utilizado neste trabalho (Anexo 4) resulta da adaptação portuguesa realizada por Simões (1992) e é composto por 5 itens, organizados numa escala tipo Likert de 5 pontos: discordo muito (1); discordo um pouco (2); não concordo, nem discordo (3); concordo um pouco (4); e concordo muito (5). A versão original era composta por 7 alternativas de resposta mas, com o intuito de tornar a escala mais acessível a pessoas com escassas aptidões culturais, Simões (1992) simplificou as alternativas de resposta, tendo o cuidado de não pôr em risco as suas propriedades psicométicas. Deste modo, esta escala permite obter resultados que oscilam entre um mínimo de 5 e um máximo de 25, em que quanto mais elevado for o score, mais elevada será a satisfação com a vida. A validação portuguesa da SWLS foi realizada pela primeira vez por Neto, Barros e Barros (199). No que concerne à consistência interna, foi encontrado um alfa de Cronbach de.78. A escala foi ainda submetida a análise factorial, tendo emergido um único factor que explicava a maior parte da variância (53.1%), demonstrando tratar-se de um constructo unitário. Resultados semelhantes foram encontrados no estudo desenvolvido por Simões (1992), apesar das alternativas de resposta terem sido reduzidas para cinco. Assim, também neste estudo emergiu um único factor que explica 53.1% da variância. O alfa de Cronbach foi igualmente satisfatório, já que o seu valor se situou em.77. Deste modo, sugere-se que a SWLS revela boas qualidades psicométricas. Uma das suas vantagens, quando não se pretende avaliar a satisfação numa área específica da vida, é a sua brevidade. Por outro lado, parece tratar-se de um instrumento passível de ser administrado a adultos de diferentes graus etários e culturais, facilitando a comparação entre eles (Simões, 1992). 172

190 Capítulo 4 Objectivos e metodologia da investigação O Medical Outcomes Study Short Form 36 (SF-36) O SF-36 foi desenvolvido inicialmente por Ware e Sherbourne (1992) no âmbito de um projecto intitulado Estudo de Resultados Médicos (MOS Medical Outcomes Study) cujos principais objectivos consistiram em verificar se as variações dos resultados nos doentes eram explicadas pelas diferenças nos sistemas de cuidados de saúde, formação e prática clínica, e desenvolver instrumentos práticos para uma monitorização contínua dos resultados. Assim, o SF-36 foi criado com o intuito de constituir uma medida genérica do estado de saúde, destinado a medir conceitos de saúde que representam valores humanos básicos relevantes à funcionalidade e bem-estar de cada um (Ware, 1987, citado por Ferreira, 1998, 11). Trata-se de um instrumento que tem reunido grande aceitação, pois permite, numa variedade de populações, obter informações acerca de mudanças que ocorrem no estado de saúde, avaliar tratamentos médicos, e avaliar a qualidade de vida relacionada com a saúde (Peek et al., 24). O SF-36 foi concebido para ser utilizado no contexto da prática clínica e investigação, avaliações das políticas de saúde e em inquéritos à população em geral (Ware e Sherbourne, 1992). Efectivamente, o seu conteúdo, tanto referente a saúde física como mental, a sua robustez psicométrica e a sua relativa simplicidade são factores que facilitam a sua utilização (Ferreira, 1998). O instrumento adoptado neste trabalho foi a versão portuguesa do SF-36 desenvolvida por Ferreira (1998) (Anexo 5), e que compreende 36 itens que constituem 8 escalas, representando dimensões importantes do estado de saúde: função física, desempenho físico, dor física, saúde em geral, saúde mental, desempenho emocional, funcionalidade social e vitalidade. A escala que corresponde à função física pretende medir a limitação da pessoa para executar actividades físicas que vão desde as mais básicas (como vestir-se ou tomar banho) até às mais complexas ou exigentes, passando por actividades intermédias como levantar ou transportar as compras da mercearia, subir lanços de escadas ou inclinar-se. No tocante ao desempenho físico, a escala referente mede a limitação em saúde em termos do tipo e da quantidade de trabalho realizado. Inclui a limitação no tipo de tarefas usualmente executadas, a necessidade de redução da quantidade de trabalho e a dificuldade de executar as tarefas. Quanto às escalas da dor física, estas representam tanto a intensidade e o desconforto provocados pela dor, como também o grau em que interfere nas tarefas usuais. A escala da saúde geral pretende medir o conceito de percepção holística da saúde e inclui tanto a saúde actual como a resistência à doença. A vitalidade é medida por uma escala que inclui os níveis de energia e de fadiga. A escala da funcionalidade social pretende apurar não só 173

191 Prestação familiar de cuidados a idosos dependentes com e sem demência a quantidade mas também a qualidade das actividades sociais, bem como o impacto dos problemas físicos e emocionais nas actividades sociais do indivíduo. A escala da saúde mental é composta por questões que se referem a quatro das mais importantes dimensões da saúde mental: a ansiedade, a depressão, a perda de controlo em termos comportamentais ou emocionais e o bem-estar psicológico. Finalmente, a escala da transição ou mudança de saúde solicita ao sujeito que indique, baseando-se na experiência previamente vivida, até que ponto houve, em geral, uma mudança na sua saúde. O quadro 4.7 apresenta os conteúdos abreviados dos itens de cada escala. Quadro 4.7 Itens do SF-36 por escala ESCALA ITEM CONTEÚDO FF Função Física 3a Actividades violentas, tais como correr, levantar pesos, desportos violentos 3b Actividades moderadas, tais como deslocar uma mesa ou aspirar a casa 3c Levantar ou carregar as compras da mercearia 3d Subir vários lanços de escada 3e Subir um lanço de escadas 3f Inclinar-se, ajoelhar-se ou baixar-se 3g Andar mais de 1 Km 3h Andar vários quarteirões 3i Andar um quarteirão 3j Tomar banho ou vestir-se sozinho(a) DF Desempenho Físico 4a Diminuiu o tempo gasto a trabalhar ou noutras actividades 4b Fez menos do que queria 4c Limitado/a no tipo de trabalho ou outras actividades 4d Dificuldade em executar o trabalho ou outras actividades DC Dor Corporal 7 Intensidade das dores 8 Interferência da dor no trabalho normal SG Saúde Geral 1 A sua saúde é: óptima, muito boa, boa, razoável, fraca 11a Parece que adoeço mais facilmente do que os outros 11b Sou tão saudável como qualquer outra pessoa 11c Estou convencido(a) que a minha saúde vai piorar 11d A minha saúde é óptima VT Vitalidade 9a Cheio(a) de vitalidade 9e Com muita energia 9g Sentiu-se estafado(a) 9i Sentiu-se cansado(a) FS Função Social 6 Interferência dos problemas de saúde nas actividades sociais normais 1 Número de casos em que a saúde física interferiu nas actividades sociais. DE Desempenho Emocional 5a Diminuição do tempo gasto a trabalhar noutras actividades 5b Fez menos do que queria 5c Não trabalhou tão cuidadosamente como era costume SM Saúde Mental 9b Sentiu-se muito nervoso(a) 9c Sentiu-se tão deprimido(a) que nada o(a) animava 9d Sentiu-se calmo(a) e tranquilo(a) 9f Sentiu-se triste e em baixo 9h Sentiu-se feliz MS Mudança de Saúde 2 Classificação da saúde actual comparada com o que acontecia há um ano Adaptado de Ferreira (1998). 174

192 Capítulo 4 Objectivos e metodologia da investigação Estas 8 escalas foram agrupadas, a partir de análises factoriais, em dois componentes: saúde física e saúde mental (figura 4.2). Figura 4.2 Modelo factorial SF-36 com duas componentes Função Física Saúde Mental Desempenho Físico Desempenho emocional Dor Corporal Componente Física Componente Mental Função Social Saúde em geral Vitalidade Adaptado de Ferreira (1998). Relativamente às propriedades psicométricas do SF-36, vários estudos empreendidos em amostras com diferentes características revelam que este instrumento preenche critérios rigorosos de fiabilidade e validade (Brazier et al., 1992; Garratt et al., 1993; Jenkinson, Wright & Coulter, 1994; Lyons, Perry & Littlepage, 1994; Peek et al., 24). No que respeita especificamente ao uso do SF-36 na população idosa, onde, aliás, se insere a maioria dos cuidadores familiares (a idosos), existe já alguma evidência empírica que releva a sua adequabilidade, com resultados bastante satisfatórios no que toca à fiabilidade e validade (Lyons, Perry & Littlepage, 1994; Walters, Munro & Brazier, 21; Peek et al., 24). No que toca à versão portuguesa dos SF-36, Ferreira (1998) analisou as suas propriedades psicométricas numa amostra constituída por 93 mulheres grávidas e obteve resultados muito positivos no que à fiabilidade (com alfas de Cronbach que se situam entre.6 na função social e.87 na saúde geral) e validade diz respeito. 175

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